De muitos para muitos

Na semana passada fizemos a mostra dos PACCE – Projetos Artísticos Científicos Culturais Educacionais dos alunos de Biofísica da UFRJ.

Um show de criatividade! Videos divertidíssimo, que atendiam a todos os critérios exigidos pelo professor: Eram originais (sem utilizar material de copyright), eram – uns mais outros menos – divertidos, eram digitais e ensinavam algum aspecto de biofísica.

Eu faria 5 destaques:
1 – Biosaga – O jogo da metástase – uma célula mutante caminha pelo corpo humano tentando disseminar o câncer, enquanto é combatida pelo sistema imune. Se quiser desenvolver a metástase, você tem que saber bioquímica e biofísica para obter energia e vencer os linfócitos e macrófagos. É simplesmente espetacular!

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2 – O telejornal – misturando realidade e fantasia, esses alunos criaram notícias que ajudam a entender o papel e a função de macromoléculas. Genial é pouco!

Vá direto para a ‘Rebelião na matriz mitocondrial (3′ 09″ – Espetácular!!!) e Trânsito no tilacóide (4′ 03″ – Espetácular!!!) Um Lelec lec lec pra terminar porque ninguém é de ferro (5’ 20″)!

3 – O Bonde da Biofísica com o Funk da contração muscular. Sem palavras… o despolarização não vai sair da sua cabeça.

Vá direto para o clip (1’18”). Despolarizaaaaaando… Despolarizaaaaaando… Imperdível!
4 – O samba de Newton. elegante, bem cantado, bem tocado e divertido. Uma graça

 
5 – o Metano e o aquecimento global. Surreal e divertidíssimo. A paródia do aquecimento global vai conquistar você. Fique até o final para ver o Harlem Shake da vaquinha.
 

Esses e os outros vídeos estão funpage da disciplina no Facebook.

O sucesso dos projetos me mostram duas coisas: primeiro que eles funcionam como modelo de engajamento, motivação e trabalho colaborativo. Segundo que é possível um ensino que seja mais produtivo e aproxime o erudito do popular, a universidade da sociedade. E que comece a apresentar para os nossos alunos, novos modelos de ensino, e para nossos professores também.

Na universidade, ainda estamos presos ao velho modelo do ‘pouco para muitos’. Antigamente, lá nos gregos, o ensino era de poucos para poucos. Os professores e tutores eram poucos e transmitiam oralmente seus ensinamentos para, no máximo, 3, 4 pupilos. Depois vieram as universidades, o quadro negro, e ampliamos a nossa capacidade de comunicação em uma ordem de grandeza: o ensino passou a ser então de poucos para muitos (ainda que, vamos lá, nem tantos assim, uns 40-50). A EAD e a internet nos possibilitaram aumentar em algumas ordens de grandeza esses valores, de 30-40 para 400, 4.000, 4.000.000. É isso que fazem hoje o Coursera com seus MOOCs (Massive Online Open Courses), o KHAN accademy (com vídeos também em português) e o Almanaque da Rede no Brasil.

Mas ainda assim é ensino de poucos para muitos, de um professor para muitos alunos. Os nossos PACCE são a verdadeira revolução porque estão fazendo ensino de muitos para muitos! Eu explico melhor.

Todo mundo tem alguma coisa a ensinar. Ou um novo modo de ensinar alguma coisa. E que é mais fácil pra alguém em especial aprender.

Todo professor sabe disso. Os melhores, mais ainda: é impossível uma aula, por melhor que seja, agradar a todo mundo. Isso porque, como todo mundo sabe, a aprendizagem é um processo individual e como a opinião, cada um tem o seu. Os bons professores, além de carisma e conteúdo, tem um repertório de modos de explicar a mesma coisa para quem não entendeu (ou de acordo com a turma que se encontra na sua frente). Mas por melhor qu ele seja, seu repertório não é infinito. Assim como não é infinito o tempo de aula. Então… o professor, sozinho, nunca vai poder dar o salto quantitativo necessário para incluir a massa de pessoas em busca de educação.

Mas com o PACCE aumentamos não só o alcance das aulas: aumentamos as oportunidades de aprendizagem! Assim, um aluno pode aprender com um vídeo meu, uma coisa; e com um vídeo de um aluno meu, outra (que possivelmente não aprendeu com o meu vídeo, por melhor que ele fosse).

Temos que disponibilizar mais conteúdo e fazer esse conteúdo chegar a mais pessoas. É um desafio gigante! Mas infelizmente não é suficiente. Isso por que algumas coisas são, simplesmente, difíceis demais para aprender só com uma explicação, ou de um só jeito. Momentos de aprendizagem, essa é a inclusão! Ops, a solução.

Apropriação indébita

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Eu sou muito emotivo, mas também sou muito apegado a regra. Sem ela, nao podemos ter o que Massimo Canevacci definiou brilhantemente hoje como a “imaginação exata”, aquela que produz coisas no mundo real. E por isso, quando torturam a regra, a minha regra, a ciência, eu ficou muito, muito incomodado. Não… Agora eu estou é puto mesmo!

Estou em Paraty em um evento organizado para refletir os caminhos para o futuro do Brasil. Super ‘selecionado’, supostamente, com a nata da intelectualidade brasileira, capaz de propor esses caminhos. E o que eu vejo e ouço? A apropriação indébita, incorreta e inconsequente de conceitos biológicos pelos cientistas sociais.

A biologia evoluiu muitíssimo nas últimas décadas. Especialmente a biologia evolutiva e a neurociência, com base nas técnicas de manipulação genética e celular. Isso proporcionou o acúmulo de um amplo e sólido corpo de evidencias biológicas, capazes de explicar comportamentos humanos. E por isso a ciência, ainda que distante da sociedade, se tornou fundamental para validar critérios e acreditar opiniões.

Então, intelectuais de ‘Meia cultura e falsa erudição’, como disse Ina Von Binzer ainda no Séc XIX, se apropriam de conceitos poderosos como gene, DNA, neurocientífico, significativo… até epigenética, para corroborar ideias, opiniões e pré-conceitos sociológicos, antropológicos, pedagógicos… insustentáveis!

“A ciência mostrou isso! Vamos falar de neurociência: está tudo lá na mitocondria! O Neguinho da Beija-Flor tem 70% dos seus genes brancos. A raça se consolida com a cultura! “

Pelo amor de Darwin! Como pode um psicólogo falar tantas besteiras em uma frase só?! A neurociência está na moda, no Brasil e no mundo, com todas as coisas bacanas que pessoas como Stevens Rehen, Suzana Herculano e Miguel Nicolélis fazem. Aí o cara resolve colocar ‘neurociência’ na apresentação dele. Só que ele não sabe nada disso! E nem da pesquisa do famoso geneticista mineiro Sérgio Pena, que usa genes mitocondriais para determinar ancestralidade (já que herdamos as mitocôndrias apenas de nossas mães, geração após geração). Só que o objetivo dessas pesquisas é justamente mostrar que a genética não sustenta o conceito de raças, que duas pessoas brancas podem ter mais diferenças entre os genes que um branco e um negro.

“A nova ciência da epigenética provou que o ambiente é mais importante que os genes para determinar a felicidade das pessoas”

Eu não acredito na humildade como força modificadora e acho que um dos ingredientes mais importantes do sucesso é saber reconhecer a diferença entre o que se sabe e o que não se sabe. Eu já ouvi falar tanto de Paulo Freire que sinto como se o conhecesse, mas a verdade é que li apenas um livro seu e não me considero capaz de falar em seu nome.

Então, por favor, estudem antes de falar dos genes. É difícil, eu sei. Como disse Domenico de Masi hoje “imparare è sempre faticoso” (aprender é sempre cansativo). Mas isso não justifica ou autoriza a apropriação indébita.

O 'Mainframe' da vida


As vesículas dobradas estão presentes em células de todos os tamanhos e idades. Os grânulos são principalmente compostos de proteínas antimicrobianas, que são despejadas na hemolinfa durante um desafio, e depois para evitar uma nova invasão, do mesmo jeito que anticorpos depois de uma infecção.

As vesículas dobradas estão presentes em células de todos os tamanhos e idades. Os grânulos são principalmente compostos de proteínas antimicrobianas, que são despejadas na hemolinfa durante um desafio, e depois para evitar uma nova invasão, do mesmo jeito que anticorpos depois de uma infecção.

Raramente escrevo aqui sobre o meu trabalho. Poderia mentir, dizer que é modéstia ou alguma coisa assim, mas não é. Acho que o que eu faço no laboratório, pelo menos até hoje, não dava uma boa história. Acho que isso nem é verdade, mas sabe como é: casa de ferreiro, espeto de pau.

Mas essa semana publicamos um artigo… lindo! Mas lindo mesmo! Do jeito que dá orgulho de ser cientista. Fizemos tudo direito: o desenho experimental foi correto, os dados foram bem coletados, fizemos a análise correta e uma discussão inovadora.

Tão inovadora que… o revisor disse que ela era especulativa demais. Mas até nisso esse artigo funcionou: o revisor, que muitas vezes pode ser um idiota (veja aqui essa satira incrível de Hitler reclamando do terceiro revisor – se você não é cientista, talvez não se divirta tanto), foi sensacional: nos apontou na direção correta e, depois de bater a cabeça por um mês (as vezes na parede, as vezes nos pulsos uns dos outros) fizemos um artigo muito, muito bom.

“o parágrafo final é perfeito”. Gente… tenho só 40 anos e já vivi o suficiente para ouvir um revisor dizer isso!

Mas sobre o que é esse artigo que estou falando tanto, que me fez ir até o meu currículo Lattes e apagar uma estrela antiga para poder dizer que ‘esse’ é um dos meus 5 artigos mais importantes?

Eu poderia dizer, corretamente, que é sobre o sistema imune de ostras. Mas ai você poderia dizer, mas e eu com o sistema imune de ostras? Elas são uma delícia com sal e limão, e isso é que importa!

Bom, eu tenho que concordar que elas são uma delícia. Mas isso não desmerece o sistema imune delas. Os bivalves são um dos grupos animais com maior número de espécies. Ocupam todos os mares, rios e lagos. Alguns, como o mexilhão dourado, são pestes, invasores extremamente vorazes e eficientes. Isso, vivendo em um ambiente hostil: concentração de bactérias e vírus na água chega a 10ˆ6 e 10ˆ9 por mililitro!

E como elas conseguem ser tão eficientes, em ambientes tão diferentes quanto hostís? Uma das respostas é: com um bom sistema imune!

E quando eu falo em sistema imune você já pensa logo em anticorpos, linfócitos, imunoglobulinas… mas não, esses animais são muito anteriores ao sistema imune adaptativo dos mamíferos. Eles só possuem sistema imune inato. E que se resume a, e essa foi uma das nossas descobertas, um tipo de célula apenas! Só que essas bichinhas são sinistras! Fagocitam bactérias, metralham elas com espécies reativas de oxigênio e, pra garantir que elas não apareceram mais, disparam peptídeos anti-microbianos dos seus grânulos na hemolinfa do bicho. Se você for biólogo e entender de imuno, posso dizer em um linguajar mais técnico: desgranulam igual macrófagos!

E isso é que é o bacana. Apesar de não terem o sistema imune adaptativo que nós temos, nós temos o sistema imune inato que elas tem. Verdade, nós produzimos apenas um poucos tipos de defensinas, enquanto elas produzem um monte. É é justamente o estudo dessas proteínas de defesa que tem mostrado, por um lado, o que pode ser a origem do sistema imune adaptativo, e de outro, toda uma estratégia para combater as bactérias resistentes a antibióticos.

E você que pensou que elas serviam apenas para petiscos…

Nosso laboratório estuda isso: as relações entre os genes dos organismos e o seu ambiente, e como isso pode nos ajudar a resolver problemas ambientais e de saúde humana. Ou, como disse lindamente a professora Claudia Lage quando leu o texto: “Adoro esses estudos que mostram o ‘mainframe’ da vida”.

Eu também!

Rebelo, M., Figueiredo, E., Mariante, R., Nóbrega, A., de Barros, C., & Allodi, S. (2013). New Insights from the Oyster Crassostrea rhizophorae on Bivalve Circulating Hemocytes PLoS ONE, 8 (2) DOI: 10.1371/journal.pone.0057384

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