Como contar uma história sem usar uma palavra
O cérebro é realmente incrível e mais incrível ainda é como a nossa mente funciona utilizando as coisas que vemos e sabemos como peças na criação de coisas novas.
Como professor e empreendedor, eu tenho me defrontado com o constante desafio de dizer as pessoas o que eu faço, usando o menor tempo possível e causando o maior impacto possível. Homens de negócio e investidores tem pouco tempo, alunos tem pouca atenção. Se você não causar impacto imediato: Bum! Perdeu a sua chance.
Assuntos complexos não ajudam. Biodiversidade, biotecnologia, engenharia genética, são coisas que as pessoas tem dificuldade de entender mesmo depois de uma vida de estudo. Mas isso só torna o desafio mais importante. Ainda assim, muito difícil.
Mas as vezes tudo que a gente precisa é saber que é possível. Sabendo que é possível, é muito mais fácil acreditar e perseverar na busca do objetivo.
E foi com um quadrinho do Calvin que eu descobri que era possível. Nesse quadrinho genial, Bill Watson explica que nas tirinhas de domingo, onde o espaço dele no jornal é maior, ele pode explorar mais nuances e eliminar completamente o diálogo.
A história de Calvin tem todos os elementos importantes da narrativa (situação inicial, personagens, conflito, conclusão) e responde todas as perguntas do lead jornalístico e da retórica greco-romana: o que, quem, como, quando, onde, porque. Tudo isso Sem Dizer Uma Palavra!
Tomei para mim então o desafio de contar a história do que fazemos no nosso laboratório e empresa em apenas uma página e sem usar nenhuma palavra. Um quadrinho que pudesse ser usado em qualquer país, lingua, cultura, com clareza e precisão, do mesmo jeito que Bill Watson fez com as peripécias de Calvin.
Falei com a unica pessoa que seria capaz de colocar essas minhas idéias doidas no papel: Julia Back, a melhor designer do mundo(!), que não se intimidou com o desafio (que não era só de criação, mas também de tempo: tinha que ficar pronto em 3 semanas.
Seguindo a estrutura do Bill Watson, mandei um roteiro para Julia com uma descrição de uma linha para cada quadrinho. O resultado superou as expectativas. As minhas pelo menos.
Educar para a ciência não é trabalho de ‘alguém’. Todo cientista precisa se dedicar a contar a sua história de forma que todo mundo possa entender.
Desapega!
@vcqebiologo: Assistindo a palestra do sensacional Paulo Saldiva na abertura do Toxi-Latin 2014.
@dbotaro: Ele é pop!
Fui convidado por Afonso Bainy para uma apresentar os dados do nosso laboratório sobre as consequências das altas taxas de polimorfismos dos invertebrados aquáticos para o uso de biomarcadores no Congresso latino americano de toxicologia clínica e ambiental. Eu não gosto especialmente de Porto Alegre, mas como fiz meu mestrado em Rio Grande (que eu tenho de confessar, não gosto nem um pouco) criei um vínculo com a cidade e com os gauchos, principalmente com minhas amigas Ada e Cris que sempre me acolheram tão bem. Por isso, ir a Porto Alegre significa rever amigos queridos, como José Monserrat, meu guru científico, que estava lá também.
Atualmente, ir a um congresso é sempre um desafio. Já escrevi aqui que gostaria que todos os congressos científicos dessem uma renovada no seu formato e fossem como a FLIP. Como eles não são… não consigo achar nenhum deles interessante. Ou pelo menos interessante o suficiente para justificar o quanto custam. Ainda assim, se você quiser fazer uma coisa legal pelo seu congresso, convide o médico patologista e professor da USP Paulo Saldiva pra falar. Ele vai conseguir fazer a poluição, principalmente a do ar, que é a que ele estuda com mais propriedade, mas também, talvez, a mais perigosa, já que a gente não vê mas respira o tempo todo; te tocar. Sério, mas despretensioso; objetivo, mas leve. Como poluição é a minha área de pesquisa há 20 anos, eu já havia ouvido o nome do prof Saldiva antes, mas virei fã depois de assistir a palestra dele no TEDxSP (que vocês podem assistir acima). Como disse Dani Botaro enquanto eu tuitava a palestra dele: ele é pop!
@vcqebiologo: as megacidades como causa de toxicidade. O primeiro sistema de saneamento básico em cidades apareceu em Roma e chamava ‘Maxima Cloaca’
@vcqebiologo: São Paulo: apenas o centro histórico tem IDH alto. Na mesma cidade temos Oslo e Maputo.
@vcqebiologo: O que vai nos matar no futuro? Em 2012, 7 milhões de pessoas morreram no mundo por causa da poluição.
@vcqebiologo: O mapa da ineficiência energética no mundo e racismo ambiental: o uso seletivo d tecnologia limpa d acordo c o pais
@vcqebiologo: As cidades deixaram de produzir bens para vender serviços. Isso requer mobilidade e a consequência é que vivemos em chaminés.
@vcqebiologo: A relação entre o risco de ‘morrer no dia seguinte’ e ‘poluição’ é uma linha reta
@vcqebiologo: Entre os comportamentos listados por pacientes infartados antes do infarto está o tráfego!
@vcqebiologo: A poluição para as cidades, é como o cigarro para os indivíduos. E todo mundo sabe que tem da parar de fumar!
Mas o melhor estava por vir. Ao final do congresso, quando fui pegar o transfer de volta para o aeroporto, Paulo estava no mesmo carro. Ele foi conversando com o motorista que, quando soube que ele era médico, logo pediu conselhos sobre a sua hérnia de disco, sem se preocupar em saber a diferença entre um ortopedista e um patologista. Depois de responder atenciosamente todas as dúvidas do motorista, ele fala que está na hora de se aposentar:
– “Se eu ficar no meu instituto, vou atrapalhar todos os jovens que estão por lá”.
Opa, me meti na conversa:
– “Como assim professor?”
Ele explicou:
– “Eles nunca vão poder crescer. Veja, todos os artigos saem no meu nome, todos os projetos saem no meu nome, todos os financiamentos saem no meu nome. O INCT (sigla dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, os maiores projetos financiados pelo CNPq) está no meu nome… enquanto eu estiver lá, não haverá espaço para ninguém crescer.”
Abismado com a lucidez, sensibilidade, clareza e coragem do comentário, perguntei se ele se importaria de repetir tudo para eu poder gravar. Era uma brincadeira, mas com fundo de verdade.
– “No ano passado nós publicamos na Nature e na Lancet (a maior de todas as revistas científicas e a maior de todas as revistas médicas). Eu sei que não vou ganhar um Nobel, então eu já contribui tudo que poderia contribuir para o meu instituto. Agora, o que eu tenho que fazer é ir para uma faculdade de medicina, dessas que estão nascendo aos borbotões em cada esquina, e ajudar eles a fazer um bom trabalho.”
Uau! Chegamos ao aeroporto e a mega fila para deixar a bagagem me impediu de continuar a conversa. É lindo ver que a auto-confiança gerando desapego. Algo que eu procuro exercitar sempre, mas que acredito que apenas as mentes mais evoluídas podem alcançar.
Que não reste dúvida: ele se tornou o meu maior ídolo acadêmico vivo.
Terminei de ler: 'Uncertainty'
Sim, fiquei um tempão sem escrever aqui. Mas não sem ler.
Entre os livros incríveis que já li esse ano, um chama atenção porque a história poderia ser um blockbuster de hollywood, poderia virar série do Netflix, poderia virar combate como o UFC. Só que um combate de cérebros! A história da descoberta da mecânica quântica e do princípio da incerteza de Heisenberg.
“Desde que Marie-Curie se perguntou sobre a espontaneidade do decaimento radioativo, desde que Rutherford perguntou a Bohr o que fazia o elétron pular de um lugar para outro nos átomos, cresceu o entendimento que eventos quânticos acontecem, em ultima instância, sem nenhuma razão.
O que nos leva a um impasse. A física clássica não pode dizer que o universo ‘aconteceu’, porque nada pode ter acontecido sem que um evento anterior tenha causado o acontecimento. A física quântica não pode dizer ‘porque’ o universo aconteceu, exceto dizer que ele simplesmente aconteceu, espontaneamente, como uma questão de probabilidade mais do que de certeza.
Em outras palavras, Einstein estava certo quando reclamava que a mecânica quântica não poderia dar uma visão do mundo físico que não fosse ‘incompleta’. Mas talvez Bohr estivesse ainda mais certo em dizer que essa ‘incompletude’ era não só inevitável, como talvez até necessária’. Chegamos então a um paradoxo que Bohr teria adorado: somente através de um ato inexplicável de incerteza da mecânica quântica que o nosso universo pode ter chegado a sua existência, disparando uma cadeia de eventos que levou ao nosso aparecimento em cena, nos perguntando que ‘ímpeto’ original nos trouxe a existência”
O que esse belíssimo trecho final do livro de David Lindley ‘Incerteza: Einstein, Heisenber, Bohr e a luta pela alma da ciência’ (que poderia muito bem dar origem a um roteiro de filme) não diz, é que o livro é um destruidor de mitos.
Quando li pela primeira vez que “Max Planck, ao passar em revista a sua carreira no seu Scientific Autobiography, observou tristemente que ‘uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus oponentes e fazendo com que vejam a luz, mas porque seus oponentes finalmente morrem [sic] e uma nova geração cresce familiarizada com ela’” (citado por Thomas S. Kuhn em ‘A Estrutura das Revoluções Científicas’, 1962) nunca poderia imaginar que ele estava falando… de si mesmo. E de Einstein e de Schrödinger.
Como eu já sabia que Einstein tinha encrencado com o princípio da Incerteza, não veio como uma completa surpresa para mim a resistência que ele criou. Mas a intensidade da resistência e a dedicação a provar que Heisenberg estava errado, chegando a negar os próprios princípios da sua relatividade geral… me surpreenderam. Mas talvez a maior decepção tenha sido Schrödinger, que também não acreditava no que o mundo pudesse existir sem causa e consequência, ação e reação: qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o famoso experimento teórico do gato ‘quântico’ que estaria 50% vivo, 50% morto dentro da caixa foi pensado (originalmente por Einstein) não para ajudar a explicar melhor a mecânica quântica, mas sim para provar que se um gato quântico é impossível (ridículo talvez fosse a palavra mais adequada), então o era toda a mecânica quântica. O cara que eu considerava o ‘pai’ da biofísica, era um bundão!
A triste verdade, é que a história (mesmo o presente) mostra que os cientistas, mesmo os mais honráveis e brilhantes cientistas, quando tem suas filosofias desafiadas, são capazes de dedicar todo o seu intelecto e grande parte do seu tempo a combater as idéias que desafiam suas descobertas ainda que elas contribuam para o avanço da ciência e para a explicação de fenômenos observados quotidianamente.
Michael Shermer no também interessantíssimo livro ‘Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas’ dá a explicação: “Não fazemos escolhas utilizando a inteligência; fazemos escolhas em função das circunstâncias, por medo, para ter aceitação dos pares. Fazemos escolhas até ao acaso. Mas depois de feita uma escolha, utilizamos todo o nosso intelecto, todo o nosso arsenal cognitivo e toda a nossa criatividade para justificá-las, por mais estranhas que elas pareçam”.
Dan Ariely, outro grande autor que conheci recentemente, chama atenção na sua palestra no TED para o ‘conflito de interesses’ que criamos, inevitavelmente, todas as vezes que falamos para defender uma posição. Lidar com esse conflito é um desafio para qualquer pessoa, em qualquer situação, mas acredito que é um desafio especialmente grande para os cientistas, que buscam a verdade real e não consensual.
Sorte do Heinsenberg que nunca precisou se preocupar com isso. A descoberta dele foi tão incrível e tão definitiva, que ele nunca precisou defender sua descoberta de si mesmo. Heisenberg seria ‘o’ cara se não tivesse se juntado aos nazistas para fazer a bomba atômica alemã.
Como falei, o livro é um destruidor de mitos.
Sarau científico?
Essa é a proposta da EURAXESS – Researchers in Motion uma iniciativa da União Europeia para dar acesso, apoio e informação a pesquisadores brasileiros que queiram trabalhar ou se envolver em pesquisas científicas (e sociais) na Europa.
Mas mais do que isso, é uma oportunidade incrível para fazer algo diferente: expor sua pesquisa e suas idéias, com rigor científico, mas sem o formalismo dos congressos e seminários.
Eu estou triste de não poder participar 🙁
Mas se você é aluno de doutorado ou Pos-doc, não perca essa chance!
Veja o vídeo que é super bacana e o cartaz com as informações abaixo. Até 1o de setembro, é tempo mais que suficiente para preparar seu vídeo.
Ativismo Científico
Mais de 5.000 exibições do vídeo, mais de 3.000 “curti” no facebook, mais de 350 doadores, mais de R$ 40.000 arrecadados em 60 dias. Com a participação da galera, da Bio Bureau, da Ikzus e do Canal Asas, superamos a nossa meta e vamos fazer o genoma do mexilhão dourado!
Primeiros ou não, o nosso Crowdfunding Científico foi um sucesso! Mobilizou a mídia mais do que poderíamos imaginar (veja as reportagens no final da página) e trouxe a tona a invasão do mexilhão dourado, uma catástrofe há mais de 10 anos nos nossos ambientes aquáticos. Estamos orgulhosos da nossa iniciativa, mas ainda há muito o que fazer.
Me surpreendeu, no entanto, a indignação de muitas pessoas quando viram o projeto:
“É um absurdo que o governo não financie essa pesquisa!”;
“Tem dinheiro pra Copa mas não pra ciência!”;
“Esse é o retrato da ciência no Brasil!”
O brasileiro é um povo muito solidário. Mas talvez por não ter uma população rica, essa solidariedade não tenha se consolidado em uma cultura de doação financeira forte, como acontece nos EUA e outros países do mundo. Acaba parecendo estranho pedir doações. Como se fosse pedir caridade. Quase mendigar.
A principal motivação da nossa iniciativa não foi financeira e a importância dela transcende os R$40.000 que pedimos.
O finaciamento de C&T no Brasil existe. Nossa linha de pesquisa com o mexilhão já foi financiada pelo MMA (2007) e CNPq (2010) em outras ocasiões. A verdade é que não se faz pesquisa, em nenhum lugar do mundo, sem financiamento governamental pesado. Nosso laboratório nunca teria sido montado sem os muitos editais, principalmente da FAPERJ, que nos apoiaram ao longo dos últimos 10 anos.
Mas também é verdade que o financiamento de C&T no Brasil é disperso e inconstante, o que deixa um espaço enorme para novas iniciativas, como o uso do crowdfunding, para financiar ciência. E prestem atenção no que eu digo: o crowdfunding científico vai se tornar uma estratégia fundamental para a ciência brasileira. Um modelo criativo para estimular a produção de inovação no Brasil.
Mais do que os R$ 40.000, queriamos mobilizar da população para um projeto científico. E também nisso, o sucesso foi absoluto! Estagiários, colaboradores, trabalhadores voluntários, patrocinadores, reporteres, fãs… todos eles apareceram.
Nossa base de doadores fala mais do que o brasileiro pensa da ciência do que as pesquisas de opinião do MCT, porque não é só a opinião: é o fato! As pessoas querem se associar a pesquisas científicas e estão até dispostas a contribuir financeiramente para isso.
De fato, existe interesse pela ciência. Só precisamos de mais ativismo científico.
Que eu garanto para vocês, não vai faltar.
Crowdfunding do Genoma do Mexilhão Dourado na Mídia:
-
Revista Galileu
http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI339200-17770,00-CROWDFUNDING+FINANCIA+PROJETO+CIENTIFICO+PELA+PRIMEIRA+VEZ+NO+BRASIL.html
-
Giovana Girardi no Estado de São Paulo.
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,biologos-fazem-vaquinha-para-decifrar-genoma-do-mexilhao-dourado,1040012,0.htm
-
'Internautas ‘versus’ invasor cascudo' na Ciência Hoje
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2013/06/internautas-2018versus2019-invasor-cascudo
-
Crowdfunding Científico é “revolucionário” no Jornal da Ciência
http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC737.pdf
-
Crowdfunding Científico no Jornal O Globo!
http://oglobo.globo.com/ciencia/ciencia-brasileira-estreia-no-financiamento-coletivo-8255561
-
Cientistas arrecadam dinheiro para desvendar DNA no G1
http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/04/cientistas-arrecadam-dinheiro-na-web-para-decifrar-dna-de-mexilhao-invasor.html
-
Financiamento coletivo ajuda o desenvolvimento de projetos no país na Globo News:
http://globotv.globo.com/globo-news/jornal-das-dez/t/todos-os-videos/v/financiamento-coletivo-ajuda-desenvolvimento-de-projetos-no-pais/2538668/
-
Quer batizar um gene? no Site Planeta Sustentável:
http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/blog-da-redacao/quer-batizar-uma-proteina-ou-um-gene-e-so-investir-no-genoma-do-mexilhao-dourado/
-
Quer batizar um gene? no Blog a revista Super Interessante:
http://super.abril.com.br/blogs/planeta/quer-batizar-uma-proteina-ou-um-gene-e-so-investir-no-genoma-do-mexilhao-dourado/
Venha fazer ciência com a gente!
Vou fazer duas perguntas as quais tenho certeza que você vai responder, “Sim”:
Você já quis ser cientista?
Você já quis fazer alguma coisa pela Amazônia?
Claro, não é?!
Estamos te dando a chance de fazer as duas coisas. O laboratório de Biologia Molecular Ambiental criou o primeiro crowdfunding científico brasileiro para sequenciar um genoma. Um crowdfunding é um projeto de financiamento coletivo, onde quem contribui se torna um pouco dono do projeto.
O alvo é o mexilhão dourado, Limnoperna fortunei, uma espécie invasora, uma praga que veio da Ásia e agora está ameaçando a biodiversidade da Amazônia. O video explica tudo direitinho.
Venha participar da aventura da descoberta científica com a gente. Você contribui financeiramente com o projeto e nós colocaremos o seu nome nos genes e proteínas que identificarmos. Legal né?!
Meio NERD?! É, mas você sabe, NERD é o novo Sexy!
Projeto eBook de Biofísica
Ninguém aprende nada, muito menos pensamento crítico, sem conteúdo. Pensamento crítico pode ser o mais importante, mas primeiro, tem que vir conteúdo. Sim, temos a internet, mas precisamos de conteúdo de confiança, porque nossos alunos ainda não tem o critério aperfeiçoado para definir o que é e o que não é bom na internet.
Sim, temos livros e mais livros, mas eles tem um problema… os alunos acham os livros didáticos chatos. E sou obrigado a concordar com eles.
De muitos para muitos
Na semana passada fizemos a mostra dos PACCE – Projetos Artísticos Científicos Culturais Educacionais dos alunos de Biofísica da UFRJ.
Um show de criatividade! Videos divertidíssimo, que atendiam a todos os critérios exigidos pelo professor: Eram originais (sem utilizar material de copyright), eram – uns mais outros menos – divertidos, eram digitais e ensinavam algum aspecto de biofísica.
Eu faria 5 destaques:
1 – Biosaga – O jogo da metástase – uma célula mutante caminha pelo corpo humano tentando disseminar o câncer, enquanto é combatida pelo sistema imune. Se quiser desenvolver a metástase, você tem que saber bioquímica e biofísica para obter energia e vencer os linfócitos e macrófagos. É simplesmente espetacular!
2 – O telejornal – misturando realidade e fantasia, esses alunos criaram notícias que ajudam a entender o papel e a função de macromoléculas. Genial é pouco!
Vá direto para a ‘Rebelião na matriz mitocondrial (3′ 09″ – Espetácular!!!) e Trânsito no tilacóide (4′ 03″ – Espetácular!!!) Um Lelec lec lec pra terminar porque ninguém é de ferro (5’ 20″)!
3 – O Bonde da Biofísica com o Funk da contração muscular. Sem palavras… o despolarização não vai sair da sua cabeça.
Vá direto para o clip (1’18”). Despolarizaaaaaando… Despolarizaaaaaando… Imperdível!
4 – O samba de Newton. elegante, bem cantado, bem tocado e divertido. Uma graça
5 – o Metano e o aquecimento global. Surreal e divertidíssimo. A paródia do aquecimento global vai conquistar você. Fique até o final para ver o Harlem Shake da vaquinha.
Esses e os outros vídeos estão funpage da disciplina no Facebook.
O sucesso dos projetos me mostram duas coisas: primeiro que eles funcionam como modelo de engajamento, motivação e trabalho colaborativo. Segundo que é possível um ensino que seja mais produtivo e aproxime o erudito do popular, a universidade da sociedade. E que comece a apresentar para os nossos alunos, novos modelos de ensino, e para nossos professores também.
Na universidade, ainda estamos presos ao velho modelo do ‘pouco para muitos’. Antigamente, lá nos gregos, o ensino era de poucos para poucos. Os professores e tutores eram poucos e transmitiam oralmente seus ensinamentos para, no máximo, 3, 4 pupilos. Depois vieram as universidades, o quadro negro, e ampliamos a nossa capacidade de comunicação em uma ordem de grandeza: o ensino passou a ser então de poucos para muitos (ainda que, vamos lá, nem tantos assim, uns 40-50). A EAD e a internet nos possibilitaram aumentar em algumas ordens de grandeza esses valores, de 30-40 para 400, 4.000, 4.000.000. É isso que fazem hoje o Coursera com seus MOOCs (Massive Online Open Courses), o KHAN accademy (com vídeos também em português) e o Almanaque da Rede no Brasil.
Mas ainda assim é ensino de poucos para muitos, de um professor para muitos alunos. Os nossos PACCE são a verdadeira revolução porque estão fazendo ensino de muitos para muitos! Eu explico melhor.
Todo mundo tem alguma coisa a ensinar. Ou um novo modo de ensinar alguma coisa. E que é mais fácil pra alguém em especial aprender.
Todo professor sabe disso. Os melhores, mais ainda: é impossível uma aula, por melhor que seja, agradar a todo mundo. Isso porque, como todo mundo sabe, a aprendizagem é um processo individual e como a opinião, cada um tem o seu. Os bons professores, além de carisma e conteúdo, tem um repertório de modos de explicar a mesma coisa para quem não entendeu (ou de acordo com a turma que se encontra na sua frente). Mas por melhor qu ele seja, seu repertório não é infinito. Assim como não é infinito o tempo de aula. Então… o professor, sozinho, nunca vai poder dar o salto quantitativo necessário para incluir a massa de pessoas em busca de educação.
Mas com o PACCE aumentamos não só o alcance das aulas: aumentamos as oportunidades de aprendizagem! Assim, um aluno pode aprender com um vídeo meu, uma coisa; e com um vídeo de um aluno meu, outra (que possivelmente não aprendeu com o meu vídeo, por melhor que ele fosse).
Temos que disponibilizar mais conteúdo e fazer esse conteúdo chegar a mais pessoas. É um desafio gigante! Mas infelizmente não é suficiente. Isso por que algumas coisas são, simplesmente, difíceis demais para aprender só com uma explicação, ou de um só jeito. Momentos de aprendizagem, essa é a inclusão! Ops, a solução.
Apropriação indébita
Eu sou muito emotivo, mas também sou muito apegado a regra. Sem ela, nao podemos ter o que Massimo Canevacci definiou brilhantemente hoje como a “imaginação exata”, aquela que produz coisas no mundo real. E por isso, quando torturam a regra, a minha regra, a ciência, eu ficou muito, muito incomodado. Não… Agora eu estou é puto mesmo!
Estou em Paraty em um evento organizado para refletir os caminhos para o futuro do Brasil. Super ‘selecionado’, supostamente, com a nata da intelectualidade brasileira, capaz de propor esses caminhos. E o que eu vejo e ouço? A apropriação indébita, incorreta e inconsequente de conceitos biológicos pelos cientistas sociais.
A biologia evoluiu muitíssimo nas últimas décadas. Especialmente a biologia evolutiva e a neurociência, com base nas técnicas de manipulação genética e celular. Isso proporcionou o acúmulo de um amplo e sólido corpo de evidencias biológicas, capazes de explicar comportamentos humanos. E por isso a ciência, ainda que distante da sociedade, se tornou fundamental para validar critérios e acreditar opiniões.
Então, intelectuais de ‘Meia cultura e falsa erudição’, como disse Ina Von Binzer ainda no Séc XIX, se apropriam de conceitos poderosos como gene, DNA, neurocientífico, significativo… até epigenética, para corroborar ideias, opiniões e pré-conceitos sociológicos, antropológicos, pedagógicos… insustentáveis!
“A ciência mostrou isso! Vamos falar de neurociência: está tudo lá na mitocondria! O Neguinho da Beija-Flor tem 70% dos seus genes brancos. A raça se consolida com a cultura! “
Pelo amor de Darwin! Como pode um psicólogo falar tantas besteiras em uma frase só?! A neurociência está na moda, no Brasil e no mundo, com todas as coisas bacanas que pessoas como Stevens Rehen, Suzana Herculano e Miguel Nicolélis fazem. Aí o cara resolve colocar ‘neurociência’ na apresentação dele. Só que ele não sabe nada disso! E nem da pesquisa do famoso geneticista mineiro Sérgio Pena, que usa genes mitocondriais para determinar ancestralidade (já que herdamos as mitocôndrias apenas de nossas mães, geração após geração). Só que o objetivo dessas pesquisas é justamente mostrar que a genética não sustenta o conceito de raças, que duas pessoas brancas podem ter mais diferenças entre os genes que um branco e um negro.
“A nova ciência da epigenética provou que o ambiente é mais importante que os genes para determinar a felicidade das pessoas”
Eu não acredito na humildade como força modificadora e acho que um dos ingredientes mais importantes do sucesso é saber reconhecer a diferença entre o que se sabe e o que não se sabe. Eu já ouvi falar tanto de Paulo Freire que sinto como se o conhecesse, mas a verdade é que li apenas um livro seu e não me considero capaz de falar em seu nome.
Então, por favor, estudem antes de falar dos genes. É difícil, eu sei. Como disse Domenico de Masi hoje “imparare è sempre faticoso” (aprender é sempre cansativo). Mas isso não justifica ou autoriza a apropriação indébita.
Onde está o cientista?
O carnaval está terminando e eu ainda não fiz o meu post sobre a(s) folia(s).
Eu ia falar, como todo ano, pra todo mundo usar camisinha, mas esse ano tenho um babado mais forte (mas por via das dúvidas, acabo de escrever um post curtinho e bonitinho falando pra todo mundo usar camisinha).
Eu vou chegar no babado forte, mas queria começar com essa foto clássica de Albert Einstein. Quando ele mostrou a lingua para o paparazzi que o estava atormentando no dia do seu 72o aniversário, acho que não pensou que estaria fazendo um desserviço a ciência. Ele só queria ser deixado em paz e quando o fotografo pediu para ele sorrir, botou a lingua pra fora. Mas acabou se tornando um símbolo da estranheza dos cientistas. Se juntou a tantas outras histórias, mais ou menos verídicas (como a que Einstein tinha apenas ternos iguais assim não precisaria se preocupar com o que vestir e podia utilizar a sua mente brilhante para coisas mais importantes), de como os cientistas são estranhos.
Quando comecei esse blog em 2005 um dos meus objetivos era justamente lutar contra essa imagem esteriotipada do cientista, que infelizmente persiste até hoje. Não que tenha algum problema ser estranhos. E é exatamente esse o ponto: de médico e louco todo mundo tem um pouco! Só que parece que os cientistas tinha mais de louco e isso foi afastando as pessoas, principalmente os jovens, da ciência. E isso não é bom. Principalmente porque não vejo nenhuma foto mostrando o quanto o Silas Malafaia é estranho (e perigoso) e quando 80% dos meus alunos de ciências biológicas se dizem evangélicos.
Ainda que muitas pessoas reclamem do seriado The Big Bang Theory justamente porque ele aumentaria esse esteriótipo, eu discordo. TBBT humaniza os cientistas, que tem suas estranhices esteriotipadas, mas tem problemas iguais aos de todo mundo e, ao contrário do Mackgiver, não são problemas que a ciência possa resolver.
Cientistas, principalmente os cariocas, gostam de cerveja, praia, futebol e carnaval. Entre outras coisas e não necessariamente nessa ordem. E estão em todos os lugares que as outras pessoas estão. Até no melhor bloco de rua do carnaval do Rio, a Orquestra Voadora. Você consegue encontrar o cientista?
Abre parênteses: Só temo que, se conseguir, acabe por confirmar o esteriótipo. Mas não me leve a mal, é carnaval! Fecha Parênteses.
Fazer ciência é legal!