O laboratório do Nobel


Para um biólogo, viajar para o exterior é uma necessidade por muitos motivos. Primeiro os gringos tem mais grana que a gente e uma infra-estrutura muito melhor que a nossa. Lá (ou aqui, onde estou agora) você consegue alcançar em 6 meses resultados que não conseguiria no Brasil em 2 anos. Outra razão é ir atrás do conhecimento ONDE ele está sendo produzido ao invés de esperar que ele chegue até você.

O Instituto Oceanográfico de Woods Hole (WHOI) é uma das maiores instituições de pesquisa do mundo. Sabem aquele mini-submarino que vocês vêem explorando as profundezas do oceano no Discovery Channel, o Alvin? É daqui.


Na mesma cidade, que não é maior que um campus universitário, está o ainda maior e ainda mais antigo Marine Biological Laboratory (MBL). Juntos esses dois institutos já hospedaram mais de 50 premios Nobel. Inclusive um dos três ganhadores do prêmio Nobel de química desse ano, o japonês Osamu Shimomura que atualmente é cientista Emérito do MBL, pela descoberta da proteína verde fluorescente GFP (do inglês Green Fluorescent Protein). Vocês já devem ter lido muito na imprensa sobre ela, então eu vou passar a fofoca dos bastidores.

O MBL ganhou o Nobel, mas a patente da GFP está enchendo os cofres do WHOI, do outro lado da ponte (sobre o canal que atravessa Woods Hole). Foi aqui, no mesmo departamento onde estou trabalhando, com o mesmo chefe, que Douglas Prashero, o ‘cientista injustiçado‘ trabalhou e isolou o gene da GFP.


Lendo o artigo do G1 reconheço ali todas angustias de um pesquisador. Não basta a habilidade técnica na bancada. Ele tem de saber escrever um bom projeto para conseguir fundos para pesquisa, tem de saber convencer seu chefe e seus pares da importância do seu trabalho para que a instituição lhe dê infra-estrutura e tem que suportar a pressão de viver com a instabilidade da bolsa pelo tempo que for necessário. Aqui nos EUA existem já vários cursos de ‘gerenciamento de carreira científica’, mas ai no Brasil, só conheço a iniciativa da qual participei, em 2001 e 2006, quando junto com Stevens Rehen realizamos o ‘Dicas de sobrevivência na academia‘: um mini-curso no congresso da FeSBE que alertava os alunos para os ‘não-tão-óbvios’ problemas que eles podem encontrar ao longo da sua carreira.

Prashero não foi o primeiro pesquisador com potencial a se transformar em motorista de Van, e até que esses cursos se tornem uma rotina na pós-graduação, não será o último.

50.000


No domingo, 9/11, às 21.34h, acessou o VQEB o quinquagésimo milionésimo visitante. Uau!

Pelo buraco da fechadura


“O professor chegou com 15 min de antecedência e as 10 horas em ponto já estava tudo pronto para a aula começar. Mas não havia nenhum aluno. No quadro negro, o nome da disciplina, o nome do professor e o título da aula. Também havia uma pergunta, a primeira que ele queria fazer a seus alunos. Mas não havia nenhum aluno. Já havia visto aulas, e já havia dado aulas, para três, dois, até para um aluno. Mas sem nenhum aluno… não há aula.

Então o professor se sentou, abriu seu livro preferido e esperou que os alunos chegassem. Eles tinham que chegar! Não era um curso qualquer: era um curso de pós-graduação, em uma instituição de excelência, com professores gabaritados e, ainda por cima, gratuito. Os alunos, todos eles também professores, foram selecionados com base em critérios exigentes. Então cadê o aluno?

Foi então que ele viu um aluno olhando pelo buraco da fechadura. Via os olhinhos se revezando, mas nenhum deles entrou. “Ué? Será que eles não me viram aqui? O Professor, o quadro negro, a pergunta? Será que não reconheceram a sala de aula?

Dois chegaram a abrir a porta e entrar na sala, mas saíram antes mesmo que o professor pudesse dar bom dia. Será que é isso? O professor deveria ter escrito ‘Bom dia’ no quadro? Ele lembrou da piada do Joãozinho onde a professora sempre que entrava em sala de aula era saudada pela turma com um “Bom diaê, professora” e no final ficou comprovado que ao mesmo tempo que todos da turma davam ‘bom dia’, Joãozinho mandava pra professora: “vai se fudê”.

Com isso ele sabia lidar. Alunos bagunceiros, alunos barulhentos, alunos que não sabem respeitar o professor por esse ou por aquele motivo. Já tinha sobrevivido a várias tentativas de motim em sala de aula. Mas aos alunos que não entram na sala? Isso ele não sabia como lidar.

Ai aconteceu algo realmente estranho. Uma aluna entrou disfarçada de carteira escolar. Sim, ela estava disfarçada de carteria. Luvas e meias compridas da cor de madeira e uma tábua de madeira colada nas costas e outra na barriga e ficou ali, de quatro no meio das outras mobílias acadêmicas por alguns minutos, tentando ver se acontecia alguma coisa. Se a aula começava.

Apenas um segundo antes de revelar o disfarce da aluna e perguntar o que estava acontecendo, ele se lembrou de quando ele era aluno e que um professor reclamou de algo parecido. Os alunos não entravam na sua sala para tirar as dúvidas que ele sabia que eles tinham. A porta estava sempre aberta, ele falou, mas ninguém entrava. Eu era aluno e apesar de não ter aquelas dúvidas, eu sabia porque ninguém entrava: todos tinham medo dele.

Curiosidade e medo. Só mesmo a confluência dessas duas poderosas emoções podem levar um aluno ao ridículo de se disfarçar de cadeira para tentar entrar em uma sala de aula desapercebido. Uma curiosidade tão forte, e um medo tão grande de errar, que anulam o ridículo do disfarce de cadeira.

Então ele deixou a menina ali. Um pouco porque se comoveu com aquela situação, outro porque não havia mais ninguém na sala mesmo, mas também por curiosidade de ver o que aconteceria se outro aluno entrasse e tentasse se sentar naquela cadeira. Na pior das hipóteses, ao ver que nada acontecera com aquela aluna em uma situação ridícula, outros alunos se animariam a entrar na sala, ainda que com outros disfarces. E ele então teria sua turma e poderia dar a sua aula.”

Uma situação parecida aconteceu comigo. Não, não teve aluna disfarçada de cadeira, mas os alunos resistiam a entrar na sala de aula e eu pensei se eu não estaria sendo assustador.

Vai… quem olha pra minha foto ai do lado vê que eu não tenho como ser assustador. Sou até bonitinho!

Mas olhei ao meu redor e vi: Minha sala de aula era assustadora. Mouse, tela, cabos, modem, seqüências de 00001001111001110010101110011 bites e bytes. Fórum, chat, e-mail. Parece a Matrix.

Mas mais que isso: na minha sala de aula virtual existe a palavra! O que se escreve ali fica registrado, guardado nesse baú com tranca de ‘zeros e uns’ e que ainda confundem tanto as pessoas. O que assusta mesmo é a palavra. A autoria do pensamento. A escrita. A crítica.
O que foi dito pode ser retirado, ainda que com dificuldade. O que foi escrito, não. E é isso que apavora.

Descobri que minha sala de aula é mais assustadora do que a ‘mansão de Amityville’!

A sala de aula virtual desperta a curiosidade de todos os professores, mas todos tem medo das suas palavras. O resultado é tão bom quanto uma aluna disfarçada de cadeira.

Pensando bem, vou lá acabar com a farsa dela agora mesmo. Que futuros professores podem ser tornar alunos que tem tanto medo do erro? Ou pior, que tipo de professores eles já são?

Criatividade ou Anarquia?

Pollock foi criativo
O físico Richard Feynman diz que toda boa idéia deve primeiro passar por um exame intelectual criterioso antes de ser colocada a prova experimentalmente. Testar hipóteses é trabalhoso e caro, e justamente por isso nem todas as idéias devem chegar a esse estágio. Não importa se é uma idéia para um experimento, para um novo avião ou para uma obra de arte.Uma boa idéia, e portanto original e criativa, não deve refutar princípios básicos das coisas.
Por exemplo, a 2a lei da termodinâmica é uma das leis fundamentais do universo. Ela diz que não podemos reciclar energia. Energia gasta é energia perdida (isso pode parece banal, mas tem conseqüências graves, como a passagem do tempo, a expansão do universo, a vida e a morte). E também diz que as coisas precisam de energia para se manterem organizadas e se não gastarmos energia as coisas se desorganizam.
Uma nova idéia para uma turbina precisa respeitar a 2a lei da termodinâmica
Pois bem, se um engenheiro aparece com uma idéia excelente sobre um novo motor a jato onde a energia de uma turbina em movimento é utilizada como combustível para movimentar uma outra turbina; por melhor que seja a idéia, ela é impraticável, porque contraria uma lei fundamental. Ou o engenheiro propõe uma nova abordagem para a lei da transferência de energia ou o projeto vai ficar engavetado (o que provavelmente acontecerá).
Quando uma idéia nova não respeita leis fundamentais e preceitos básicos ela não é criativa, ela é anarquica. E a anarquia, como a falta de energia, levam a desordem. Não é uma colocação política, é física.
Picasso foi muito, muito criativo
Essa constatação parece ser universal. Andando pelo MoMA no final de semana passado, vi obras de arte que eram criativas e outras que eram, simplesmente, anárquicas. Não tem a ver com formas, com cores, com padrões, emoções ou abstração. Van Gogh usou cores e pinceladas que ninguém usava e foi muito criativo. Picasso usou formas que ninguém nunca usava e foi criativo. Pollock jogava tintas na tela e foi criativo. Andy Warhol usou latas de sopa e foi criativo. Porque então ou cara que jogou panos de estopa no chão e colocou alguns espelhos foi anárquico? Vejam que eu disse ‘o cara’ porque eu nem lembro o nome da figura.
Aqui eu não há criatividade. Só anarquia.
Está faltando precisão para explicar o anárquico? Então deixem eu tentar novamente. No último andar do museu havia uma mostra de Miró. E era uma mostra anárquica. Das horas que passei no museu, apenas 5 min (tempo necessário para atravessar todos os corredores sem parar em quase nenhuma obra) foram nessa recém inaugurada gigantesca mostra de Miró.
Mas se eu adoro Miró e acho Miró super criativo. Vejam que eu disse que a ‘mostra’ era anarquica.
Nesse caso, a culpa é do curador e não do pintor. A mostra se chamava ‘Pintura e anti-pintura’ com desenhos e colagens feitos por Miró depois da sua frase célebre “Eu quero assassinar a pintura”. O curador tenta vender a idéia de que vários estudos e desenhos de Miró eram uma fase revoltada da sua arte, uma tentativa de criar a anti-pintura, trabalhando em segredo em seu estúdio blá, blá, blá. Pura anarquia. A verdade é que o fascismo estava comendo solto na Espanha e a segunda guerra mundial batendo à porta. Miró trabalhava trancado em seu estúdio por medo de sair na rua. E não havia muita gente circulando por lá pra ir visitá-lo. Miró foi criativo, mas isso não quer dizer que TUDO o que ele fez enquanto estudava e experimentava era criativo.
Uma idéia para ser criativa precisa respeitar a lei da entropia, em qualquer um dos seus muitos enunciados: “o calor sempre passará de um corpo mais quente para um corpo mais frio e nunca ao contrário”; “uma energia de baixa qualidade realiza menos trabalho que uma energia de alta qualidade”. Uma idéia para ser criativa, precisa otimizar o uso da energia. Em um motor, um texto, um experimento ou uma pintura.
Preguiça e ignorância nunca resultam em idéias criativas.

Diário de um Biólogo – Terça 28/10/2008

É inevitável: Todo cientista também será um contrabandista.

Já escrevi aqui e aqui sobre as dificuldades de importação de material científico no Brasil e como isso reduz nossa produtividade científica. Outra circunstância dificultadora importante foi criada nos últimos anos: a necessidade de permissões do IBAMA para trabalhar com a nossa Fauna e Flora. Você pode se sentar com a sua vara de pescar a beira do Paraíba do Sul e pescar alguns Cascudos para o almoço (a seu próprio risco) mas se for um estudante coletando Cascudos para estudar a poluição no rio, é preso sem direito a fiança. Quem me déra fosse assim em Brasília!

Tenho um aluno há dois meses nos EUA esperando por amostras de sangue de peixe que deveriam ser enviadas pelo sistema de exportação de amostras da Fiocruz, mas nesse tempo todo, não conseguiram a autorização do IBAMA. Se você colocasse na mala e trouxesse, não haveria problema nem mesmo com a alfândega mais chata do mundo:

– Are you bringing food or bevarages?
– No, just fish blood samples
– What are you doing with fish blood?
– Research
– Oh, ok. We don’t regulate fish blood. You are clear to go.

Simples assim. E você poderia fazer o seu trabalho.

Claro, devemos proteger nossa biodiversidade, devemos combater a biopirataria, mas a morosidade e a burocracia do IBAMA são um tiro no pé. É mais fácil um americano vir aqui e acessar nossa biodiversidade ilegalmente do que nós acessarmos ela legalmente.

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