Você acredita em magia? (terminei de ler…)

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As vezes a gente ouve uma música que diz tudo aquilo que a gente está sentindo. Ficamos impressionados de como alguém pode ter escrito as palavras que estavam em nossa cabeça, a gente só não sabia até ouvir. Ou isso nunca aconteceu com você ouvindo uma música do Chico Buarque? A verdade é que mesmo que quiséssemos, não poderíamos escrever a música. Mas que dava vontade de ter escrito, dava.

As vezes isso acontece comigo também quando leio um livro. E foi assim com ‘Do you believe in magic? The sense and non sense of alternative medicine’ (você acredita em magia? O sentido e o sem sentido da medicina alternativa) de Paul Offit.

Eu, que desde 2011 tenho rascunhos de textos no blog para falar sobre o fiasco do artigo da memória da água, publicado na prestigiosa revista ‘Nature’ em 1988 pelo francês Jacques Benveniste, só para depois ser retratado pelos editores (que não conseguiram reproduzir os resultados e terminaram acusando os autores de fraude), ou sobre a descoberta da via de ação do efeito placebo; quando li o livro de Offit, fiquei maravilhado: deletei os rascunhos velhos porque tudo que eu gostaria de ter dito, ele escreveu. Não sei se melhor do que eu escreveria ;-), mas muito bem escrito.

E ainda mais, ele traz TODOS os fatos relacionados ao crescimento descontrolado, desregulado e perigoso da industria de vitaminas: datas, montantes, leis, atos; nomes de lobistas, congressistas, CEOs de empresas, pseudo xamãs e celebridades que, equivocadas ou mal intencionadas, promovem o que não só não ajuda a saúde (soluções de água pura ou pílulas de açúcar) como o que pode fazer mal e até matar (excesso de antioxidantes).

Os resultados científicos compilados por Offit ao longo de mais de 100 anos da história da medicina científica colocam por terra as falsas promessas das milenares das ‘medicinas’ ayurvédica e chinesas. Assim como a acupuntura, quiropraxia, Roff, etc, etc, etc. Como ele diz no livro: “Não existe medicina e medicina alternativa. Existe medicina que funciona, de maneira reprodutível e comprovada cientificamente, e medicina que não funciona”.

Além disso, mostra como a atenção do médico e o efeito placebo podem, realmente, ajudar em algumas situações, mas quase exclusivamente situações onde a ‘dor’ (que tem um forte componente psicológico) está envolvida. E não… não se cura AIDS ou Cancer com o efeito placebo. Ou com ativação do sistema imune.

Diferente do classico programa dos anos 80 ‘Acredite, se quiser’ (Ripley’s Believe It or Not!), onde Jack Palace apresentava historias verdadeiras, mas quase inacreditáveis, Offit nos mostra como historias falsas, foram contadas de maneira muito acreditável por servir aos interesses de uma industria de vitaminas e suplementos alimentares que fatura tanto quanto a industria farmacêutica criticada pelos adeptos dessas práticas, mas sem gastar nenhum tostão em controle de qualidade, prova de eficácia ou eficiência.

Acredite somente se quiser, porque não há nenhuma outra razão para isso.

Desapega!

@vcqebiologo: Assistindo a palestra do sensacional Paulo Saldiva na abertura do Toxi-Latin 2014.
@dbotaro: Ele é pop!

Fui convidado por Afonso Bainy para uma apresentar os dados do nosso laboratório sobre as consequências das altas taxas de polimorfismos dos invertebrados aquáticos para o uso de biomarcadores no Congresso latino americano de toxicologia clínica e ambiental. Eu não gosto especialmente de Porto Alegre, mas como fiz meu mestrado em Rio Grande (que eu tenho de confessar, não gosto nem um pouco) criei um vínculo com a cidade e com os gauchos, principalmente com minhas amigas Ada e Cris que sempre me acolheram tão bem. Por isso, ir a Porto Alegre significa rever amigos queridos, como José Monserrat, meu guru científico, que estava lá também.

Atualmente, ir a um congresso é sempre um desafio. Já escrevi aqui que gostaria que todos os congressos científicos dessem uma renovada no seu formato e fossem como a FLIP. Como eles não são… não consigo achar nenhum deles interessante. Ou pelo menos interessante o suficiente para justificar o quanto custam. Ainda assim, se você quiser fazer uma coisa legal pelo seu congresso, convide o médico patologista e professor da USP Paulo Saldiva pra falar. Ele vai conseguir fazer a poluição, principalmente a do ar, que é a que ele estuda com mais propriedade, mas também, talvez, a mais perigosa, já que a gente não vê mas respira o tempo todo; te tocar. Sério, mas despretensioso; objetivo, mas leve. Como poluição é a minha área de pesquisa há 20 anos, eu já havia ouvido o nome do prof Saldiva antes, mas virei fã depois de assistir a palestra dele no TEDxSP (que vocês podem assistir acima). Como disse Dani Botaro enquanto eu tuitava a palestra dele: ele é pop!

@vcqebiologo: as megacidades como causa de toxicidade. O primeiro sistema de saneamento básico em cidades apareceu em Roma e chamava ‘Maxima Cloaca’

Primeiro sistema de condução de esgotos do mundo (em vermelho)

Primeiro sistema de condução de esgotos do mundo (em vermelho)

@vcqebiologo: São Paulo: apenas o centro histórico tem IDH alto. Na mesma cidade temos Oslo e Maputo.
@vcqebiologo: O que vai nos matar no futuro? Em 2012, 7 milhões de pessoas morreram no mundo por causa da poluição. 
@vcqebiologo: O mapa da ineficiência energética no mundo e racismo ambiental: o uso seletivo d tecnologia limpa d acordo c o pais
@vcqebiologo: As cidades deixaram de produzir bens para vender serviços. Isso requer mobilidade e a consequência é que vivemos em chaminés.
@vcqebiologo: A relação entre o risco de ‘morrer no dia seguinte’ e ‘poluição’ é uma linha reta
@vcqebiologo: Entre os comportamentos listados por pacientes infartados antes do infarto está o tráfego!
@vcqebiologo: A poluição para as cidades, é como o cigarro para os indivíduos. E todo mundo sabe que tem da parar de fumar!

Mas o melhor estava por vir. Ao final do congresso, quando fui pegar o transfer de volta para o aeroporto, Paulo estava no mesmo carro. Ele foi conversando com o motorista que, quando soube que ele era médico, logo pediu conselhos sobre a sua hérnia de disco, sem se preocupar em saber a diferença entre um ortopedista e um patologista. Depois de responder atenciosamente todas as dúvidas do motorista, ele fala que está na hora de se aposentar:
– “Se eu ficar no meu instituto, vou atrapalhar todos os jovens que estão por lá”.

Opa, me meti na conversa:
– “Como assim professor?”

Ele explicou:
– “Eles nunca vão poder crescer. Veja, todos os artigos saem no meu nome, todos os projetos saem no meu nome, todos os financiamentos saem no meu nome. O INCT (sigla dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, os maiores projetos financiados pelo CNPq) está no meu nome… enquanto eu estiver lá, não haverá espaço para ninguém crescer.”

Abismado com a lucidez, sensibilidade, clareza e coragem do comentário, perguntei se ele se importaria de repetir tudo para eu poder gravar. Era uma brincadeira, mas com fundo de verdade.

– “No ano passado nós publicamos na Nature e na Lancet (a maior de todas as revistas científicas e a maior de todas as revistas médicas). Eu sei que não vou ganhar um Nobel, então eu já contribui tudo que poderia contribuir para o meu instituto. Agora, o que eu tenho que fazer é ir para uma faculdade de medicina, dessas que estão nascendo aos borbotões em cada esquina, e ajudar eles a fazer um bom trabalho.”

Uau! Chegamos ao aeroporto e a mega fila para deixar a bagagem me impediu de continuar a conversa. É lindo ver que a auto-confiança gerando desapego. Algo que eu procuro exercitar sempre, mas que acredito que apenas as mentes mais evoluídas podem alcançar.

Que não reste dúvida: ele se tornou o meu maior ídolo acadêmico vivo.

O Fim da Camisinha?

Não sou de comentar notícias, mas essa aqui eu não posso deixar passar. Já escrevi sobre ela aqui e aqui, mas parece que os dias da camisinha estão contados.
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A Bill & Melina Gates Foundation lançou os tópicos para o Grand Challanges in Global Health desse ano e um deles é ‘um novo modelo para a camisinha‘.
“Fundação de Gates financiará projetos para mudar design e características. Ideia é manter benefícios e proteção, mas ter preservativo mais ‘atraente’.” diz a notícia no G1.
Eu, particularmente, adoraria algo em uma linha completamente diferente, como o novo e espetacular ‘NeverWet’, o spray super hidrofóbico que deixa tudo completamente a prova d’água.

Sobre Beagles e Exoesqueletos

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Hesitei em entrar nessa discussão por duas razões: primeiro porque não sou um especialista em ética ou em uso de animais em pesquisa; segundo, porque não acho que exista qualquer coisa que possa ser dita que vá aplacar a motivação daqueles que acreditam que os testes científicos em animais sejam um problema.

A triste verdade é que, com 50% da nossa população beirando o analfabetismo funcional, é extremamente difícil conseguir convencer as pessoas com argumentos técnicos e lógicos. E é por isso que eu acredito que as tentativas dos meus colegas cientistas que entendem muito mais do assunto do que eu para explicar a importância e o cuidado dos cientistas no uso dos animais, tem sido infrutíferas: seus argumentos técnicos funcionam apenas na legião de convertidos capaz de entendê-los e não conseguem alcançar para além deles, a grande massa de excluídos científicos que, sem noção do que é o método científico ou como as coisas que eles usufruem no dia a dia são possíveis, vivem a margem da compreensão das coisas, baseando suas decisões apenas em emoções e percepções superficiais dos problemas.

Quando alguns alunos viram esse vídeo de personalidades falando em defesa dos ‘pobres animais indefesos’, vieram me pedir para fazer um vídeo legal, bem produzido, numa linguagem acessível, sobre a importância do uso de animais em pesquisa.

Mas a verdade é que seria inútil.

, cito Dobzhansky, quando ele diz algo como “quando as conclusões forem desagradáveis, não importa o quão boa seja a explicação ou os fatos: as pessoas irão recusá-las”

Ainda assim, fiquei irritadíssimo ao assistir o tal vídeo: É lamentável que personalidades como essas se disponham a falar de um tema o qual não entendem minimamente, para o qual não apresentam qualquer argumento técnico ou evidência objetiva. Carl Sagan (que eu imagino eles não saibam que foi) disse muito bem: “As pessoas aceitam os produtos da ciência, mas recusam os seus métodos”. Eu gostaria de chamar de hipocrisia, mas é só uma triste falta de conhecimento mesmo.

Conhecimento que textos como esse da neurocientista Lygia Veiga ( A Escolha de Sofia: Os Beagles ou eu, mostra. Nós sabemos o quanto é difícil desenvolver modelos alternativos porque é justamente isso que estamos fazendo no laboratório: Nosso grupo de pesquisa é um dos que não trabalha com animais de sangue quente e sistema nervoso complexo em laboratório, e que se esforça para desenvolver modelos alternativos, que permitam, quando for possível (e é isso que estamos tentando determinar) usar invertebrados como ostras, mexilhões, caranguejos e camarões, em pesquisa biomédica. Bivalves produzem heparina e um monte de outras substâncias úteis para humanos. O primeiro passo para usar esses animais com um sistema nervoso bem primitivo em pesquisa, é conhecer seus genes. É isso que nosso grupo vem fazendo há mais de 3 anos, mas que só agora conseguimos publicar. Ainda assim, com dados preliminares.

Mas nada parece aplacar a ira dos ‘black ALF blocks’, que estão ameaçando pesquisadores e institutos de pesquisa nas redes sociais. E até mesmo meus amigos com grande treinamento em ciência tem postado comentários revoltados nos textos que compartilho na funpage do VQEB no Facebook.

Sob pena de ser julgado pela minha contundência, tenho de afirmar que eles estão equivocados e que nenhuma argumentação ética ou filosófica sobre esse argumento pode se sustentar.

A natureza é Amoral. Tente aplicar ética e moral a natureza e… vamos gerar conflitos irreconciliáveis.

Nos damos ao luxo de discutir o bem estar animal hoje, quando a competição por recursos DENTRO da nossa espécie foi minimizada pela agricultura e… a criação de animais. Por que se acabarmos com os supermercados e restaurantes, não nos preocuparemos nem mesmo com o próximo. Será cada um por si, como está ‘escrito’ nos nossos genes.

Todas, eu disse TODAS, as espécies animais e vegetais exploram o seu ambiente, o que inclui outros animais e vegetais.

Da mesma forma que não podemos acabar com a poluição, porque a segunda lei da termodinâmica dita que não há uso de energia sem produção de resíduo, não creio que seja possível acabar com a exploração animal e vegetal.

Isso não é um argumento para um ponto de vista ou outro: é uma constatação! A natureza é Amoral e não existe certo ou errado, bom ou ruim… o que existe são ‘Estratégias Evolutivamente Estáveis’: o que funciona, evolutivamente, em curto, médio e longo prazo.

Meu chute é que uma estratégia de ‘não exploração de recursos animais ou vegetais’ está fadada a não permanência no pool gênico das gerações futuras. Da mesma forma, não acredito que estratégias de exploração exaustiva fiquem para contar história.

Mas será que seremos nós a decidir? Eu acho que não. Acho que nos extinguiremos como espécie antes disso. É preciso ser mais inteligente do que nós somos, ou menos sensível aos nossos instintos, para criar uma estratégia evolutivamente estável no que tange a exploração de recursos, sejam eles animais, vegetais ou minerais.

Até lá, vamos fazer o melhor que podemos, o que inclui implantar cirurgicamente eletrodos na cabeça (no cérebro) de uma criança tetraplégica para que ela consiga operar uma roupa experimental com o pensamento e dar o ponta pé inicial da copa do mundo do Brasil.

Um isopor explosivo (ou como enviar amostras com gelo seco pela transportadora)

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Saio do ostracismo involuntário para tratar de um assunto pouco interessante mas, para você que é pesquisador, de qualquer nível, muito importante: como enviar amostras biológicas preservadas em gelo seco, de um lugar para outro do Brasil, por uma transportadora aérea.

O pior é que nem é difícil. É trabalhoso, mas difícil… difícil não é. Difícil é física quântica, é biologia molecular. Mas quando a gente não sabe… a dor de cabeça e o trabalho podem estragar o seu dia. Como estragou o meu ontem, tendo que ir 3 (três) vezes ao setor de cargas da TAM para conseguir ter minha amostra (1 tubo de 500 µL contendo 10 µL de DNA sintético) enviada do Rio para São Paulo. O problema é que não existem instruções claras sobre como empacotar o seu material, preparar a embalagem e os documentos necessários EM NENHUM LUGAR! O que me levou a escrever esse guia.

Quando você vai pela primeira vez ao aeroporto, você descobre que existe um ‘check-list’, que eles usam para verificar se o seu pacote está pronto para viagem. Ajudaria bastante ter essa check-list na mão, não é? Então veja a  figura 1. Nela você descobre as etiquetas que precisam estar (e as que não podem estar também) coladas no lado externo do pacote. Veja principalmente a parte do ‘marcado e etiquetado’:HP0025

Use uma embalagem decente. Uma boa caixa de isopor, com paredes sólidas. Ela também não deve estar quebrada ou rachada, obviamente. Não abuse no gelo seco. Você pode usar até 200kg em uma embalagem, mas para amostras biológicas de laboratório em geral precisamos de bem pouco. Mas de uma forma ou de outra, você precisa do PESO LÍQUIDO DE GELO SECO que está sendo embarcado. Ele precisará constar na etiqueta da embalagem (abaixo), no formulário de despacho e na declaração de segurança.

As etiquetas são: Gelo Seco (ou Dry Ice) junto com o código da ONU UN1845 (não esqueça de anotar o peso de gelo seco na embalagem)

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E a outra é etiqueta da IATA para identificação de ‘substâncias perigosas diversas’ que ilustra o início desse texto.

Sim, o gelo seco, que é dióxido de carbono na forma sólida, é uma substância perigosa. Mas como, se o ar está cheio de dióxido de carbono e nós expiramos ele a todo momento?

Bom, o porque ele é perigoso não importa muito, já que existe uma norma que diz que tem que ser assim e se não cumprir isso não levam a sua carga, mas se você é que nem eu que não se contenta com esses argumentos, eu vejo duas razões claras: a primeira é que ele é sólido a temperaturas inferiores a -50oC, o que pode gerar sérias queimaduras na pele. A segunda é que a temperatura ambiente, ele é um gás. Com isso, a sublimação do sólido pode gerar muito gás, aumentar a pressão dentro do recipiente e… explodir. É muito pouco provável que isso aconteça, mas… é possível. E é por isso que um ponto importante, não dito em nenhum lugar até você chegar no aeroporto, é que sua embalagem NÃO PODE ESTAR HERMETICAMENTE FECHADA! É preciso ter algum ponto de escape para o gás. Não vede todas as tampa do isopor com fita adesiva!

Muito bem. Falta ainda descobrir o que são as tais ‘etiquetas irrelevantes’ no check-list. Eu sou cientista e não gosto de nada impreciso. Por exemplo: o endereço do destinatário é irrelevante? Ele consta no documento chamado ‘conhecimento aéreo’ que acompanha a carga, por isso, em teoria, é irrelevante; mas na prática, não é. Então, OUTRAS DUAS ETIQUETAS que você precisa ter na sua embalagem, são o ENDEREÇO DO REMETENTE E DO DESTINATÁRIO.

Não terminamos ainda. O material biológico precisa ser acompanhado de uma declaração de periculosidade. Se a sua amostra, como as nossas sempre são, não apresentam qualquer perigo a saúde, você precisa de uma DECLARAÇÃO DE SEGURANÇA em papel timbrado, assinada por um profissional de saúde (médico, biólogo, veterinário…). O texto pode ser algo como:

DECLARAÇÃO DE SEGURANÇA

A quem interessar possa,

O material contido nessa amostra é composto por DNA sintético , NÃO apresentado qualquer PERIGO para a saúde humana, animal ou ambiental.  É NÃO TÓXICO e NÃO INFECCIOSO

Atenciosamente, (assinatura do profissional de saúde com seu número no registro profissional)

Abre parênteses: Se a sua amostra de material biológico for perigosa, você precisará de uma declaração  assinada por um profissional de saúde (médico, biólogo, veterinário, dentista, etc.), atestando que o material está enquadrado na UN 3373 e garantindo que a ‘Instrução de Embalagem 650 (embalo triplo, com etiqueta UN3373 afixada do lado de fora) foi cumprida. Fecha Parênteses.

Mas essa NÃO É A ÚNICA declaração! Outra, que não está listada em nenhum lugar que eu tenha encontrado, e nem na tal check-list, e que me fez ter de voltar mais uma vez ao aeroporto, é UMA OUTRA DECLARAÇÃO DE PERICULOSIDADE dizendo que sua embalagem contém Dióxido de Carbono sólido, gelo seco ou dry ice (e quanto contém).

DECLARAÇÃO DE SEGURANÇA

 A quem interessar possa,

 A embalagem em anexo contem até 2kg de dióxido de carbono sólido (gelo seco – dry ice).

 Atenciosamente,  Atenciosamente, (assinatura do profissional de saúde com seu número no registro profissional).

 Quase tudo pronto, agora você só precisa preencher a minuta de despacho. Aqui embaixo tem um exemplo, com os campos que você terá de preencher marcados. É importante ter o CPF/CNPJ do destinatário, sabendo que esse número vincula quem poderá receber a carga.

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Finalmente, lembre-se que como carga com gelo seco é considerada perigosa, a TAM pelo menos, não entrega no endereço do destinatário, sendo que alguém terá de ir no aeroporto fazer a retirada. Se o seu destinatário for uma pessoa jurídica, o responsável pela coleta terá de levar MAIS UMA DECLARAÇÃO, EM PAPEL TIMBRADO DA EMPRESA, AUTORIZANDO a retirada da carga XXX (identificada pelo número do conhecimento aéreo) por… (Nome e RG do portador da declaração).

Como eu disse, é muito papel, é chato, mas não é difícil. Pelo menos agora que alguém se dispôs a explicar tudo direitinho.

Capacete no Canário

Todo ano, no carnaval, escrevo um post sobre a(s) folia(s).
E todo ano ele é um lembrete para sair de casa com camisinha. Qualquer que seja sua fantasia.
Mas o carnaval esse ano foi empenhativo e eu não consegui escrever. Mas não tem problema, porque esse lembrete é importante o ano todo. Então, passo adiante o depoimento do MEU bloco preferido: Capacete no canário!

Camisinha na cabeça

Todo ano, na época do Carnaval, faço no VQEB uma campanha pelo uso da camisinha. Esse ano, resolvi vestir a campanha e levá-la a todos os blocos do Rio de Janeiro. O resultado foi esse:

Para quem, como eu, passa o ano todo esperando pela folia, não deixe de aproveitar os últimos blocos que ainda sairão no final de semana. E use camisinha!

Foto: tirada no Aterro do Flamengo na saída da Orquestra Voadora; camisa da ‘Posto 9’ (confecção do italiano Ciccio Panza); cordão dos Filhos de Gandhi (porque mesmo no carnaval do Rio, meu coração bate pela Bahia) e cerveja do Vascão (que bateu, brilhantemente, de virada, o timininho por 2×1 há dois dias)

O carnaval do século XVIII – parte 2

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(Os amantes do século XVIII brincavam de encher as camisinhas com ar para verificar o seu tamanho, resistência ou só para se divertirem)
Se o século XVIII foi o século dos libertinos como conta o livro ‘Casanova, muito além de um grande sedutor’,, com grande flexibilidade dos valores morais que regiam o sexo, assim como é o carnaval do Brasil, então a única coisa que poderia estragar a folia eram as doenças venéreas; ou DST, doenças sexualmente transmissíveis, como são conhecidas hoje.
E o remédio naquela época era o mesmo de hoje: a camisinha!
“As doenças venéreas eram o grande flagelo de um viajante como Casanova, que conhecia os detalhes da fabricação e a etiqueta do uso dos preservativos, que eram o único recurso para a proteção dos promíscuos.”
Parece que os chineses, assim como os japoneses e egípcios utilizavam envoltórios de papel de seda untados com óleo, que seriam os percussores da camisinha, inventada oficialmente pelo cirurgião Gabrielle Fallopio em 1564: uma “bainha de tecido leve (linho), embebido em ervas, feita sob medida, para proteção das doenças venéreas” denominada De Morbo Gallico”, descreve ele em seu artigo.
Foi Shakespeare quem deu o nome de ‘Luva de Vênus’, que depois passou a ser chamado de ‘casaco de montaria inglês’, que era como Casanova se referia a elas (além de ‘profilático contra ansiedade’ e ‘casaco que proporciona paz ao coração’)
Nas aventuras de Casanova, “M.M., a freira de Murano, tinha seu próprio suprimento de preservativos (…) tripa de carneiro e amarrados na ponta com fitinhas, em geral rosa, (…) [que] se tornavam maleáveis quando umedecidos com água que podiam ser usados várias vezes”.
Os de Casanova eram tão elaborados que não precisavam de lubrificação e tinham entre 15, 16 e 20 cm de comprimento por 4 até 15 cm de largura (não, não digitei errado, mas não me perguntem o que ele fazia com uma camisinha de 15 cm de largura).
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No início do século XVIII o preservativo ainda era algo chocante e degradante: “ainda que seja a única defesa que nossos libertinos têm…muitos homens reconhecem o risco de fracassar ‘com a espada na bainha’. Mas na metade do século ela era considerada “comoda, apesar de tudo”, e particularmente adaptada a ‘Terra da Felicidade’ (a vagina). Mas mesmo assim, não deveriam ser mostrados a uma dama.Se ele insinua certa reserva sobre “proporcionar felicidade… enrolado em uma pele morta”, reconhece a utilidade deles na prevenção da gravidez e também das doenças venéreas: “esses preservativos que os ingleses inventaram para colocar o belo sexo longe do medo”, “tão preciosos para uma freira que deseja sacrificar-se pelo amor”,
Aqui aparece uma outra curiosidade. Casanova também acreditava na camisinha como “de importância vital para evitar aquela ‘barriga fatal’. Uma vez chegara a propor a ele o uso de um outro contraceptivo, uma esfera de outro de 18mm que as mulheres usavam como um tipo de diafragma, mas que ele não gostou por dois motivos: eram caríssimas e impediam uma série de posições. Mas por outro lado, quando estava apaixonado, Casanova não tinha pudores em dar o ‘golpe da barriga’.
“[Ele tinha] considerado a possibilidade de se casar com Caterina. Tramou o plano de engravidá-Ia, forçando assim os pais dela a lhe concederem sua mão, junto com um dote generoso. A intenção de ambos, diz Casanova, era chegarem juntos ao orgasmo, o que se acreditava assegurar a gravidez, e tentavam isso com grande assiduidade.”
Talvez intuitivamente, mas Casanova estava correto: “o orgasmo influencia diretamente no sucesso reprodutivo da mulher, dependendo da altura em que ele ocorre” diz o prof. Robin Baker, autor do estudo “Competição de Espermatozóides Humanos: Cópula, Masturbação e Infidelidade”, publicado na Inglaterra em 1995.
“uma microcamera inserida na vagina da mulher mostram que, durante a masturbação, quando ela atinge o clímax, o seu cérvix se abre, mergulhando dentro da vagina. Esses chamados ‘movimentos em tenda’ podem acontecer várias vezes durante um simples clímax. (…) A mulher não precisa atingir o clímax durante a relação sexual para que os espermatozóides penetrem no cérvix. Mesmo sem atingir o clímax, o sêmem é coletado no topo da vagina, formando uma poça na qual mergulha o cérvix e passando espermatozóides através dele para o muco cervical. O orgasmo vai determinar quantos espermatozóides penetram no cérvix. (…) A grosso modo, a retenção de espermatozóides situa-se entre 50-90% com orgasmo e 0-50% sem orgasmo. (…) o momento que a mulher identifica subjetivamente como orgasmo, é apenas o início de uma série de acontecimentos no útero e no cérvix, os quais ela não consegue perceber, mas que se prolongam por vários minutos. O pico dessa atividade acontece 1 a 2 minutos após o clímax subjetivo. (…) Enquanto a poça seminal permanecer, um novo clímax que tenha lugar, passada uma hora, pode ainda afetar a passagem de espermatozóides através do cérvix.(…) não há qualquer diferença quanto a origem do estímulo que desencadeia o orgasmo pós-coito: pelo homem ou auto-estimulação”.

Para o autor Ian Kelly, a auto-biografia de Casanova “A minha história” fornece “um dos relatos mais plenos, sem disfarces ou desculpas de uma vida sexual, seja de sua época ou de qualquer outra. (…) Seja lá o que tenha feito Casanova dedicar tanta energia na busca de um estilo de amor segundo o gosto do século XVIII, isso não é necessariamente tão interessante quanto o seu testemunho da importância central do sexo e da sensualidade na construção da personalidade e na apreciação da vida.”

O carnaval do século XVIII – parte 1

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“Foi a grande época do carnaval veneziano, que era o mais longo e teatral de toda a europa. O uso das mascaras era obrigatório em toda a cidade, de dia e de noite.. a partir de outubro até a 4a feira de cinzas, com um breve intervalo para o Natal. Mo início do século XVIII foram acrescentados mais 15 dias ao carnaval, próximos ao dia da ascensão. (…) As máscaras emprestavam uma pretensão aceitável de anonimato, em uma cidade que unia um drama intenso a uma grande falta de privacidade pessoal. As máscaras alteram os códigos de qualquer interação humana, amarrando os significantes habituais do entendimento , da aceitação, do desdém ou da desconfiança. Nada é certo, e assim tudo parece ser permitido.”

Depois de ler ‘Casanova, muito além de um grande sedutor’, tive que repensar minha opinião sobre a mais particular das cidades do mundo. Veneza para mim sempre foi sinônimo de pombos e sujeira, diferente da imagem romântica das gôndolas que a maior parte das pessoas tem. Mas uma cidade que faz quase 6 meses de carnaval por ano? Merece todo o meu respeito.
Quem nunca ouviu falar de Casanova? Acontece que o livro foge ao clichê, não se limita as façanhas amorosas do conquistador e dá uma aula de história e psicologia. Pra começar, ele nem teve tantas mulheres assim:

“Casanova recorda ter tido experiências sexuais com muito mais do que 100 mulheres – algo entre 122 e 136, a depender de como se conta determinado grupo, e também das experiências consumadas pela metade – além de um punhado de homens. A história da sua vida sexual vai desde o dia em que perdeu a virgindade, aos 17 anos, e continua pelos outros 35 anos que abrangem suas memórias”
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Se você acha esse número impressionante, poderá se surpreender com os números disponíveis em trabalhos científicos dessa área. Casanova era antes de tudo, e principalmente, um apaixonado:

“De todos os aspectos sensoriais de seus escritos, foi o romance o que mais o divertiu, confundiu e enervou. Para meros números, para a pornografia ou o avesso do bom gosto, deve-se procurar em outras bandas, em Sade ou nos infatigáveis lordes Lincoln e Byron”


“Uma vez mais, Casanova insiste que se tratava de amor verdadeiro, e não só de desejo: ‘Pobre de quem pensa que os prazeres de Vênus muito valem, a menos que venha de dois orações que se amam e estejam em perfeita harmonia'”

Casanova_ritratto_blog.jpgAlém das mulheres, Casanova se interessava por viagens, política, dinheiro e… comida.
“O sentido do olfato, desempenha um papel nada pequeno nos prazeres de Vênus. Para os homens [humanidade], fazer sexo é como comer, e comer é como fazer sexo: é nutrição… e da mesma forma como sempre existe um prazer diferente quando se experimenta diversos molhos [ragoûts], o mesmo acontece com o jogo do amor/orgasmo [la jouissance amoureuse]. Embora o efeito possa parecer o mesmo no início, aprende-se que toda mulher é uma experiência única”
Para a neurocientista Marília Zaluar, essa aproximação com a comida faz sentido: “Comparar as mulheres a molhos, mesmo que franceses, me parece meio grotesco. Mas pensando no ponto de vista biológico ele está coberto de razão. Ambas atividades utilizam os mesmos circuitos neuronais ligados à recompensa e ao prazer”.
Toda a sedução começava com um jantar. “M.M. serviu-lhe uma refeição, acompanhada de champanhe rosé oeil de perdrix, em pratos mantidos quentes sobre água fervente”
O detalhe é que M.M. era uma freira: “Uma religiosa (…) gostaria que o senhor a conhecesse… ela não deseja obrigá-lo a falar com ela antes de vê-la, por isso vai dar-lhe o nome de uma dama que poderá acompanhá-lo até a sala de visitas [para ser apresentado a ela]. Então, se [o senhor quiser], esta mesma religiosa lhe dará o endereço de um cassino aqui em Murano; onde poderá encontrá-la sozinha, na primeira hora da noite, na data que o senhor indicar. O senhor poderá ficar e cear com ela ou então sair um quarto de hora depois, caso tenha compromissos.”
Parece que freiras libertinas era algo comum naquela época. Os conventos de Veneza que incluíam escolas, academias de música e hospitais de internação (assim como ordens contemplativas confinadas), eram muito diferentes do conceito moderno de convento. “Essas mulheres eram primeiro lugar venezinas; em segundo, cristãs.” M.M. era uma mulher politicamente forte e seu padrinho era o embaixador da França. Que, criam, era um cardeal.
O século XVIII me pareceu, apesar das máscaras 6 meses por ano, mais honesto. O hipocrisia visava atender aos nossos instintos animais, não ao contrário (fingir não ter instintos para acatar uma vida moral e altruísta).
“O Cicisbeo, ou ‘cavaliere servente‘, na tradição dos cavaleiros medievais, cortejava uma dama de mais idade, normalmente de alta posição social. Alguns consideravam isso coma a proteção de sua honra, e dizia-se que as mulheres tratavam aqueles homens como a seus cabeleireiros: eles tinham acesso privilegiado aos seus boudoirs, aos mexericos e também a um pouco mais. Outros eram aceitos pelos maridos e pela sociedade veneziana como parceiros sexuais e românticos das mulheres envolvidas. Casanova foi criado em uma cidade onde muitas mulheres desfrutavam certa liberdade sexual, e por isso bem à frente de seu tempo. (…) uma época que deu maior ênfase à ideia da sexualidade feminina do que aquela que a sucedeu. E as mulheres de toda a Europa ficavam alertas (…) diante de um viajante veneziano como Casanova, com todo o seu saber e experiência em questões de sexo: ele seria considerado mais cortês, galante e sexualmente eficiênte do que seus pares”.

E não apenas os modernos P.A. eram permitidos, como o conceito de prostituição era, digamos, flexível.

“(A mãe de Casanova) Zanetta Farussi, uma comediante pequena, orgulhosa e de uma beleza nada convencional, segundos os críticos da época, trabalhava profissionalmente com teatro numa época em que isso significava, para uma mulher, ter uma carreira dupla. Embora nem todas as atrizes fossem prostitutas ou cortesãs, não se tinha dúvida de que as mulheres dispostas a se submeter aos olhares voyeurísticos no palco também haveriam de favorecer seu público em recintos mais íntimos, em troca de bons contratos e do nome em destaque no programa.”

Para Robin Baker, “a prostituição feminina é quase uma marca universal das sociedades humanas. Antropologicamente, só 4% das sociedas diz não a prostituiçãos. As restantes reconhecem que ela existe. É difícil, porém, mesmo nestas sociedades, estimar o número de mulheres que em alguma época da sua vida se prostituiram. As estimativas existentes (há 10 anos) apontam para menos de 1% na Grã-Bretanha no fim dos anos 80, e para 25% em Adis-Abeba, na Etiópia, em 1974. Tais estimativas, porém, não são fiáveis e pecam por defeito. Mais mulheres que essas praticaram algumas vezes a prostituição. (…) Na realidade, há vários graus de prostituição. Em princípio, é difícil traçar a linha divisória entre a tradicional prostituta que se vende por dinheiro e uma mulher comum vivendo uma relação permanente que se deixa inseminar a troco de ajudas, proteção e presentes”.
A prostituição também está disseminada por todo o mundo animal: “Para que a Borboleta macho tenha oportunidade de acasalar, tem de encontrar primeiro um exame de mosquitos, de apanhar um, de o envolver na seda das suas glândulas salivares, e depois de encontrar uma fêmea e oferecer-lhe o presente. Se encontrar, enquanto ela desenrola o presente e come o mosquito, permite que ele acasale. Quanto maior for a prenda, o mosquito, mais tempo ela leva a comer, mais tempo tem o macho para inseminar, maior é o número de espermatozóides que ele introduz, e, consequentemente, mais óvulos fertiliza. Acabada a sessão, a fêmea espera que um novo macho a venha alimentar e inseminar. Em algumas espécies as fêmeas são tão bem sucedidas como prostitutas, que nunca precisam ir a procura de alimento”.
Além de ser um modo de vida, a prostituição também é uma estratégia reprodutiva muito bem sucedida. Nenhuma outra atividade expõe a mulher a uma quantidade tão grande de espermas competidores, o que garante que o vencedor do premio da fecundação, era possuía um esperma altamente especializado para a ‘guerra’, característica que seria transmitida a todos os seus descendentes machos.
Mas quer ver o mais curioso? Faça as contas e se considerarmos os valores conservadores de que 1% da população mundial nasce de prostitutas, então precisaríamos recuar na nossa árvore genealógica em torno de 7 gerações para encontrarmos um parente que tenha sido gerado por uma delas. E isso poderia muito bem ter sido no século XVIII de Casanova.
Se a fofoca é uma estratégia de ensino, como eu publiquei no texto anterior, então o livro de Ian Kelly sobre Casanova é uma ótima oportunidade para aprender psicologia e história.

Achados e perdidos

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Um dia, assistindo House (1o episódio da 2a temporada), ouvi ele falar dos 5 estágios da perda. Eram as etapas pelas quais passavam todos os pacientes que se deparavam, por exemplo, com uma doença terminal. São eles: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Uau! Adoro quando a realidade vem assim, como pílulas de sabedoria, de forma simples e inegável. Pensei logo que os 5 estágios poderiam ser aplicados a qualquer perda, ainda as pequenas, e cheguei a conclusão que o roterista de House era um gênio e corri para o computador para escrever a respeito.
Mas não era bem assim.
Descobri então que a autora da brilhante constatação era da Dra. Elizabeth Kübler-Ross, uma médica psiquiatra Suíca, e que seu modelo dos 5 estágios havia sido publicado no livro “Sobre Morrer e a Morte” de 1965. Além disso, havia (e há) uma quantidade enorme de material sobre a médica e seu modelo na internet e muitos deles já discutindo a possibilidade de aplicação a outros tipos de perdas. Deixei meu texto então no forno, enquanto esperava outra deixa pra falar sobre o assunto.
Mas desde então vivo com os 5 estágios na cabeça (na verdade com alguns deles mais do que outros) porque é impressionante quantas perdas experimentamos no nosso dia-a-dia (ainda é assim que se escreve com a nova gramática?). Sendo que estou considerando ‘perda’ como eventos cujos resultados são diferente das nossas expectativas.
Então ontem, enquanto preparava uma questão de prova sobre ‘sinalização celular’, me lembrei novamente do modelo Klüber-Ross, mas não por causa de uma perda. Tudo que acontece dentro de uma célula (e olha, acontecem muitas, muitas coisas) é resultado, ou resulta, de um sinal, que pode ser interno ou externo. Apesar da membrana celular possuir receptores bastante específicos para um número perto do infindável de moléculas, existem basicamente uns quatro ou cinco ‘tipos’ de receptores. Isso significa que apenas uma parte deles se modifica para poder reconhecer a molécula que ativará o sinal com especificidade, mas o mecanismo de gatilho que dispara o sinal a partir dai é o mesmo em todos os receptores do mesmo tipo. Esses sinais podem ser super complexos, mas obedecem uma lógica simples: uma proteína modifica outra, que modifica outra, que modifica outra, que modifica outra, que realiza uma tarefa. Como uma cascata. Mas apesar dessa bela metáfora, sinalização celular não é linear.
O que por alguma razão me remeteu aos 5 estágios. Quando lemos sobre eles, parecem que vem sempre na mesma ordem, com a mesma intensidade e de maneira linear. Mas assim como os eventos entre a ativação de um receptor na membra da célula e a expressão de um gene no núcleo podem se espalhar horizontalmente, se cruzarem com outras vias de sinalização ou trocarem sinais com elas; não há necessariamente linearidade no modelo de Klüber-Ross e a superação de um dos estágios não significa que você não pode voltar a ele. É tudo, menos linear.
E podemos até mesmo ficar presos em ciclos de negação-raiva-negação, raiva-barganha-raiva, raiva-barganha-depressão-raiva; sem nunca chegar a aceitação.
E para cada um de nós essas emoções podem ter mais ou menos poder. Me lembro quando assisti ‘Beleza Americana‘ e o personagem de Wes Bentley fala para Kevin Spacey sobre a relutância de seu pai em aceitar que ele trafica drogas: “nunca subestime o poder da negação!”
O caminho através dos estágios deve se parecer mais como uma espiral, e da mesma forma que um fio de telefone, se enroscar em si próprio em um nó superespiral difícil de desatar.
Para deixar a situação ainda mais complexa, da mesma forma que a célula envia diferente sinais ao mesmo tempo, e também em sequência, também nós experimentamos diferentes perdas, de intensidades variadas, contemporaneamente e em sequência. E em um dado momento qualquer, vivemos um mosaico de diferentes perdas, cada uma em um estágio do modelo.
E como pode ser o nosso estado de espírito enquanto negamos uma coisa, temos raiva de outra, tentamos negociar uma terceira, estamos deprimidos com uma quarta, sentimos raiva pela terceira vez de uma quinta coisa, negociamos pela 4a vez uma sexta perda, negamos novamente uma sétima depois de já termos passado duas vezes pela raiva e pela barganha; enquanto experimentamos apenas um pouco de paz por finalmente termos aceitado uma oitava frustração?
Felizmente a vida não é feita apenas de perdas e as nossas vitórias, principalmente aquelas batalhadas, mas também, e porque não, aquelas fruto do acaso e da sorte, trabalham a favor da nossa autoestima (essa ficou sem hífen mesmo, não é?!). Só que as vitórias são só felicidade, ou alguém tem dificuldade em aceitar uma vitória?
Esse ‘mosaico das perdas’ se configura em nós como uma impressão digital móvel, que nos caracteriza de uma maneira única, mas que se modifica ao longo do tempo e com a aquisição de cada nova perda e ganho; e assim determine, através de um modelo matemático caótico e complexo no melhor estilo ‘efeito borboleta’, como responderemos a uma nova perda: se ela, ainda que menor, despertará sentimentos de raiva e depressão acumulados; ou se, ainda que maior, será mais facilmente aceita.
Mas, para o bem e para o mau, a realidade é mais parecida com a parábola do Rei Persa, que pede ao artista do reino uma obra de arte que o ajude a ficar feliz quando está triste e triste quando está feliz, e este lhe presenteia com um anel com os dizeres: “Tudo acaba”.
Quanto mais rápido aceitamos a perda, mais rápido podemos começar de novo. Essa é a beleza da vida.

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