Por que as pessoas sentem medo?
Caramba… será que não tinha uma pergunta mais fácil?!
Na verdade tinha, me perguntaram no final de semana se a quiromancia era uma ciência. Essa é uma pergunta fácil. A resposta é não! A arte de ler as mãos não é uma ciência. Já falei aqui sobre ao que se propõe a ciência e porque essas são pseudociências (ainda que umas, como a quiromancia, seja mais pseudo que outras).
Mas voltando ao medo… como eu não sou especialista no assunto, fui dar uma pesquisada… Meu Deus!!! Quanta besteira tem escrita sobre o assunto! Não vou nem citar todas pra não confundir vocês. Vou, como sempre, tentar me ater ao científico e ao biológico.
O medo é um instinto básico e importantíssimo para a preservação da vida. Sua função é parecido com a da dor. Se não fosse a dor, você continuaria fazendo algo que está danificando o seu organismo. A dor pode começar como um “sinal” para parar e se transformar em uma poderosa força de ação para evitar que o dano continue.
Dentre todas as nossas funções biológicas (alimentar, crescer, reproduzir) uma delas supera quase todas: o mecanismo de “fuga ou luta”. É através desse mecanismo de alerta que nosso cérebro prepara o organismo para exercer uma dessas duas estratégias de sobrevivência, aumentando a pressão sanguínea (que vai levar mais sangue para os músculos), os batimentos cardíacos e aumenta a freqüência respiratória. As pupilas se dilatam, os pelos eriçam e o corpo sua para manter a temperatura. Tudo isso desencadeado pela liberação de adrenalina pela glândula supra-renal (ad renal vem do latim: acima dos rins; e ina é o sufixo de toda proteína, assim como os hormônios).
Basicamente o mecanismo diz, se o predador for menor do que você, ou você estiver de alguma forma, em vantagem (de número ou situação) lute. Se ele for maior, mais rápido, mais numeroso… corra! Antigamente os tigres dente-de-sabre é que ativavam nossos mecanismos de fuga ou luta. Hoje são os ladrões que ativam.
Então esse é o medo? Não, o mecanismo de fuga ou luta não É o medo (ainda que eles possam acontecer concomitantemente). O medo é uma ferramenta que visa evitar o conflito. A função do medo é, imediatamente anterior a ativação do mecanismo de fuga ou luta. Ou pelo menos deveria ser, pra gente economizar energia.
O medo é a sensação de reconhecimento do perigo, ainda que ele não esteja presente. O medo alerta, mas não para a luta. Alerta seus sentidos para reconhecer o efetivo risco de perigo. Ante o medo, você tem escolhas. Ante um predador… não.
Quer dizer, você também tem medo ante um predador. Então vamos colocar direito: Quando VOCÊ VÊ o predador, você sente medo, e você tem escolhas. Mas quando o predador VÊ VOCÊ… o medo não adianta muito. E é bom escolher logo se você vai fugir ou lutar. Não escolher pode custar mais caro do que a escolha errada.
Mas o que tememos? Já nascemos com medo? Sim! Os animais tem instintos básicos que alertam quanto a determinados perigos. Alguns estudos mostram que os recém nascidos tem medo de buracos e de sons altos. Além disso, nós todos sentimos medo, mas o experimentamos de maneiras ligeiramente diferentes, com maior ou menor intensidade. A função do medo é reconhecer o perigo, então nossos medos mudam ao longo da vida. Aumentam em número, porque somos uma espécie com a capacidade de aprender, e podemos reconhecer e armazenar informação quanto a novos riscos. Quanto mais situações de risco aprendemos a reconhecer, mais “medos” passamos a ter. Isso não é ruim: é protetor.
Ah, e não é verdade que tememos tudo que é novo ou desconhecido. Esses são medos incorporados ao longo da vida, e dependem de como somos educados nessas situações. Muitas culturas tem curiosidade ao invés de medo com relação ao novo e ao desconhecido.
Mas, também somos uma espécie com sentimentos e eles interagem com nossos medos básicos, criando novos medos. Isso dá ao medo novas dimensões, fora daquelas instintivas e puramente biológicas. E quando saímos da biologia e da ciência, saímos também do meu campo. Mas como todo mundo, eu também já senti esse tipo medos e por isso, sem medo, vou me arriscar a falar pouco mais.
Freud disse que existem vários tipos de medo. Aqueles associados ao risco, mas também aqueles associados à culpa. Os medos associados a culpa são aqueles que te paralisam e impedem que você reaja frente a uma situação. Ficar paralisado nessas situações não te custa a vida, porque não existe o perigo efetivo. Mas pode significar que você pare de viver. O que no fim das contas, dá quase no mesmo.
O (in)determinismo biológico
Mas até as 10 da manhã nenhum pesquisador da UFAC tinha feito contato conosco. Como tínhamos apenas dois dias, comecei a ficar preocupado com a produtividade e utilidade da visita. A gente da cidade grande, que nem eu, têm pressa.
Depois de muito tempo consegui falar com o ex-coordenador da pós graduação, dr. Alejandro Gonzales, um cubano com doutorado na antiga URSS, mas que se apaixonou pelo Acre. Um pouco mais tarde conseguimos finalmente falar com o Dr. Foster Brown, um americano que lecionava no Rio, mas se que também se apaixonou pelo Acre e hoje vive aqui, estudando queimadas e, acreditem, dando palestras para os militares da ABIN. Por último, falamos com a dr. Annelise, uma gaúcha, que, adivinhem, se apaixonou pelo acre, e hoje está grávida de 6 meses dele.
Essa terra parece despertar muitas paixões. Na praça principal da cidade, um monumento com uma bandeira enorme diz “há mais de 100 anos, brasileiros esquecidos por sua pátria, lutaram a a revolução para defender o Acre dos invasores”. Mas porque essa terra hoje parece ser feita apenas por pessoas de fora? Por que os acreanos da revolução não estão na universidade?
É meu segundo dia aqui e me lembrei do Puruzinho, da sensação diferente de tempo que temos na cidade grande, e que, mesmo sem entrar na floresta, sentimos aqui. O tempo aqui é diferente.
Mas a gente sabe que o tempo não é diferente, então o que é? São as pessoas?
Estou lendo esse livro muito legal que fala (questionando) da “ideologia do determinismo biológico”. Que no século XIX a ciência e a seleção natural ajudaram a sustentar uma ideologia de que a sociedade hierárquica era um “fenômeno natural”, já que cada um de nós se distingue nas suas habilidades fundamentais por causa das nossas “diferenças inatas”, diferenças essas que são biologicamente herdadas.
O livro aponta estudos que mostram que cerca de 60% das crianças filhas de trabalhadores de “colarinho azul”, permanecem sendo trabalhadoras do colarinho azul e 70% dos filhos de trabalhadores de “colarinho branco”, seguem sendo de colarinho branco. Para eles, geralmente as crianças de frentistas de postos de gasolina, pedem dinheiro emprestado enquanto filhos de magnatas do petróleo emprestam.
Mas isso justifica uma ideologia do determinismo biológico? Não, ela justamente contraria. As crianças não conseguem sair do seu meu devido a seus fatores inatos ou a hierarquia histórica? Nenhum cientista duvida mais que é devido a segunda alternativa. E o ambiente, histórico e natural, passam a ser o fator determinante.
Então temos que perguntar: o que será que acontece no ambiente amazônico para que, 100 anos depois da revolução acreana, as pessoas de lá continuem fora das universidades?
O clima quente era a resposta preferida dos europeus para justificar a “preguiça” e o “sub-desenvolvimento” dos povos indígenas das Américas e da África. Mas isso já está totalmente ultrapassado. Vocês já leram “Armas, Germes e aço”? É um livro interessantíssimo. Ele conta estudos que mostram, por exemplo, que aborígines australianos, quando tem o mesmo treinamento em lógica que os descendentes de europeus, conseguem, em média, se saírem melhor na obtenção de empregos. Sugerindo, mesmo, que os aborígines são mais inteligentes. Eles apenas foram menos treinados nas tarefas que nós julgamos desenvolvidas.
A resposta da biologia moderna para esse problema, assim como para todos os outros, são os genes. Tudo estaria nos genes. Estaria? Se estudarmos bem o genoma humano vamos descobrir qual o gene que faz os Amazonenses não se chegarem a universidade? Não é bem assim. Essa é na verdade a resposta de alguns biólogos modernos que ganham montes de dinheiro com os projetos genomas.
A capacidade de observar o ambiente, aprender com ele e modifica-lo para se adequar a nossas necessidades, é uma das nossas capacidades inatas que nos faz humanos. Ora, se observar, aprender e modificar são capacidades inatas e é justamente isso o que faz um cientista, então a ciência é uma das nossas capacidades inatas. Somos todos cientistas!
Então porque em áreas onde a natureza é tão exuberante, o treinamento em lógica é menos eficiente?
A verdade pode ser que o ambiente exuberante pode ser também ameaçador. E nesse ambiente ameaçador não há “tempo” para o treinamento em lógica. Sobreviver é a ordem do dia. Cada dia. Todo dia.
A inevitabilidade da luta pela sobrevivência em um ambiente inóspito deixa a busca de alternativas para compreender e modificar o ambiente em segundo plano. Ficar pensando a melhor forma de produzir mandioca pode significar perder a época do plantio e morrer de fome. Então… todo mundo planta, ninguém pensa e a vida continua. Aqui tudo é natural.
“Aqui eu faço diferença” foi a resposta de um dos “estrangeiros” que conheci no Acre. “É por isso que eu estou aqui”. Apesar do ambiente inóspito não inspirar o treinamento em lógica, esse treinamento pode fazer toda a diferença para essas populações, respeitadas suas tradições culturais.
Não são os genes que fazem toda a diferença, é a escola!
Por que quem bebe tem mais vontade de fumar?
Tudo está na nicotina. A nicotina é um alcalóide. Os alcalóides são compostos orgânicos azotados (possuem nitrogênio) complexos, de natureza básica, resultantes do metabolismo secundário das plantas.
O cigarro é um mecanismo muito eficiente de injeção de nicotina no organismo. Mais do que agulha na veia, já que pela absorção nos alvéolos, a droga não pede tempo na circulação venosa até chegar ao cérebro. Uma tragada e o efeito de alívio é imediato!
Mas o que é (deve ser) bom dura pouco!
Alem do cérebro, a nicotina vai para os rins, para ser excretada na urina. A meia vida biológica da nicotina é curta, em torno de 2h, o que significa que depois desse tempo, metade da dose ingerida já foi eliminada pelo organismo (já com o nome de cotinina). Claro, isso pode variar de pessoa a pessoa, com aqueles que demoram menos tempo pra eliminar a droga precisando fumar cigarros em um intervalo menor.
Como todos os compostos orgânicos, a nicotina tem baixa polaridade e por isso a sua solubilidade em água, assim como já discutimos para cafeína (outro alcalóide), é baixa. Os compostos apolares têm maior solubilidade em solventes orgânicos, como por exemplo… o álcool. Bingo!
Ao consumir bebidas alcoólicas, aumenta a concentração de álcool no sangue e aumenta a solubilidade da nicotina. Com a maior solubilização no sangue, menos nicotina vai chegar ao seu cérebro, por que ela vai ser mais facilmente removida pelos rins. Ou seja, o álcool facilita a excreção da nicotina e você se vê tendo uma “crise de abstinência” enquanto toma seus chopps.
Para piorar, um dos efeitos do álcool é a inibição do hormônio antidiurético, que te ajuda a controlar a vontade de urinar. E se a sua bebida predileta for um fermentado como a cerveja, que ainda por cima tem grande quantidade de água, é bom ter um banheiro por perto.
E mais um cigarro, porque sua “crise de abstinência” vai aumentar.
A nicotina que deveria ir para o seu cérebro, saiu toda no seu excesso de xixi!
Mas não é só o álcool que atrapalha a onda da nicotina. Um artigo recente publicado na revista Alcoholism, sugere que a nicotina atrasa a chegada do álcool no intestino, retendo ele mais tempo no estomago, e reduzindo seus efeitos.
Como o álcool também é uma droga que causa dependência física e psíquica, quando usa nicotina concomitantemente, o viciado acaba consumindo maior quantidade de álcool para obter o mesmo efeito desejado.
Quem bebe tem vontade de fumar. E quem fuma, tem que beber mais.
E adeus mãos cheirosas, cabelos perfumados e dentes branquinhos.
A reprodução assexuada
Chegamos à conclusão que algumas pessoas, de tão chatas, deveriam se reproduzir assexuadamente.
A assexualidade é relativamente rara entre os organismos multicelulares por razões ainda não completamente compreendidas. Do ponto de vista estratégico, a hipótese atual é a de que a reprodução assexuada pode oferecer benefícios no curto prazo quando o crescimento populacional rápido se torna importante, como por exemplo, para colonizar um novo ambiente; ou em ambientes muito estáveis, que não oferecem risco. Aha!!! A associação entre os chatos e a reprodução assexuada foi crescendo. Chatos adoram tentar colonizar festas vazias e dominar relacionamentos estáveis.
Mas um outro fator chama atenção. As espécies assexuadas podem aumentar seus números rapidamente porque todos podem produzir ovos viáveis. Todos produzem ovos viáveis? Opa?! Então são todos fêmeas?
Sim, e por isso, em condições ideais, essas espécies apresentam o dobro da taxa de crescimento populacional. A partenogênese é um tipo de reprodução assexuada encontrada nos multicelulares e toda população de uma espécie que se reproduz dessa maneira é composta por fêmeas.
Isto sugeriria que apenas as fêmeas podem ser chatos assexuados, mas, como já vimos no início do texto, isso não é verdade. Na espécie humana, existem muitas fêmeas assexuadas sim, mas quase sempre associadas a um macho assexuado. No entanto, essas fêmeas não permanecem assexuadas por muito tempo…
Todos os indivíduos das espécies assexuadas possuem o mesmo (ou quase o mesmo) gentótipo (pop-up: o conjunto dos genes que confere as características gerais de cada indivíduo). Que deveria estar muito bem adaptado ao ambiente estável. A chave do tipo de reprodução está, então, na estabilidade do ambiente e não o sexo do organismo.
Nas populações sexuadas, a metade dos indivíduos é de machos que não podem, eles próprios, sozinhos, produzir descendentes. E por isso essas populações têm uma fecundidade menor. Mas as alterações genéticas decorrentes da troca de material genético durante a reprodução sexuada, criam para esses organismos um enorme potencial de adaptação a alterações no ambiente.
Por exemplo, se um novo predador, ou patógeno, aparecer no ambiente e o genótipo da população for particularmente indefeso contra ele, a linhagem assexuada inteira poderá ser completamente eliminada. Já nas linhagens que se reproduziram sexuadamente, devido à recombinação gênica que produz um genótipo novo em cada indivíduo, existe uma maior probabilidade de que pelo menos alguns deles sobrevivam àquelas mudanças (que podem ser tanto físicas quanto biológicas) no ambiente.
A reprodução sexuada veio para causar mudança. Mas ela também veio porque havia mudanças. Em longo prazo, todos os ambientes tendem a ser perturbados. Ainda que essas mudanças não sejam necessariamente súbitas, os ambientes estão permanentemente em transformação.
Citando Bernard Shaw: “Não há progresso sem mudança”.
Algumas espécies alternam entre as estratégias sexuada e assexuada dependendo das condições, uma habilidade conhecida por heterogamia. Por exemplo, o crustáceo de água doce Daphnia se reproduz por partenogênese durante a primavera para povoar rapidamente os lagos, mas muda para o modo sexuado quando a competição e a predação aumentam. Assim têm maiores chances de sobreviver.
Os chatos assexuados também tentam aumentar de número rapidamente, mas acabam perecendo frente a competição… ou a predação. Em geral, não dá pra distinguir o chato assexuado nos ambientes estáveis. Mas basta as condições mudarem um pouco pra que eles se revelem. As fêmeas assexuadas, especialmente aquelas que ficam bravas quando recebem lingerie sexy de presente dos seus parceiros no dia dos namorados, mesmo quando dispensadas, não continuam sozinhas por muito tempo. Tem sempre um chato assexuado mais chato de plantão e elas se adaptam de novo. Já os machos assexuados… têm uma sorte pior: primeiro as fêmeas ativam o modo partenogenético, mostrando pro cabra que não precisam dele pra nada mesmo, e depois… é meu amigo, depois elas ativam o modo sexuado mesmo!
PS: Contribuiu a minha grande amiga bióloga Cristine Barreto.
O dia do Biólogo
Uma vez dei uma palestra para os filhos dos funcionários da Vale do Rio Doce. Era algo parecido com um programa de orientação vocacional e me pediram pra falar sobre o que (e como) era ser biólogo. Dar ensinar, pesquisar, aprender, falei tanta coisa legal. Mostrei o laboratório como a “matriz” e a praia e a floresta como as “filiais”. Mas passei o dia de ontem todo escrevendo projeto. Que é o que eu mais tenho feito nos últimos meses. Tentando imaginar a forma de contar a história para seduzir o comitê que vai decidir se vou ter financiamento no próximo ano e se vou poder “dar de comer” a meus alunos de mestrado. Acho que fiquei meio nostálgico e quis ir hoje com um deles coletar ostras e vieiras em Sepetiba.
Uma boa chance de saber melhor o que faz o biólogo é visitar a Casa da Ciência da UFRJ. Fica logo ali, ao lado do Canecão e do Rio Sul. Tem sempre um monte de palestras e eventos legais.