Broadcast yourself or die!

Será que é possível, atualmente, dar uma disciplina na universidade sem que os alunos morram de tédio e  o professor de desgosto? E ainda mais, que os alunos estudem, trabalhem em grupo e sejam criativos? E ainda mais, que o material didático seja de qualidade, disponível na internet e acessível a todo mundo?

Parece sonho, mas com um pouco de disposição, muita coragem e o apoio do meu amigo e coordenador de graduação Marcelo Einicker, conseguímos fazer exatamente isso na disciplina de Biofísica da graduação em Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Apesar da apatia que sempre reinou, mesmo com meus esforços mais hercúleos, eu sempre soube que meus alunos (porque eu fui um deles anos atrás) tinham potencial (veja aqui a resposta sensacional a uma questão de prova criativa, postada por um aluno há dois semestres). Mas foi só quando eu vi o vídeo do Piruvato, feito por um ex-aluno meu, que eu percebi que estava apontando eles na direção errada. Discuti isso em um post no início do semestre e propús aos meus alunos a mudança do rumo do navio, mesmo com ele em curso.

invertemos tudo: as provas foram publicadas na internet e a cada semana uma das questões era discutida em sala de aula. Os alunos tinham até as 22h do dia anterior a aula para postarem na internet, no site da disciplina baseado em MOODLE, conceitos, idéias e materiais multimídia que pudessem auxiliar na construção da resposta em sala de aula no dia seguinte. A nota… era baseada simplesmente na presença em sala de aula durante a discussão da resposta: postou argumentos no site e estava presente durante a aula, ganhou o ponto!

A lista de chamada… uma foto da turma tirada com o celular. Começaram a sair de sala? Dormiram? Outra foto. Como eu já discuti aqui, quem não consegue disposição para estar 2h por semana na minha sala de aula lépido e faceiro, não merece educação pública de qualidade e gratúita. Mas todo mundo queria ‘sair bem na foto’ e, e eu tive a maior frequencia em sala de aula desde 1849.

É claro que ainda tinha gente que não ia, que só assinava a chamada e escapava, que só ficava pra foto… que comia, que dormia, que namorava… Mas tinha um monte de gente trazendo conteúdo, tirando dúvidas, perguntando, explicando.  E transformarmos aquele momento que era frustrante para todo mundo, a aula presencial, em ‘um momento de qualidade’.

Mas o ponto máximo foi a aula de hoje, quando eles apresentaram seus “Projetos Artístico Científicos Culturais Criativo Educacionais”. No início do curso, eles receberam uma tarefa, que seria a principal nota do curso: Produzir um material didático alternativo, que pudesse ser disponibilizado na internet para todo mundo, que ensinasse um (qualquer um) tema ou aspecto da biofísica. O material deveria:

  • Ser publicado na internet (videos no youtube, textos em blog) com uma licença creative commons (utilizado, copiado e distribuido gratuitamente)
  • Videos não poderiam ter mais de 10 min. Os blogs não poderiam ter menos de 20 textos e cada texto não poderia ter mais de 500 palavras. Foto novelas e histórias em quadrinhos também eram permitidas.
  • O material poderia, deveria, ser engraçado, irreverente, bonito, provocante, surpreendente, sensual, criativo… mas como isso tudo é difícil de avaliar, o critério objetivo era: tinha que ensinar biofísica. E tinha que ter ensinado biofísica a quem tivesse preparado o material.

Ninguém estava acostumado a fazer isso, e ninguém deveria nascer produtor de cinema. Por isso, as idéias foram transformadas storyboards, os storyboards discutidos e transformados em roteiros, os roteiros discutidos e finalizados. Depois ensaiados, gravados, editados, finalizados e ‘subidos’ para a rede.

O resultado foi surpreendente. Todos cumpriram as instruções e levaram nota máxima (e ganharam livros “A Verdade Sobre Cães e Gatos“. Os vídeos estão na página da disciplina no Facebook. Vale a pena conferir!

Certamente existem outras soluções para o problema da apatia na sala de aula, mas posso dizer que fiquei muito satisfeito com essa. Estamos no caminho certo: Broadcast yourself or die!

 

O ritmo contagiante do Kuduro conquistou a todos. A letra dessa versão é brilhante: correta, inteligente, divertida… Notem os pequenos detalhes como a transferência dos ‘elétrons’ bolinha, a rotação da bomba de prótons e a distribuição dos ATPs. Mas quando Francisca Paiva entra em cena como ‘energia luminosa’… ninguém consegue se segura e as palmas explodem no salão!

Engraçadíssimo… Os ancoras Arthur Santana e Bruna Maria… a ‘contra-rega’ Camila Puga… o professor Pedro Feio… E claro… os sensacionais Poraquês! Dr. Chagas ficaria encantado com o vídeo.

Muito boa a mistura de Escolinha do Professor Raimundo, Chaves e Casseta & Planeta. Destaque para Isabela Espasandin fazendo a “Loira Burra” morena, carioca e inteligente. E para os malucos diversos do Interbio 2012. Ficou ótimo o efeito de ‘película’ na imagem. Tratamento professional!

Outro grupo criou o blog Teorias do Envelhecimento para discutir e explicar as teorias sobre o envelhecimento. Os textos são ótimos! Stevens Kastrup Rehen iria adorar! Tomara que eles continuem publicando.

Os personagens no estilo South Park são caricaturas dos alunos do grupo. A platéia não resiste e bate palmas no ritmo do refrão “onda, onda, olha onda – clap, clap”

Caras e caretas viram um alerta sobre os sintomas e problemas da contaminação por mercúrio em uma rodinha de violão.

A ecolocalização explicadinha. Chamar Batman e Aquaman para explicar o fenômeno comum em golfinhos e morcegos foi uma excelente idéia. Os personagens de massa de modelar ficaram ótimos!

O projeto foi feito para ajudar os alunos do vestibular comunitário da UFRJ e o destaque é a trilha sonora de Fernando Tuna.

Aprendendo a se importar

Mais um ano letivo vai terminando. E mais do que em outros anos, me assusturam as salas vazias. Na pauta, 67 alunos; na sala, 14 alunos. Como é que pode?

Não sou daqueles politicamente corretos que não usam certas palavras por prevenção. Então me pergunto: de quem é a culpa? A responsabilidade eu sei: é dos alunos. São eles que não aparecem e eles que levantam no meio da aula e vão embora, para atender o telefone, comer, ir no banheiro, porque não estão entendendo nada, porque acham que podem copiar do colega ou buscar no google, porque já não assistiram as outras aulas mesmo. Ou, simplesmente, por que não estão nem ai.

Mas e a culpa? Será que é do professor? Não são bons? Não sabem a matéria? Não sabem dar aula? São chatos?

Uma coisa é certa. Na verdade duas coisas são certas. A primeira é que o professor não sabe mais tudo (já soube algum dia?). E o trabalho dele não é mais saber tudo para passar isso para o aluno. O trabalho dele não é nem mesmo ‘fazer um resumo’ para o aluno do que é mais importante, porque a quantidade de informação no mundo é tanta, que qualquer resumo é superficial e individual. A segunda é que o Google, os slides da aula e as anotações do caderno do colega não substituem o professor.

Então entrar na UFRJ e passar pelo curso de graduação, no caso dos meus alunos em Biologia ou Biofísica, achando que você não tem nada a aprender, ou que porque os métodos são meio antiquados o que você pode aprender ali não vai fazer diferença na sua vida, é um grande, um enorme, um gigantesco erro.

Duas outras verdades: A primeira é que muitos dos alunos só vão descobrir isso quando for tarde demais. Quando a competição (sim, porque em algum lugar tem alguém estudando mais, prestando atenção em um professor que não é tão ‘cool’ quanto o facebook da sua namorada, ou lendo aquele ‘livro careta’) tiver atropelado ele na corrida pela bolsa de mestrado ou pelo posto de trabalho. Ou talvez nem isso, já que muitos fazem parte da geração ‘eu mereço’ da qual fala a Eliane Brum. Vão ficar se perguntando “Como puderam dar a vaga (ou a bolsa) para el@? Eu merecia!”

“Meu filho, você não merece nada!” Adorei a reportagem da Eliane. Me lembrei agora de um quadrinho que postaram no facebook e que eu, sem saber a quem referir o original, em nome da boa mensagem que ele traz, posto aqui também.

 

Não acho que a culpa seja do professor e não acho que vamos resolver esse problema citando ‘Sociedade dos Poetas Mortos‘. No semestre que vem, vai ser como Mercy Tainot, a professora universitária em um ‘community college‘ americano interpretada por Julia Roberts em ‘Larry Crowne‘. No primeiro dia de aula ela fala a seus 9 alunos:

“Isto é o que vão aprender a fazer na minha aula.
IMPORTAR-SE
Se não ligarem para minha aula, eu também não vou ligar.
Se não chegarem aqui tendo dormindo o mínimo de horas necessário para participarem e demonstrarem interesse durante os 55 minutos que preciso estar aqui três madrugadas por semana,
então vocês não se importam com a Oratória 217: a Arte de comunicação informal.
Portanto, saiam. Saiam, agora! Imediatamente! Fora!”

Eu tive vários professores chatos ao longo da minha vida. Mas em um determinado momento descobri que você pode ‘tirar’ do professor aquilo que é interessante pra você. Perguntando, sugerindo, discutindo. Se o professor topar esse esquema, ele é bom (independente de ele ser um bom comunicador).

A aula não é só o professor quem faz.

Luz no fim do túnel

calvin_ignorancia_instantanea.jpgFinal de semestre significa milhares de provas pra preparar e pra corrigir. Eu sei, é o meu trabalho e é pra isso que eu ganho. Mas a questão que quero colocar não é o trabalho de preparar ou a chatíce de corrigir prova. É a frutração das notas. Depois vou ver o questionário de avaliação da disciplina e outra frustração… Sempre tem quem gostou e quem não gostou. E sempre vai ter, então não é essa a questão.
calvin_professores não me entendem_1.jpg
A questão é que os meninos (e meninas) não sabem reclamar. Não sabem argumentar. Não sabem quais são os seus direitos e deveres. E acham que eles merecem tudo e que o professor deve tudo a eles. Vão quebrar muito a cara quando se depararem com um concurso público ou uma entrevista de emprego. É como a Eliane Brum disse: “Meu filho você não merece nada!”
calvin_professores não me entendem_4.pngSe eles gastassem metade da energia que gastam para tentar me convencer que uma resposta errada é válida, pensando na resposta certa, seria muito mais produtivo. Mas não… é como o Calvin… “Não tenho tempo para gastar com isso”, “Como assim, tenho que ler o livro?”
Mas de vez em quanto alguém se salva e mostra correção, concisão e criatividade no que escreve. Por exemplo, o aluno Paulo Rodrigues, inspirado pelo texto das “Aventuras de um carbono viajante” deu a resposta abaixo para a pergunta: “Qual a relação entre a estrutura de uma molécula e a sua origem, ação na célula, efeitos no organismo e disposição no ambiente?”
“No início, quando o universo ainda era jovem, os átomos de oxigênio descobriram que lhes faltavam 2 elétrons para que ficassem iguais a elite da química, os gases nobres, que esnobes por si só, não se ligavam a ninguém. Os oxigênios tentaram enganar os incautos hidrogênios, porém não adiantou que fossem altamente eletronegativos e por fim não conseguiram roubar os elétrons dos hidrogênios. Ficaram então os três ligados, com um oxigênio no meio de dois hidrogênios. Esses trios, chamados de água, descobriram que podiam viver agrupados como gelo, se ligando por pontes de H, ou até mesmo na forma de gás. E foi na Terra que essas moléculas decidiram viver no estado líquido (nem tão perto, nem tão longe). E foi justamente nesse planeta que elas deram uma forcinha para um movimento revolucionário antr-entropia: a vida. Precisa-se solvatar alguém? Chame a água. Precisa-se esfriar os ânimos perdendo calor? A água faz isso. O maligno O2 está sozinho no fim da fosforilação oxidativa? Mande ele virar água.
Desse modo, Gaia percebeu que esse trio chamado H2O tinha vindo para ficar e lhe ofereceu até um ciclo, mimando-o com diferentes coisas, como oceanos, rios, nuvens, geleiras e lençóis freáticos.”

Sensacional! Levou 10 e salvou meu dia.

Um bom ano

Almoço de final de ano do lab 2009
Sempre escrevo uma mensagem de final de ano com algum aspecto científico da virada.
Mas quando papai noel se antecipou um pouco, e ao invés de deixar o meu presente no dia 25 de manhã deixou no dia 23, eu percebi que esse foi um bom ano. Então resolvi fazer um balanço. (Também resolvi fazer um jantar de comemoração com os alunos do lab, que arrasaram 4,5 kg de tomates; 1kg de massa; 0,5 kg de parmeggiano e 3 garrafas de vinho – fora os cantuccini – e eu tive sorte de sobrarem os pratos e copos – acima).
O resultado da bolsa de produtividade fui um acalento e também o reconhecimento de um esforço que já dura muitos, muitos anos. Mas voltando a 2009, conseguimos comprar uma máquina de PCR quantititativo que certamente dará um salto na produtividade e na qualidade do trabalho do laboratório que, esse ano, também é nosso. Depois de um ano e meio de processo nos tornamos um laboratório independente, o Laboratório Intermediário de Biologia Molecular ambiental. Alunos entraram no mestrado, no doutorado e outros defenderam tese. Nos aventuramos de forma bem sucedida no mundo empresarial e agora temos uma empresa de biotecnologia que contribuirá para a que possamos aplicar ciência e criar inovação para a sociedade. Unificamos as disciplinas de Biofísica para a Biologia da UFRJ e no final do ano iniciamos novo projeto de educação a distância. O Bioletim está ganhando uma nova roupagem e o Você que é Biólogo… entrou pro Scienceblogs.
O trabalho não foi pouco, mas, mais uma vez, me levou a lugares incríveis, como um congresso em Bordeaux na França (PRIMO XV) e outro em Arraial do Cabo (II EWCLiPo), além de tantas outras cidades onde o mais importante são os amigos que tenho chance de rever.
Escrevo um blog, toco sax numa banda e aprendo francês. Claro que não dá pra fazer isso tudo com dedicação e afinco, mas aqui me permito um pouco de superficialidade, porque ela me relaxa. Se não fosse assim, não conseguiria ter lido o monte de livros que li e bebido todos os bons vinhos que bebi.
Quando penso nesse bom ano, vejo que ele é resultado de um esforço meu, mas que seria impensável, ou improdutivo, se não tivesse a rede de apoio que tenho. Começando pela minha família. Acredito que tenha sido um ano especialmente difícil, individualmente, para todos eles. Mas ainda assim conseguem manter o encontro e a alegria do encontro.
No nosso país, é muito difícil se tornar um cientista sozinho. Seja pelo investimento que requer, seja pela dedicação. Ainda me lembro da 4a feira, 11h da noite, quando o telefone (fixo) tocou e era a Flávia dizendo que ouvira que o resultado do vestibular da UFRJ tinha sido liberado e sairia no dia seguinte, mas meu pai levou a gente pra redação do Jornal dos Esportes, onde ficamos sabendo em primeira mão que tínhamos sido aprovados. Não sei se dá pra dizer que começou ali minha carreira de cientista, mas certamente foi um marco.
Apesar de eu ser provavelmente o único em casa que possa dizer que foi um bom ano, e que não teria sido um bom ano sem eles, tenho certeza que esse é mais um motivo de felicidade para essas pessoas maravilhosas e que me permitem fazer de tudo. Obrigado a vocês!
Bons anos fazem boas safras. Em 2010 espero poder fazer mais por eles e tenho certeza que continuaremos fazendo muita coisa juntos.
Um bom ano para todos!

Diário de um Biólogo – Domingo 27/01/2008

Salvador. Meio dia. Termina o 4º dia de curso. As aulas começavam às 8h e terminavam às 18h e apesar de eu e a Bahia sermos velhos conhecidos, ainda não pude ver nada da folia.

Um mestrado profissionalizante tem suas particularidades. Metade da turma era de gestores. Como fazer pra falar pra essa turma sobre bioquímica, biologia molecular, meio ambiente? Mas mestrado é sempre mestrado. Quero dizer, é um treinamento em ciência, e o treinamento em ciência é o melhor treinamento em solução de problemas que se pode ter. Qualquer que seja o seu problema. Por isso não pode ter moleza. Mas eles foram bem, e acho que eu também, já que quando a aula terminou, me chamaram pra ir pro Pelourinho.

No carro, os alunos começam a contar sobre suas expectativas quanto ao mestrado. Principalmente um emprego melhor. Um deles é chefe de manutenção de uma petroquímica e comanda uma equipe de 6000 homens que trabalham em turno 24/24h. Ainda essa semana tinha sido convidado pra trabalhar em Macaé, mas só se fosse pra ganhar mais do que os R$ 8.000,00 que ganha hoje. Papo vai papo vem, descobri que o meu era o menor salário do carro. Chegamos no Pelô e pedi pra ir comer moqueca. Os outros encontraram com a gente e quando sentamos, descobrimos que o meu era o menor salário da mesa.

Veio a conta: R$ 40,00 a muqueca de camarão com dendê, R$ 60,00 a mariscada, R$ 10,00 a dose do Red Label e R$ 4,50 a Skol.

Sou professor de uma das maiores universidades federais do país, mestrado, doutorado e dois pós-doutorados. Um monte de artigos publicados. Falo 4 idiomas. Anos investidos em livros e cursos. Colaboro com grupos de pesquisa em todo o Brasil e no mundo. Sou convidado para dar um curso na Bahia e meus alunos não deixaram eu pagar a conta porque ficaram com pena do meu salário. Nessas horas que eu fico com pena dele também e vejo como somos desvalorizados.

Fui pro ensaio da Timbalada. Já que a gente ganha pouco, tem pelo menos que se divertir.

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