Deu na CBN, de novo

Dar entrevista é bacana. Eu que sou um árduo defensor do cientista pop, fico feliz quando a imprensa se interessa por um determinado trabalho do laboratório. Mesmo que a entrevista seja às 6:40h da manhã.

Duas semanas atrás a assessora de imprensa do IBQm, veio no laboratório conversar com a gente sobre os projetos em andamento e preparou um release sobre o trabalho do Diogo. Ele está estudando no mestrado mecanismos de detoxificação de metais pesados nos camarões cultivados no Nordeste. Até agora, descobrimos que os camarões não utilizam as mesmas estratégias de descontaminação que a maior parte dos invertebrados marinhos. Mas descobrimos também a alta contaminação das rações por metais pesados. Várias marcas de ração, vários lotes da mesma marca, todos tinham concentrações de Mercúrio (Hg) , muito além do residual. Isso não é bom.

O Hg, claro, vai para nos tecidos do camarão. As concentrações ainda não são alarmantes (5% do valor máximo permitido por lei). Quer dizer, não são alarmantes para o consumo humano. Já para os camarões, isso é um problema. Nossa hipótese é que eles gastam tanta energia pra se livrar do Hg, que não sobra nada para crescer. Isso é ruim para o produtor, já que 70% do custo do cultivo é ração, que acaba sendo desperdiçada com animais que estão se descontaminando e não crescem.

As 6h parei tudo, dei uma olhada na versão da tese, revi os valores permitidos pela legislação. Dar entrevista ao vivo não é fácil. Inclusive por isso não deixei o Diogo falar. Cinco de cada oito palavras que ele fala são gíria. Dessas, 3 são conhecidas apenas pela rapaziada do Grajau. Não dava pra sair na CBN. Fiz algumas anotações para me livrar de um possível ‘branco’ e fiquei esperando o telefone tocar.

Você pode ouvir a conversa com o Heródoto Barbeiro aqui. Achei que ele tentou ser mais contundente do que os meus resultados realmente permitiam. Mas essa não é sempre a questão entre cientistas e jornalistas?

Alguma coisa está fora da ordem

No Globo de ontem, duas notícias me chamaram atenção e me lembraram a música do Caetano.


Primeiro foi o lançamento, anteontem, do maior engôdo dos últimos tempos: o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Explico o porquê do engôdo. Depois de anos de esquecimento, as universidades federais do pais estão sucateadas. É uma triste realidade, mas convido qualquer um, você leitor querido, o ministro da educação ou o presidente Lula; a fazer uma visita as instalações do meu, que é um dos mais respeitados e produtivos institutos de pesquisa do país.

Na semana passada, realizamos o encontro presencial do curso de capacitação de gestores da e-TEC, a escola técnica aberta do Brasil. Como eu sou coordenador do curso, procurei realizar todas as atividades do encontro presencial na UFRJ, porque acreditava que teríamos tudo que fosse necessário a mão. Ledo engano. O laboratório de informática da biblioteca não possuia computadores em rede, os banheiros do auditório da decania do CCS não eram limpos há 15 dias e os participantes, quase 100 professores de escolas técnicas de todo Brasil, tiveram de segurar a bexiga enquanto eu falava e transpirava, porque o auditório também estava com o ar-condicionado quebrado.

Posso ainda lembrar do recente evento dos funcionários da Light (distribuidora de energia elétrica do Rio de Janeiro) adentrado os corredores da reitoria para cortar a luz, já que a conta não era paga há meses. O índice de roubo de carros na cidade universitária é um dos maiores do Rio e o bandejão vem sendo empurrado com a barriga há pelo menos dois anos. O próprio secretário estadual de C&T do Rio, Alexandre Cardoso, no seu discurso de posse, mostrou-se indignado com a situação do reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, cuja maior preocupação é a de pagar a conta de luz. No ano passado, uma aluna se queimou com ácido em um acidente causado pela queda de um garrafão de água destilada. Não foi o suporte que prendia o garrafão na parede que cedeu. Foi a parede!

Nesse contexto, o governo propõe as universidades um aumento de 20% da verba, condicionado a inclusão da universidade no REUNI: um pacote de medidas que visam aumentar a produtividade da universidade. Criar mais vagas, mais cursos, aprovar mais alunos etc. Tudo muito correto, muito bonito e muito inviável. Por uma razão simples: os 20% a mais no orçamento não são suficientes nem para recuperar o sucateamento dos últimos 10-15 anos, quanto menos para criar os 36 novos cursos e 3.350 novas vagas que o programa prevê.

Com água pelo nariz e prestes a se afogar, sob o peso de forte pressão política, o reitor não tem opção a não ser aceitar o pacote de medidas para ter os 20% na mão. Ele não pode se dar ao luxo de discutir seriamente a proposta e o REUNI é enfiado goela abaixo da comunidade academica encadernado em papel 180 gramas.

Não tem como funcionar. Mas pelo menos não vai funcionar com 20% a mais de verba para o reitor. É isso que a comunidade academica reluta em entender. e por isso que estão todos reclamando do pacote no Globo de ontem. Os 20% são um paleativo. O reitor assinaria qualquer coisa para tirar a água do nariz e deixá-la no queixo. O MEC sabe disso, assim como sabe que as propostas são impossíveis. Se isso vai ser usado lá na frente contra a própria universidade, eu não sei. E parece que o reitor não quer saber também. Afinal, ele tem uma conta de luz pra pagar.

Como fazer, em meio a esse caos, para estimular jovens professores e pesquisadores, inovadores, produtivos e cheios de energia, a ficarem no Brasil? Não dá! E o que o governo faz para reverter essa situação? Essa é a segunda reportagem: suspende as bolsas de doutorado pleno no exterior.

O drama da CAPES é a evasão de cérebros. Quando um aluno vai fazer o doutorado pleno no exterior, fica pelo menos 4 anos fora. As pessoas lá fora não são mais inteligentes do que nós, mas em geral tem mais dinheiro e melhores condições de vida e de trabalho. Durante 4 anos fora trabalhando duro, são poucos aqueles que mantém um vínculo acadêmico-político (esse último tão importante quanto o primeiro) com universidades ou outras insitituições de pesquisa no país. E vocês sabe; quem não é visto, não é lembrado. Quando termina o doutorado, como convencer alguém a voltar ao Brasil para ser desempregrado (real, porque não consegue emprego, ou funcional, quando consegue um sub-emprego onde não tem condições de trabalho)?

É verdade que muita gente sabe disso até mesmo ANTES de sair do país. E que se assina um termo de compromisso que voltará ao país, e blá, blá, blá. Mas é bom lembrar que nenhum, NENHUM, programa de recém-doutores da CAPES ou do CNPQ sobreviveram para entrarem no segundo edital. Todos pereceram antes. E pelos mesmos motivos: falta de dinheiro e falta de vontade política para criar uma política de longo prazo de C&T para o país. E pelo visto, não é o PAC da C&T que vai solucionar essa pendenga.

Há mais de 20 anos, o Brasil investe em pós-graduação sem investir em infra-estrutura nas universidades e centros de pesquisa. É isso que está fora da ordem. E agora, com um monte de doutores desempregados funcionais, continua sem querer investir em infra-estrutura. Afinal, é mais fácil suspender as bolsas de doutorado pleno no exterior do que enfrentar o congresso para acabar com o contingenciamento de recursos para C&T no Brasil.

E se Lamarck estivesse certo?

A pergunta foi feita no blog do Átila, como ponto de partida para uma carnaval de ciência, parecido com o que acontece na Roda.

Quando comecei a escrever sobre ciência, gastei vários textos falando sobre a seleção natural. Provavelmente a maior descoberta da biologia, ou pelo menos a que mais influenciou a própria biologia. Isso tudo justamente pra dizer que Lamarck estava errado.

Quem foi Lamarck? Foi o predecessor de Darwin, que acreditava na geração espontânea da vida e na herança de caracteres adquiridos (veja aqui). Para Lamarck, uma cicatriz ganha durante a vida, seria transferida para a próxima geração através do que mais de um século depois viriam a se chamar, genes.

Mas como eu disse, Lamarck estava errado. O pescoço da girafa não cresceu porque ela esticou ele pra comer as folhas mais altas. Mas essa é uma idéia muito intuitiva, muito mais intuitva do que a própria idéia da seleção natural: mutações aparecem por acaso e se geram uma maior adaptação do organismo ao ambiente, são selecionadas e transferidas as próximas gerações, se fixando na população. Complicado, né?!

Como poderíamos dar um novo olhar sobre a evolução? A pergunta do Átila é excelente. Nos obriga a desconstruir alguns conceitos e pensar sobre evolução de uma outra forma. Pura ficção científica? Sim, mas isso dá repertorio pra trabalharmos melhor a seleção natural como ela é.

No entanto, devo confessar que fiquei perdido? E se Lamarck estivesse certo??!!?!?!? São tantas possibilidades que fiquei sem saber por onde começar. Do que exatamente falar. Até que ontem, visitando a minha avó no final da tarde, que felizmente estava assistindo ‘Sem censura’ ao invés de ‘malhação’, e vi a Elza Soares na televisão.

Pequena, esmirrada, velhinha, mas com os olhos mais puxados que uma japonesa legítima, por plásticas e mais plásticas. Uma caricatura com um vozeirão. Lembrei de outras caricaturas criadas pelas plásticas, como a Bete Faria e o Mickey Rourke, mas também de várias maravilhas que andam por ai nos desfiles e na praia.

Foi então que me veio em mente. Se Lamarck estivesse certo e os caracteres adquiridos fossem transmitidos de pais para filhos, seriamos, em poucas gerações, todos bonitos.

Claro, se passam as cicatrizes, também passam os olhos puxados, maças ressaltadas, narizes afinados, barrigas esculpidas, peitos inflados e cabelos alisados. Ou com permanente. Os lábios das meninas começariam a ficar parecidos com os da Kim Bassinger, Kelly LeBrock (pra quem é da minha geração) ou da Aline Moraes (pra quem é da geração atual). Academia seria coisa do passado: se o pai malhasse, os filhos, meninos, nasceriam todos com o corpo do Paulo Zulu.

Os filhos de judeus já nasceriam circuncizados e, Deus do céu, os filhos dos metrosexuais sem pelos no peito e com as sobrancelhas feitas. Através de um mecanismo certamente mais complexo, o aumento da circulação do estrógeno produziria as glândulas mamárias nas adolescentes e depois, aos trinta, a redução da atividade das colagenases dispararia o processo das siliconases, que produziriam próteses de silicone em todas as filhas de misses: Brasil ou Universo. Ave Natália!

As diferenças culturais, mantidas por ambientes inevitavelmente diferentes no grande planeta que vivemos, cuidariam para que todos não nos tornássemos apenas o mesmo Leonardo di Caprio e a mesma Gisele Bunchen. Já pensaram um mundo apenas de Giseles? Como diriam Kleiton e Kledir: “Já pensou… Nem pensar…”

Bom… nem tudo seriam flores. A AIDS seria transmitida genéticamente, assim como todos os tipos de cânceres. O filho do Ruben Gonzalez (pianista do Buena Vista Social Club) já nasceria com o piano nos dedos, mas também com a artrite. Os cirurgiões plásticos se sentiriam mais deuses do que já se sentem.

No fim das contas, vejo que a seleção natural e a herança de caracteres hereditários dá muito mais liberdade ao indivíduo do que a herança Lamarckista. Você pode não acumular os mesmos atributos adquiridos por seus pais, mas também não herda os mesmos defeitos. É um tipo de “cartões amarelos zerados para a próxima fase do campeonato”. Dependemos, principalmente, de nós mesmos. Eu gosto disso. Ainda bem que Darwin é quem estava certo.

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