"Senhoras e senhores, eu podia estar robâno, eu podia estar matâno…"

… mas há dias que não faço outra coisa a não ser escrever pedidos de financiamento para todas as agências de fomento a pesquisa do Brasil. Sem contar as prestações de contas para poder pedir novos financiamentos. Foram 4 até agora no mês de agosto, e a previsão de mais 4 até o final de setembro. Isso porque escolhi alguns editais apenas. Certo, vocês podem dizer que isso é um bom sinal, de que há dinheiro para financiar pesquisa. Mas quase todos são ‘pequenos dinheiros’, em curtos, que não são suficientes para realizar um trabalho científico de qualidade. Ai temos que ficar custurando recursos e resultados, o que dá mais trabalho e toma mais tempo do que a pesquisa em si. E é claro, não sobra tempo para ir pra bancada no laboratório.

A muda

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Os cordados, animais que possuem coluna vertebral, apresentam um crescimento contínuo. Que pode ser mais lento ou mais rápido, mas por se contínuo é difícil de perceber.
Os artrópodes por sua vez não possuem um esqueleto interno. Seu esqueleto é externo e denominado exoesqueleto. Imagine um cavaleiro medieval: sua armadura é um exemplo perfeito de exoesqueleto!
Mas voltando aos artrópodes. Entre eles estão vários bichos nojentos, mas alguns bichos bonitinhos também. A Joaninha é um artrópode. Por causa do esqueleto externo, os artrópodes não podem ter um crescimento contínuo. Esse crescimento descontínuo acontece de tempos em tempos. Por que todos precisamos crescer, mesmo os camarões.
O momento de crescimento desses animais é, tão apropriadamente, chamado de muda. Por que eles efetivamente mudam seu exoesqueleto. Alem de permitir o ponto de suporte para os músculo, que possibilita que esses animais se movimentem, ele também funciona como um casca, um escudo, proteção. E novamente a armadura do cavaleiro medieval se presta a comparação.
Mas como acontece essa mudança? O animal se solta dela. Deixa ela ir.
Só que diferente do cavaleiro medieval, todos os músculos do animal estão ligados a sua casca. E pra se soltar… dói! Mas mesmo assim ele se solta. Por que todos precisamos crescer, mesmo os tatuís.
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É nesse momento, no momento da muda, que o animal fica mais vulnerável. Sem a sua armadura ele está desprotegido e é uma presa fácil. Para não ficar a mercê dos predadores, em geral os animais se escondem durante esse período. Podem também sofrer da Síndrome de coração apertado. Parece com os ataques cardíacos humanos, mas não matam. O coração cresce rápido demais e fica apertado ainda dentro do peito antigo. A dor é tão grande que vai até o estomago (é melhor deixar o bicho quieto nessa hora!) A muda é um processo arriscado. Mas mesmo assim ele muda. Por que todos precisamos crescer, mesmo as libélulas.
Mas a muda também é um processo lindo. Um enxurrada de hormônios (que estavam dentro do animal mas ele nem sabia) tomam conta do pedaço, sinalizando que é hora de mudar. E os hormônios, a gente sabe, ninguém pode com eles. Depois de se soltar de sua casca, o animal cresce, muda. A nova casca é produzida vagarosamente. Muitas vezes é possível usar coisas da outra casca (Proteínas importantes, nutrientes e algumas boas recordações) deixa outras coisas que naquele momento parecem menos importantes (basicamente restos metabólicos e outras amarguras), mas ela nunca mais será suficiente. E é por isso que todos precisamos crescer, mesmo as cigarras.
Você pode pensar por que o animal não constrói sua nova armadura antes de se desfazer da primeira? É que ele nunca sabe quão grande vai ser a mudança. Nunca sabe o quanto vai crescer. Depende do clima, da disponibilidade de alimento, depende do DNA e… depende dos hormônios (e como a gente sabe, tudo que depende dor hormônios é imprevisível). Mas ele corre o risco. Por que vale a pena. Por que todos precisamos crescer, mesmo as centopéias.
A muda pode fazer coisas incríveis. Se algum membro se perdeu no exoesqueleto antigo, ele volta no exoesqueleto novo. Na verdade ele cresce novamente, no período em que acontece o crescimento. Uma nova casca pode apagar o danos de batalhas anteriores. Mudar é arriscado, mas por muitas razões vale a pena. Principalmente, por que todos precisamos crescer, mesmo as borboletas.
Algumas vezes, por um descontrole hormonal (malditos hormônios) o animal pode ficar longos períodos sem mudar. Ou pode ainda tentar crescer sem mudar. Isso causa fissuras no exoesqueleto que são mais doloridas que a muda em si. E ai ele vê que de um jeito ou de outro, tem que mudar. Não dá pra enganar os hormônios. Todos precisamos crescer, mesmo os Louva-Deus.
Mas isso quer dizer que o bicho (só sendo bicho mesmo) tem todo o trabalho de construir uma casca, que protege ele, do tamanho perfeito pra ele, ligar todos os seus músculos a ela, ficar ali, quentinho, quietinho e protegido pra… depois mudar? E ainda correr o risco de ser comido no processo? Parece estranho que alguém queira fazer isso. Mas quem pode saber que se passa na cabeça de uma mariposa? Talvez seja bom ter uma casa maior, talvez o brilho do exoesqueleto novinho seja sedutor… como saber?
O que podemos dizer é que todos temos que crescer. E todos temos que mudar, pra poder crescer. Até nós mesmos!

Todo mundo no mesmo barco

Não, não sou eu no barco. Como (quase) todas as outras fotos no blog, essa veio do site SXCNa última 6a feira meu 3o aluno de mestrado defendeu sua dissertação. Foi um parto.
A experiência de orientador é provavelmente a mais enriquecedora da vida acadêmica. Uma orientação nunca é igual a outra, provavelmente porque um aluno nunca é igual a outro. A minha ilusão inicial é que o trabalho nós colocasse a todos, alunos e professores, no mesmo barco, um barco onde eu levava o leme. Ledo engano.
Tem aqueles que enquanto você está no leme, levantam e baixam a vela no momento certo, tiram água quando esta entra e verificam se as amarras estão seguras quando a gente chega no porto. Mas tem também de tudo: aqueles que querem seu próprio barco, aqueles que tem medo do barco andando rápido demais e pulam na água, aqueles que não tem idéia do que fazer no barco e você tem de dizer tudo o que ele tem que fazer (Camba! Caça a vela! Não deixa emborcar). Ah, e tem os motineiros. Aqueles que querem tomar o barco de você.
Oxalá um dia incluam uma disciplina de RH no curriculo dos biólogos, mas eu tive mesmo que aprender escovando assoalho e tomando com a vela na cabeça. Não fosse o cinto de segurança (e a ginga de capoeira) tinha caído pra fora nos primeiros escorregões e o barco estaria a deriva.
O que eu tenho muita dificuldade de convencer novos alunos é de uma particularidade importante da ciência. A ciência é muito, muitíssimo, extremamente, democrática. A ciência, como já disse aqui é para todos. Está aberta para todos. Mas a ciência não é uma democracia. Aqui não vale o que fala a maioria, mas sim o que está certo (e que cada vez menos são a mesma coisa).
A ciência não faz, e nem deve fazer, concessões. Nenhuma!
Aqueles resistem, questionando a validade dessa essa exigência, ou evocando um ‘lado humano’ na ciência (que permitiria a ela abrir exceções ou fazer concessões), eu digo que são ingênuos.
Mas nosso barco é grande e pode fazer muitas coisas. E apesar de seguir uma trajetória bem definida, passa por muitos lugares. Quem quiser se juntar a nós pode ter muitas experiências diferentes nele, pode nos acompanhar na nossa longa caminhada, ou apenas percorrer o trajeto até o próximo porto. Minha exigência para um aluno é que ele aceite que a ciência não faz concessões, e no que tange esse aspecto, tampouco eu. Mas conselho é que ele invista em escolher que tipo de passeio quer e está disposto a fazer.
Ou, mudando a metáfora mas mantendo o sentido, como perguntam diriam os motoristas de Buggy das dunas do nordeste:
“Vai ser com o sem emoção?”

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