Minha tatuagem científica

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Quando cheguei na Itália em 2002 fiz uma tatuagem. Científica.

Mas não foi uma decisão impulsiva. Foram anos tomando coragem pra fazer “algo que é pro resto da vida”. Me decidi finalmente quando li a resposta da então eleita “Musa do verão” do Rio pela revista de Domingo (suplemento do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro) a um reporter que perguntava se ela não se preocupava com ter apenas 18 anos e tantas tatuagens. “Você não tem que se preocupar que é para o resto da vida. Alias é bom que seja. A tatuagem é uma marca de um momento que você viveu e ajuda você a carregar esse momento pra sempre”.
Como uma patricinha pode ser tão esperta? Felizmente pode. Pra gente se lembrar constantemente de vencer nossos preconceitos.
Mas voltemos a tatuagem. Ainda levei anos pensando em qual seria o motivo, o desenho e em onde colocá-lo. Eu mesmo que desenhei o DNA tribal e decidi colocar nas costas porque achei que seria bom não olhar pra ele todo dia (mas é verdade que acabo não olhando nunca). Minha irmã, a loira linda e supertatuada, reclama que é pequena demais e que não dá pra ver direito porque se confunde com o cabelo, mas eu gosto. O motivo foi a minha opção pela razão e pela ciência como doutrina de vida, com tudo que eu precisava estar disposto a fazer e arriscar por essa opção. Naquela época, isso significava mudar de cidade, de país, de lingua e de vida. Largar o coração partido, o Rio querido, a família, meu primeiro carro, meu primeiro apartamento e partir pra aventura do descobrimento. Descobrir se eu realmente dava pra cientista (Opa, peraê!).
Deu tudo certo e eu voltei cientista. Com muitas das certezas que eu tinha antes (“there is no place like home”), algumas novas mas um monte de bagagem na mochila (a mesma que viaja comigo a 17 anos). A tattoo está lá. Começa a perder um pouco de definição, mas a cor continua firme.
Outro dia me mandaram o site do pesquisador Carl Zimmer, que organizou o Science Tattoo Emporium. Eu não resisti e mandei a minha pra ele. Está lá.
Já tive motivo pra fazer outra tatuagem. Não era científica, mas o motivo desapareceu antes da marca ficar estampada na pele. E quando é assim, quem sabe… é melhor que seja. Agora finalmente decidi qual será a proxima. Não será científica, mas vai marcar o meu verdadeiro grande amor, o Rio de Janeiro. Assim que ficar pronta, mostro pra vocês.

A dieta intracelular

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Na capa da revista Cool (?!) deste mês, o leitor é convidado a conhecer a ‘Nutrição Intracelular’ e mudar seus conceitos sobre alimentação. Desconfiei. Mas reportagem só não era pior porque, de tão pobre, tornava difícil desdizer qualquer coisa. Então resolvi contar para vocês o que é mesmo importante saber sobre dieta intracelular, que envolve o por quê de alguns de nós sermos mais cheinhos enquanto outros, magros de ruins.
A avassaladora maioria da energia que consumimos todos os dias é gasta para mover íons de um lado para outro da célula.
Uns de dentro para fora e outros de fora para dentro. Esse tráfego é importante para que o corpo possa fazer duas coisas: contrair músculos e enviar estímulos nervosos. Ambas tarefas são feitas por descargas elétricas, geradas quando a célula, que no repouso tem uma carga negativa, recebe uma descarga de íons sódio (Na+), que tem carga positiva, e elevam rapidamente o potencial elétrico da célula, disparando a ação.
Outro íon importante nesse processo é o cálcio (Ca2+). Ele ajuda na contração muscular (fazendo funcionar o motorzinho de actina e miosina que temos na célula, lembra do 2o grau?) e na emissão de vários outros sinais. Mas para isso a célula precisa manter a concentração interna desses íons muito, muito baixa. E isso não é fácil. Eu poderia levar algum tempo explicando as razões, mas vou pedir apenas que vocês acreditem em mim. A membrana plasmática é bastante impermeável a íons e eles conseguem atravessá-la apenas em alguns ‘portões’, proteínas especializadas como a calcio-ATPase. Essa enzima fica na membrana plasmática e na membrana sarcoplasmática. O retículo sarcoplasmático é um ‘saco’ dentro dá célula onde armazenamos os íons de cálcio para usarmos quando precisarmos. O trabalho da enzima é colocar os íons para dentro do saco ou para fora da célula, garantindo que o citoplasma fique livre deles, até o momento em que se tornem necessários. Mas a enzima não pode trabalhar de graça. Para jogar um íon onde já exite mais daquele íon (dentro do saco, por exemplo) ela precisa lutar contra um gradiente elétrico (as cargas positivas que já estão lá) e químico (os outros íons cálcio que estão lá) ela precisa de energia, que vem do ATP (aha… por isso o nome ATPase – “aquela que quebra ATP para funcionar”).
Eu sei, até agora não falei nada de dieta nenhuma, e você que está no blog pela primeira vez já está se sentindo enganado com o título, mas confie em mim, eu vou chegar lá. Agora, não espere receita nenhuma.
Bom, quando a cálcio-ATPase acumula um monte de íons calcio dentro do sarcoplasma, ela cria um gradiente osmótico. Isso quer dizer que toda a energia da quebra do ATP gasta para colocar o cálcio pra dentro do saco não foi exatamente gasta. Parte dela continua armazenada ali, nesse gradiente osmótico. Isso porque, se abrirmos a ‘porteira’ da ATPase, o cáclio vai, por diferença de pressão osmótica (tem mais cálcio dentro do saco do que fora), atravessar o canal da enzima em direção so citoplasma.
Nesse momento, a enzima tende a funcionar na direção oposta. Ao invéz de gastar, ela usa a energia desse gradiente osmótico para sintetizar ATP. É incrível, não é mesmo?!
O que?! Você não acha incrível? E ainda me acha meio doido por achar que isso é interessantíssimo? Bom, agora é que eu vou soltar a bomba, então vamos ver se você ainda vai achar isso inútil no final do texto.
As vezes, quando a célula está em repouso, e o retículo já está cheio de íons cálcio, a ATPase abre a sua porteira, e deixa alguns íons passarem para o outro lado. Quando isso acontece, algumas vezes, a energia que é gerada na passagem não é usada para produzir novos ATP. Ao invés, é usada para produzir calor.
Sim, calor. Aquele mesmo, que ajuda a manter nosso corpo quente.
Então vamos lá: o que a gente come, de uma forma ou de outra, acaba virando ATP, que é a moeda energética do corpo e da célula. Boa parte dessa energia é gasta para manter a célula com pouco sódio e cálcio. Isso significa bombear, gastando ATP, esses íons para locais específicos, onde eles ficam acumulados. A energia desse ATP não é totalmente perdida, já que parte dela se transforma em energia osmótica (íons acumulados), que pode depois ser convertida novamente em ATP, que por sua vez pode servir para a célula fazer qualquer outra coisa, inclusive bombear mais cálcio para dentro do armazem. Mas quando ao invés disso a bomba de ATP produz calor, esse calor depois não pode ser reconvertido em mais nada. Ele sim, depois de esquentar o corpo, se perde. Essa sim é energia gasta. Bem gasta, porque nos deixa o coração aquecido em noites de inverno, mas gasta.
Então vejamos, quando a célula já está bem de energia, ela pode ficar brincando com o excesso, passando a energia de uma forma para outra, de ATP para acúmulo de cálcio e de volta para ATP, disperdiçando bem pouquinho, ou então queimar ela, literalmente, produzindo calor. O que determina isso? Não sei, só sei que é assim.
Mas sei que isso é diferente em cada pessoa. Minhas células decidem queimar de um jeito e as suas de outro. Quando como pizza entro no looping do cálcio-ATP, enquanto meu primo paulista, que é magrinho, torram tudo em calor.
É claro que não dá pra escrever isso na revista Cool. Já pensou, ninguém mais poderia ser enganado com uma dieta qualquer, sabendo que o problema estava nas suas cálcio-ATPases que preferem economizar ATP ao invés de queimar tudo. E que há muito pouco que ele/ela posam fazer.

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Neurônios que perdem cromossomos… revisitado

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Esse é um dos textos pelo qual tenho mais carinho. Foi um dos primeiros que escrevi e ainda hoje bastante acessado pelos leitores. Também é referente a um trabalho lindo feito pelo meu querido amigo Stevens Rehen (o Bitty). Hoje, preparando uma aula sobre Aneuploidia (células que possuem número de cromossomos diferente do esperado) revisitei o texto, fiz algumas correções (inclusive de português) e acrescentei mais alguns resultados.

O texto é baseado no estudo publicado na PNAS em 2001, realizado no cérebro em desenvolvimento de camundongos e introduz a idéia de que ao contrário do que se pensava, nem todas as células do corpo possuem o mesmo número de cromossomo. O que significa dizer que nem todas as células possuem a mesma quantidade e, consequentemente, o mesmo DNA. Algumas (na verdade muitas, em torno de 33% no cérebro em desenvolvimento) podem possuir um pouco mais (porque acumulam um – ou mais – cromossomo) e outras um pouco comenos (porque perdem um ou mais). O corpo é na verdade um mosaico de células com diferentes quantidades de genoma. Neurônios adultos podem inclusive apresentar mais de um cromossomo sexual (como na foto acima).

Em 2005 o mesmo grupo publicou um novo artigo (DOI: 10.1523/JNEUROSCI.4560-04.2005), dessa vez mostrando que o mosaicismo dos cromossomos também acontece no cérebro adulto de humanos, com variações da ordem de 2-7% em indivíduos com idades que variam de 2 a 86 anos. Mas não é só: essa variação foi medida com base na perda ou ganho do cromossomo 21, aquele cuja trissomia (presença de 3 cópias) nas células do corpo, causam a grave Sindrome de Down. Só que nenhum desses indivíduos analisados apresentava qualquer sintoma de distúrbio ou doença neurológica! O cérebro humano maduro normal apresenta células com uma trissomia que, quando generalizada por todo o tecido, significa graves defeitos para o sitema nervoso central.

Apesar do óbvio potencial para participação dessas aneuploidias em doenças, em 2001 o grupo já havia sugerido que o mosaicismo poderia contribuir, em nível de organismo, para as diferenças fisiológicas e comportamentais que encontramos entre os indivíduos, de forma não explicada pela genética clássica (que não podem ser herdadas de pai para filho pelos mecanismos clássicos de transmissão da informação genética). No artigo de 2005 eles vão além, sugerindo que a aneuploidia seria um mecanismo para gerar variabilidade celular através da variação do número de cromossomos, uma teoria consistente com observações de que a presença, em larga escala, de polimorfismos de múltiplas cópias entre os indivíduos (o nome parece complicado, mas apenas significa que alguns de nós podem possuir muuuuuitas cópias de um determinado gene enquanto outros apenas uma, ou nenhuma), podem explicar a diversidade gênica, a susceptibilidade a doenças e ainda, fornecer ‘material’ para a evolução.

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