Densidade 0,12 ou como montar uma lista de convidados para uma festa

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Eu estou cada vez mais convencido: ciência se faz na biblioteca e na mesa de bar. Claro, no laboratório e no campo também. Mas nesses lugares a gente coleta dados, é na solidão da biblioteca ou na enfervescência da mesa de bar que eles viram informação e conhecimento.
Estou em Viçosa (MG) para participar de uma banca de concurso público para professor em Biofísica Ambiental. Confesso que vivi um conflito. Entre as aulas de duas disciplinas de pós-graduação e duas de graduação, encarar 11h de viagem em um intervalo de 50h não era o meu ideal de vida. Mas foi o primeiro convite que recebi para uma banca de concurso, o que nessa profissão é uma coisa importante, e eu não pude recusar.
Fui surpreendido por uma cidade menor, e uma universidade maior, do que eu imaginava; por um pão de queijo e um doce de leite maravilhosos, e por professores muito simpáticos.
Ontem a noite me levaram pra jantar no num barzinho bacana, o ‘Pau Brasil’, e depois da 3a cerveja, estávamos 4 professores contando histórias de faculdade, congressos e artigos. Não vou mentir pra vocês: era papo de NERD! As piadas eram feitas com uma mistura de carnaval em Piuma (ES) e aquaporina (uma proteína de membrana que permite a entrada organizada de água nas células); entre congestionamento de carros e metabolismo celular; ‘Pubs’ inlgeses e a teoria das supercordas; cidades turisticas e diversidade de gastrópodes em floresta tropical de altitude. Mas eu garanto, éramos a mesa mais divertidada do bar. Acho até que nossas gargalhadas estavam atrapalhando as outras pessoas. Aquelas normais.
E foi nesse clima que o prof. Og de Souza (sim, o nome dele é ó gê mesmo) falou da regra do 0,12. Segundo ele, para qualquer coisa, na verdade para qualquer agrupamento de organismos, a densidade ideal era 0,12. Fossem esses organismos bactérias, cupins, coelhos, cavalos ou pessoas. O 0,12 seria um número mágico! Mas cientistas não gostam de números mágicos e ele teve que explicar pra gente.
O Og trabalha com cupins e os vários artigos publicados em revistas internacionais de alto nível garantem que ele sabe do que está falando com relação a esses bichinhos. Os artigos dele mostram que a sobrevivência de cupins é até 5 vezes maior quando eles estão na densidade de 0,12 (densidade é uma grandeza adimensional e por isso não tem unidade), mesmo expostos a inseticidas, do que quando estão em densidades maiores ou menores que esse valor.
Mas porque?
Já na 6a garrafa de Original (ou era de Bohemia?), ele se indireitou na cadeira, como fazem as autoridades antes de falar, e, usando saches de Ketchup, começou a sua explicação:
“Cada organismo é capaz de interagir (trocar informação) de maneira ideal com 8 organismos ao seu redor” em um esquema que vocês podem observar na foto acima, tirada in loco.
“Se você colocar mais um indivíduo (representado pelos saches de ketchup) além desses 8, a informação terá de passar por um intermediário o que reduz a sua qualidade e a eficiência do processo”.
E continua “Se você tem menos de 8 organismos (e ele retira 3 saches vermelhos), perde vias de chegada de informação, e pode estar recebendo menos informação do que o necessário pra sua sobrevivência”.
A explicação já tinha sido clara o suficiente, mas ele estava empolgado: “Imagina que você está em um ônibus lotado. É mais fácil ou mais difícil falar com o motorista pra pedir pra descer?”
E foi com a aplicação desse tipo de raciocínio, que ele se propuseram a testar a teoria da densidade ótima de organismos humanos: em uma festa!
“Cada pessoa ocupa, em média, uma área de 0,25m2. Medimos o tamanho do salão e calculamos quantas pessoas seriam necessárias para que a área do sãlão dividida pela área ocupada pelos convidados fosse 0,12.”
Isso permitiria que cada pessoa pudesse interagir diretamente com outras 8, criando o ambiente mais favorável possível a trocas de informação. Fizeram a lista e chamaram os convidados. Como quase toda festa, ela começou meio mixuruca e depois foi melhorando. Um dos anfitriões ficava em pé em uma cadeira monitorando os convidados com dois aparelhos: um festodensitômetro* e um animofestômetro*
E batata! Na hora em que o festodensitômetro marcava 0,12 foi registrado o pico de animação no festoanimômetro!
Apesar desse ‘experimento’ ter sido conduzido na Inglaterra, os organizadores eram latinos e os convidados também. Isso quer dizer que cada convidado acreditava que o convite para a festa era extensivo a vários outros amigos, e rapidamente a densidade populacional começou a aumentar. O curioso foi que o efeito do aumento da densidade na festa foi similar aquele encontrado em agrupamentos de insetos: a segregação de grupos.
Quando a densidade aumenta, naturalmente grupos menores começam a se formar para que a interação e a troca de informação entre eles seja mais eficiênte.
Não tem nada de sociologia gente: é pura física (entropia) e biologia (efeitos dependentes da densidade).
Rapidamente peguei o telefone e liguei pra Cristine, que está organizando a melhor festa do ano, sua tradicional festa de aniversário, nessa 6a feira: “Alô?”; “Alô, oi, sou eu, qual é a metragem do seu apartamento?”
Chegamos a conclusão que com a lista dela a densidade está em 0,18. Na 6a feira levarei o festodensitômetro e o animofestômetro. Depois eu conto pra vocês como é que foi.
Miramontes, O., & DeSouza, O. (2008). Individual Basis for Collective Behaviour in the Termite,
Journal of Insect Science, 8 (22), 1-11 DOI: 10.1673/031.008.2201

* Festodensitômetro e animofestômetro são aparelhos fictícios para indicar a avaliação subjetiva da quantidade de pessoas e da animação delas na festa.

Centésimo milésimo

Na 4a feira, 20 de Abril as 21 horas e 18 minutos, o VQEB recebeu o centésimo milésimo acesso. Sei que pra muito blogueiro pode parecer pouco, mas eu estou orgulhoso e lisonjeado.
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O texto acessado foi o “curiosidades da Itália“, um texto que escrevi em 2003 durante o meu pósdoc.
Vou abrir um Prosseco pra comemorar!

Bob Marley, Abrahan Lincoln e a credibilidade da Internet

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Não dá pra confiar em tudo que aparece na internet.
Tudo bem, isso a gente já sabe. Mas quando o acaso me levou a uma informação em princípio banal, mas que avaliada com um pouco de profundidade mostrou o quão levianas podem ser as publicações e atribuições na grande rede, eu me assustei.
Outro dia, escrevendo uma carta, disse que a melhor forma de evitar a decepção com relação a uma pessoa, era conviver com ela em público. Por que, continuava, fazendo referência ao grande Bob Marley, “nós podemos enganar algumas pessoas por algum tempo, mas não podemos enganar todo mundo, o tempo todo”.
Fiquei pensando um minuto sobre a profundidade da frase e, sem querer desmerecer o guru do movimento Rastafari, pensei: mas será que foi mesmo o Bob Marley que falou isso? Ou ele já estava citando alguém?
A citação está na canção “Get up, Stand up” de Bob Marley e Peter Tosh, que apareceu no álbum Burmin’ de 1973: “You can fool some people some time, but you can’t fool all the people all the time”. Mas como canções não trazem referências bibliográficas, eu fui perguntar pro oráculo: o google.
Descobri então vários sites de citações que atribuiam a célebre frase ao célebre 16o presidente americano Abrahan Lincoln (1809 – 1865). Lincoln teria dito a célebre frase em um discurso na cidade de Clinton, no estado americano de Illinois, no dia 2 de Setembro de 1858, durante uma série de debates com o também candidato ao senado Stephen Douglas.
A frase original seria “You can fool some of the people all of the time, and all of the people some of the time, but you can not fool all of the people all of the time”.
Porém, uma pesquisa ainda um pouco mais profunda mostrou que não, não foi Lincoln. Nenhum jornal da época confirma que ele tenha dito isso durante esse discurso. Os sites sobre a série de debates nem mesmo relacionam a cidade de Clinton (o discurso teria sido em Quincy em 27 de Setembro de 1858). Em uma pesquisa do professor de história americana David B. Parker, a primeira atribuição formal, por escrito, da frase a Lincoln está em uma edição do The New York Times de 1887. Antes disso não há nenhum registro da citação por escrito, seja para Lincoln ou qualquer outra pessoa. Ainsworth Spofford, que foi o diretor da Biblioteca do Congresso americano por muitos anos, por indicação do próprio Lincoln, e que disse que ele nunca havia dito aquilo.
Finalmente a frase é atribuida a Phineas T. Barnum, diretor do famoso Ringling Bros. Barnum and Bailey Circus, e que era amigo pessoal de Lincoln. Barnum era um homem do espetáculo, e vivia em um ambiente onde a frase já seria mais apropriada. Mas ele também era autor de livros e político amador. Muitas referências apontam para ele. Mas ainda há quem diga que foi o escritor Mark Twain ou um jornalista qualquer que criou a frase e colocou nos lábios de Lincoln.
Eu já escrevi aqui sobre a credibilidade na internet. Mas o mais importante é a questão do critério do leitor, que eu já discuti aqui e aqui. A importância de formar um público leitor capaz de avaliar a credibilidade da informação na internet é determinante para a inclusão digital e é um trabalho da escola, mas também uma responsabilidade da comunidade científica. Sem educação científica não há inclusão digital!
Numa série muito bacana de artigos sobre os professores do futuro no blog Inclusão Digital da escritora Sonia Rodrigues, ela cita uma entrevista com o escritor e filósofo italiano Umberto Eco, que disse: “Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.”
E um desafio para nós!

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