Contorcionismo

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Eu sei que os bons jornalistas não revelam suas fontes, mas eu sou biólogo e meus amigos biólogos são minhas principais fontes.
Foi num churrasco de final de ano da minha turma que ouvi uma das piadas mais engraçadas e didáticas até hoje: “Sabe qual é a definição de ‘Lingua’ no dicionário? Órgão sexual usado pelos antigos egípcios para falar!” Não é ótima?!
Quando aprendemos que na ponta da língua está a maior concentração de sensores de tato de todo o corpo humano, começamos a pensar se não é realmente um mal uso o que fazemos desse órgão tão nobre.
Um churrasco como o de ontem, para nos despedirmos da Alejandra, que nos deixará para viver grandes aventuras românticas e profissionais em New Orleans, me dá material para uns 3 meses de blogagem (ainda que no final do ano seja complicado manter o mínimo de um texto por mês).
Acompanhado de toda sorte de piadas politicamente incorretas sobre Batman e Robin, um dos assuntos foi o artigo recentemente publicado na excelente revista PLoS One sobre o habito sexual de morcegos de fruta Cynopterus sphinx, em que a fêmea lambe o pênis do macho durante a cópula. Eu já havia escrito sobre o hábito sexual de morcegos antes, e me interessei em dar uma olhada no artigo.
Eu e o mundo todo. Descobri que o artigo estava comentado nas páginas de ciência de jornais e blogs em todo mundo. Mas são sempre os mesmos “cortes e colagens” que impregnam a internet e contribuem muito pouco para o engrandecimento do espírito humano. Ao ler o artigo fiquei contente de ver que, ao contrário do artigo sobre a relação entre redemoinhos de cabelo e a homosexualidade, esse tinha conteúdo, era bem feito e realmente interessante.
“(…) enquanto um macho estava mastigando ou cortando folhas de palmeira para fazer sua tenda (…) uma fêmea voava para dentro, esticava as asas e movia a cabeça lentamente em direção ao macho, cheirando seu pescoço e rosto. Em seguida as cabeças se debruçavam e eles se lambiam mutuamente. Neste momento, o macho segurava a fêmea com os polegares, circulava em torno dela para encontrar a postura mais adequada para a cópula e terminava por trás da fêmea, com sua face voltada para o pescoço dela. Às vezes, a fêmea parecia resistir, e ate mesmo escapava acidentalmente, mas nesses casos o macho a perseguia até que a cópula fosse concluída. (…) Durante a cópula, o macho normalmente mantinha a fêmea presa pela nuca com a boca e segurava suas asas com os polegares. (…) e o casal avançava e recuava de forma rítmica e ininterrupta. (..) Após a conclusão da cópula, o macho lambia seu pênis durante vários segundos e permanecia na tenda fazendo uma auto-catação, raramente voando para longe. A fêmea também se catava após a cópula e, normalmente, ficava perto de seu companheiro.”
O que há nessa tradução livre do texto que pode ser encontrado no link abaixo, além de um eventual erro de inglês? O fato da descrição da cópula entre morcegos se assemelhar incrivelmente a descrição de uma cópula entre humanos! Ou você discorda?
Agora vem a curiosidade sobre essa espécie de morcego.
“Descobrimos que a fêmea abaixava a cabeça para lamber a haste ou a base do pênis do macho, várias vezes durante a cópula (veja o vídeo anexo). E nesses casos, nunca houve interrupção do coito. (…) A felação durava aproximadamente 20 s ou 10% do tempo da cópula. Houve uma forte correlação entre o intervalo de tempo em que a fêmea lambeu o pênis do macho e da duração da cópula e quanto mais a fêmea lambia o pênis de seu parceiro, mais longo era o coito. E mais frequente. Esses pares também passavam mais tempo copulando do que aquelas onde a fêmea não praticava a felação. Os resultados sugerem que o comportamento lambedor pode trazer vantagens evolutivas por prolongar o tempo de intercurso durante a cópula.”

Apesar da felação com propósito excitatório ser pouco documentada entre os animais, lamber as genitais é um hábito comum entre muitos, muitos, muitos mamíferos. Ela permite detectar se a fêmea está no cio e também a presença de odores indicativos da ‘presença’ de outros machos ou de doenças.
Mas qual seria o benefício da lambeção no morcego?

“O pênis dos morcegos contém tecido erétil (corpo cavernoso e corpo esponjoso) semelhante ao encontrado em primatas e humanos. O tecido eréctil é estimulado durante a cópula pela contração rítmica vaginal, que aumenta a rigidez do pênis e mantém a ereção por mais tempo. Nós supomos que a felação em C. sphinx aumenta a estimulação e o enrijecimento do pênis, mantendo a ereção do macho. Ao mesmo tempo, a saliva da fêmea pode aumentar a lubrificação, facilitando a penetração e as estocadas. Em conjunto, esses recursos podem prolongar a cópula.”

“A cópula prolongada ajuda no transporte do esperma da vagina para a trompa uterina, estimula a secreção da glândula pituitária feminina e, consequentemente, aumenta a probabilidade de fertilização. A cópula prolongada também pode ser um método de manter o par, já que após a cópula os parceiros segregam para formarem grupos unissexuais que persistem até a próxima temporada de acasalamento. (Menos romantico, porém muito eficiente) A felação confere benefícios bactericida e ajudar na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, tanto para as fêmeas quanto os machos, já que a saliva apresenta, além da clássica atividade antibacteriana, propriedades antifúngicas, anticlamidicas e antivirais. E finalmente, o sexo oral pode facilitar a identificação de pistas químicas ligadas ao fato de histocompatibilidade, que tem sido associado a escolha de companheiros.”
Mas meu ponto é o seguinte. Um grande esforço é feito por milhares de cientistas sociais, sociólogos, antropólogos e psicólogos, para estabelecer as bases culturais das ações humanas por trás de ritos como o sexo. O homem começou a falar aproximadamente 60.000 anos atrás e a escrever apenas 5.000 anos atrás. A seleção natural é um modelo muito mais eficiente para explicar esses comportamentos, geração após geração, espécies após espécie, por milhões e milhões de anos.
Com todas essas semelhanças entre homens e morcegos, a única coisa realmente curiosa aqui é como essa fêmea consegue se contorcer a ponto de alcançar a própria vagina.
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Tan M, Jones G, Zhu G, Ye J, Hong T, Zhou S, Zhang S, & Zhang L (2009). Fellatio by fruit bats prolongs copulation time. PloS one, 4 (10) PMID: 19862320

O gene da Cinderela

O segundo capítulo de “A doutrina do DNA” de Richard Lewontin, um livro obrigatório para todos os biólogos, começa com a pergunta: “Está tudo nos genes?” A resposta é que nem tudo está no DNA. Fatores ambientais e o acaso, na forma das ‘anomalias do desenvolvimento’ (tudo explicadinho no livro), têm um papel importante no que torna cada ser vivo único.

Porém, algumas coisas estão nos genes sim. Quais? Isso foi tema de discussão com uma querida amiga psicóloga durante a última semana. ‘ID’, ‘EGO’ e Freud vinham pra cá; genes, mutações e Darwin iam pra lá. Acordamos que o comportamento humano possuía aspectos biológicos, algo parecido com o instinto (que eu coloquei no ID), que são transmitidos pelos genes de uma geração para outra; e aspectos culturais, dependente do ambiente, moral e ética (que eu coloquei no ego e superego) que não eram transmitidos para a próxima geração. Ou pelo menos não biologicamente.

Isso tudo porque eu tenho pensado muito ultimamente sobre como nosso comportamento biológico impõe limitações ao nosso comportamento cultural. Se não impõe limitações, deve ter um grau de responsabilidade pelos dilemas que enfrentamos ao longo da nossa vida. Porque algumas escolhas parecem tão complicadas? Porque é tão difícil ficar satisfeito? Porque, tantas vezes, somos tão ambíguos? Para mim, a resposta está em que nosso comportamento biológico diz uma coisa e nosso comportamento moral diz outra. Ainda que o moral vença na maior parte das vezes em nós animais racionais, ele raramente convence o biológico, que fica esperando o momento de apontar: “mas eu te disse!”

Mas não são apenas os genes dos nossos instintos que nos impõe limites. Existem exemplos mais concretos de limites morfológicos e fisiológicos que vão contra as determinações culturais. Os mais fáceis de explicar (e talvez mais interessantes) ilustram as diferenças entre homens e mulheres.

Durante o nosso desenvolvimento, além de colocar as coisas nos seus devidos lugares, os genes X(X) e(X)Y trabalham na ‘formatação’ do nosso cérebro para que sejamos homens ou mulheres. Espero que vocês me permitam a metáfora com os termos de informática. Se um corpo, o hardware, é masculinos ou femininos; a configuração do cérebro, o software, tem de acompanhar aquele corpo (em alguns casos isso não acontece, mas vou deixar, de novo, isso para outro post).
Diferenças importantes entre homens e mulheres são determinadas por essa formatação do cérebro. Uma formatação comandada por genes. Se vocês pudessem observar estudos de ressonância magnética no cérebro masculino e feminino enquanto ouvem o choro de um bebê ou quando tentam resolver a solução de um labirinto, veriam do que estou falando. “As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”, como diria Gonçalves Dias. As luzes que aqui (no cérebro do homem) acendem, não acendem como lá (no cérebro das mulheres). E vice-versa.

Homens têm maior profundidade de foco na visão e um raciocínio espacial melhor, o que permite enxergar mais longe com maior acurácia e precisão. As mulheres têm um campo visual (visão lateral) mais amplo e são capazes de lidar diferentes tipos de fontes de informação ao mesmo tempo. Essas habilidades e capacidades específicas diferentes foram inseridas no cérebro pelo ‘programa’ genético que acompanha cada um dos sexos. Provavelmente elas não nos servem hoje como serviram durante todo o tempo que foi necessário para que a seleção natural as escolhessem. Mas a questão é outra. A questão é que essas características nos impõe limites biológicos! Nenhum homem conseguirá ser tão eficiente em escutar e falar como uma mulher, e nenhuma mulher conseguirá ser tão eficiente quanto um homem em determinar posição e distância (a discussão do grau dessas diferenças fica para o outro texto que mencionei acima).

Os limites biológicos impostos pelas características morfológicas e fisiológicas, foram levando os sexos a optarem por estratégias de vida diferentes (o que por sua vez foi criando mais limites biológicos). Uma das diferenças de estratégia mais marcantes entre os sexos, nos mamíferos vivíparos como nós, é o investimento que fazem na prole: o da fêmea é significativamente maior que o do macho. Nos humanos, algumas peculiaridades fazem com que esse investimento seja ainda mais pesado. A relação entre o tamanho do bebe é tamanho da mãe é proporcionalmente maior que em qualquer outro mamífero. Isso maximiza a saúde do filhote, mas minimiza a da mãe. As dificuldades com o parto e o aleitamento impossibilitam a busca por abrigo, alimento e proteção de ambos. Com isso, a ajuda do pai não é apenas um luxo para que a fêmea não tenha que criar o filhote sozinha: é uma necessidade vital sem a qual as chances de sobrevivência da fêmea e do filhote são incrivelmente menores. Geneticamente, as fêmeas humanas foram desenhadas para precisarem do cuidado do macho humano. Que bom, porque se não fosse isso, provavelmente não teriam evoluído o sexo por diversão: único na natureza e a melhor estratégia que as fêmeas encontraram para manter o macho por perto (e feliz) cuidando delas e dos filhotes. Ainda que dê trabalho, compensa!

Porém, a codificação para um bebe maior e com maiores chances de sobrevivência não revogou instruções anteriores, como a de ‘encontre o melhor macho para seus filhotes. Se encontrar um macho melhor que o anterior, substitua o velho’. Como já falei aqui, machos são instintivamente (está nos genes) promíscuos e fêmeas são instintivamente infiéis. Hum… assim vou perder leitoras. Deixa eu reformular. As mulheres são biologicamente seletivas e carentes. Comportamentos instintivamente programados pelos genes para compatibilizar com a estratégia reprodutiva de alto custo energético com a prole. Biologicamente preparadas para a infidelidade, porque seu maior compromisso é com a prole, e não com o parceiro. Como compatibilizar esses instintos de seletividade e carência com a cultura que vivemos ignora, que ignora esses aspectos biológicos? Não dá. As mulheres modernas vivem em constante dilema. Essa ambigüidade foi muito bem identificada pela autora americana Colette Dowling no clássico dos anos 80 “O complexo de Cinderela” (que minha amiga Vanessa diz ser uma teoria ultrapassada, mas que nunca me pareceu tão atual).


Com a mudança do estilo de vida tribal de 2 milhões de anos atrás para o atual supermercado/microondas, o ‘gene da Cinderela’ se tornou um fardo para as mulheres modernas: bem sucedidas, competitivas na sociedade e no mundo profissional, capazes de superar grandes dificuldades na vida sozinhas, mas também capazes de abrir mão de todas as suas conquistas para sucumbirem a um desejo incontrolável de serem cuidadas pelos homens assim que encontram um.

A pitada de crueldade é dada pela inexistência no genoma masculino do ‘gene do príncipe encantado’. E tem
quem discorde de mim quando digo que a natureza é amoral.

Alarmismo não, pessimismo


Vocês sabem que sou um ferrenho combatente contra o alarmismo como argumento para divulgação científica. Defendo que a gente conheça os graus de incerteza relacionados com cada evento, para tomar a melhor decisão possível. É assim que venho tratando o tema do aquecimento global.Alguns meses atrás assisti, relutante, confesso, o badalado documentário do Al Gore “Uma verdade inconveniente”. Relutava porque achava que estaria repleto de campanha política para presidente dos EUA (e está, com aval do Oscar). Mas foi interessante e aprendi muitas coisas.
Na 4a feira passada, o Dr. Sergio Besserman, economista brasileiro que participa do IPCC (o painel global da ONU para mudanças climáticas) veio falar à Biofísica sobre Aquecimento Global. Gostei muito! E aprendi muito também, de novo. Primeiro porque ele começou apertando a tecla que eu venho batendo insistentemente: “Nós somos irrelevantes para o planeta. Ainda que consigamos destruir tudo, tudo voltará novamente. Os únicos prejudicados pelo aquecimento global somos nós mesmos”.
Nós e essa nossa mania de sermos o centro do mundo, e que por sermos inteligentes conseguiríamos resolver todos os problemas.
“Daqui alguns milhões de anos vai tudo estar muito mais interessante do que hoje, e para terra, vai ter passado apenas mais um minuto na sua história”, Besserman continuou. E ainda foi mais fundo: “Na verdade, são só os pobres do mundo vão sofrer!” De novo. Mais ainda.
Ele está certíssimo.
Quando a maré subir, não vai ser Nova Iorque que vai se afogar, como no filme. Nem Copacabana (mas não seria mal lavar a Narcisa Tamborindeguy da nossa orla, não é Dudu?). Amsterdã vive abaixo do nível do mar. Parece, inclusive, que os holandeses já estão fazendo propaganda em todo o mundo de que possuem a tecnologia necessária para as casas não afogarem. E tem mesmo. Só vai custar caro. E não sei se Bangladesh vai conseguir pagar.
Os pobres é que vão penar!
Quando eu chamei o aqui o aquecimento global de farsa, eu estava criticando o alarmismo científico. Mas tenho de reconhecer que me faltavam informações. E que as evidências de que os níveis de CO2 na atmosfera hoje são os maiores de todos os tempos, baseados nos registros históricos observados através das pequeníssimas bolhas de ar que ficam presas nas geleiras da Antártica e Ártico, são muito científicas.
Ainda assim, fico pensando… será que o aquecimento global pode ser tão poderoso para mudar a forma do planeta quanto um movimento de placas tectônicas? Quando me lembro que em 1991, durante a erupção do Pinatubo na Indonésia, uma das maiores dos últimos séculos, o vulcão liberou mais CO2 na atmosfera em 3h que a cidade de Nova Iorque liberaria em 30 anos, é difícil acreditar que o planeta nunca passou por outros eventos naturais mais importantes que a atividade humana. E imaginar que uma especiezinha como nós, recém-nascidos em termos evolutivos, só porque alcançou os 6 bilhões de indivíduos, possa causar esse estrago todo.
Mas pelo visto pode. É a tal história mostrada no filme (e também na palestra do Besserman) sobre novas tecnologias e velhas atitudes.
Mais pensei em outra coisa. Um pouco mais sombria que só alarmismo.
Nas aulas de ecologia, ensino sobre estratégias de utilização de recursos (energia). Algumas espécies usam uma estratégia chamada de r e são classificadas de oportunistas. Quando essas espécies encontram recursos disponíveis em abundância, utilizam esses recursos até a sua exaustão e depois, inevitavelmente, perecem. A população então sobrevive com um número mínimo de indivíduos até os recursos se renovarem (o que pode levar algum tempo), e elas poderem executar um novo Bloom demográfico. Essas espécies apresentam curvas de crescimento exponenciais e desaparecimentos bruscos. Sabe com o que parece a curva? Com os batimentos do coração no eletrocardiograma, com aqueles picos de subida e descida. Ao longo do tempo, essas espécies repetem esse comportamento sempre que os recursos se renovam, ou quando invadem um novo ambiente. Repetem isso não porque não são inteligentes. É só a estratégia delas. E não conseguem fazer diferente.
Não preciso reler meu texto, nem minhas aulas, para ver que nós agimos como estrategistas r.
Mas o pior não é isso. Eu também escrevi aqui, sobre os mecanismos de tolerância e resistência. Quando ultrapassamos o limite dos mecanismos que permitem nossa vida fora das condições ótimas, ativam-se outros mecanismos, mas que não tem a capacidade de trazer a gente para um novo equilíbrio. E morremos.
Quando Besserman mostrou que o problema do efeito estufa não são apenas os gases que estão sendo produzidos agora, mas o acúmulo de todos os gases já produzidos até hoje (na verdade, os gases permanecem na atmosfera por uns 100 anos), que levam um tempo até se integrarem na atmosfera e começarem a agir… aquilo ficou na minha cabeça… até que a ficha caiu.
Com 6 bilhões de pessoas que devem virar 9-12 bilhões nos próximos 5 anos, com a China crescendo 11% ao ano e com a radical mudança de comportamento que seria necessária para, não diria reverter, mas amenizar as emissões… ferrou! Superamos a capacidade de tolerância do ambiente e entramos nos mecanismos de resistência. Nossa extinção é inevitável!
Vamos levar algumas outras espéceis conosco, mas nada que vá afetar demais o planeta.
Pode parecer radical. Deve ser por isso que o outro chamou de “Uma verdade inconveniente”.
Mas a verdade mesmo é essa: Ferrou!

O que é Semelparidade?

Confesso a vocês que no texto sobre por que acabamos atraindo apenas loucos, no comentário de uma amiga bióloga inteligentíssima, apareceu uma palavra que eu nunca tinha ouvido falar: semilparidade. Como a palavra veio em um contexto meio ameaçador, eu fui obrigado a investigar e agora conto pra vocês.
Na verdade o termo correto é Semelparidade. Semel vem do latim e quer dizer “apenas uma vez”, e parare (que também vem do latim), “dar a luz”. Pros que não gostam de pensar que somos como os animais, esse é um bom motivo. Os semélparas são animais que concentram seu esforço reprodutivo em apenas uma tentativa. Acasalam e depois da deposição dos ovos, as fêmeas morrem. Resumindo, eles trepam apenas uma vez na vida. Que tristeza!

Durante a pesquisa, fiquei feliz de descobrir que somos iteróparas! A Iteroparidade (itero do latim “várias vezes”) é o termo que descreve aquelas espécies que acasalam várias vezes ao longo da vida. Essa é uma realidade para muitas espécies, principalmente de mamíferos, que são muito mais felizes. Uma coisa leva a outra e me lembrei que somos uma das únicas espécies em todo o reino animal (e vegetal também) que fazem sexo por diversão. Parece que os golfinhos são a única outra espécie. Mas qual o objetivo evolutivo do sexo por diversão?

Na maioria das espécies, o sexo é tão bom que mesmo o instinto de sobrevivência sucumbe ao desejo sexual e o acasalamento pode ocorrer mesmo em situações de risco de vida (ex: com um predador por perto). Mas o desejo sexual não é contínuo e as fêmeas não estão sempre preparadas para o sexo. A excitação feminina, dependente do hormônio testosterona, vem junto com a ovulação. É o cio (ou calore em italiano) e é um processo lento, mas que não pode ser desperdiçado. Como o macho nunca sabe quando vai encontrar uma fêmea no cio, ele tem de estar SEMPRE pronto para o sexo. Ou pelo menos em um estado basal que permita a ele se aprontar para o sexo em pouco tempo (os homens podem passar de um estado de não excitação a prontos para copula em 30s). Isso é garantido pelas altas concentrações de testosterona no corpo do homem.

Na maior parte das espécies, a excitação feminina é demonstrada de várias formas. A genitália muda de cor e de forma. Em macacos babuínos, os grandes lábios incham aumentando de tamanho e passam de uma tonalidade roxa para um vermelho vivo. Alem disso, a fêmea exala um odor particular, com substâncias químicas (os feromônios), que indicam ao macho que ela está pronta para a cópula. Se a vagina vermelha, inchada, quente e cheirosa não for suficiente para chamar atenção do cara, ela ainda faz danças e movimentos que indicam, com as mãos e gritos, que o momento é aquele e ainda indicam o “caminho” para ele.

Que felicidade seria sair à noite e saber exatamente quais fêmeas estão prontas para copular, não é mesmo rapazes? Bom, mas isso causaria um problema evolutivo para as fêmeas humanas. O fato é que o filhote humano é muito grande em relação ao corpo da fêmea (da mulher), e por isso que o parto é difícil e necessita de assistência, sem falar no número de mulheres que fenecem no parto. O auxilio precisa ser durante o parto, mas também no período de recuperação. E não só ela, mas também o filhote (que é grande, mas bobo e dependente) necessita de auxílio (em ambos os casos, por auxílio entenda-se alimento e proteção contra predadores). Quem é o escolhido para auxiliar nesse momento? O homem!

Mas por que o homem, que como nós já falamos anteriormente tem uma estratégia reprodutiva diferente da mulher, ficaria para ajudar depois de ter copulado? Não me venham com respostas culturais do tipo… por amor. O macho necessita de um argumento muuuuuuito bom para ficar ao lado da fêmea nesse momento e continuar provendo suas necessidades. E que argumento poderia ser melhor do que sexo? Nenhum, apenas MAIS sexo! Por isso, as fêmeas humanas desenvolveram evolutivamente a capacidade de ter sexo fora do período reprodutivo, apenas para manter o macho presente e feliz, a ponto de continuar suprindo suas necessidades. Claro, ela também tem prazer com isso, mas essa não era a idéia original. Vocês meninas é que acabaram aperfeiçoando o processo!

Mas para isso ser verdade, precisaríamos observar algo que parece controverso: que os machos humanos casados e com filhos fariam mais sexo que os machos humanos solteiros e sem prole. Obviamente já foram pesquisar o assunto, e os homens casados fazem sexo em média 3 vezes por semana, enquanto os solteiros fazem menos de 1 vez por semana! É um fato.

Então, da próxima vez que você invejar aquele seu amigo solteiro que ta saindo para uma tremenda noitada enquanto você vai pra casa colocar os filhos pra dormir, lembre-se que você vai trepar com certeza, já ele…

Por que algumas mulheres (homens) só atraem homens (mulheres) malucos(as)?

Vai dizer que essa não é uma pergunta interessante? Aposto que o novo contador instalado no Blog vai disparar! Mais uma vez, não é uma pergunta pra Biólogo, mas como eu disse anteriormente, isso não importa, desde que tenha ciência por trás e que eu possa tentar falar a respeito. Não espere a solução dos seus problemas por que esse não é um site de auto-ajuda.
Cientificamente, os homens fazem parte do grupo que chamamos de estrategistas ‘r’. O ‘r’ é minúsculo mesmo e representa o valor do coeficiente de crescimento exponencial de uma população que nunca chega ao equilíbrio. Mulheres são estrategistas K, maiúsculo, e representa o valor da constante de equilíbrio de uma população quando alcança a estabilidade, em uma outra equação. Essas duas estratégias estão relacionadas com utilização de energia. Não existe estratégia certa ou errada. Existem duas formas de alcançar o sucesso reprodutivo (e evolutivo) em longo prazo. Ambas são perfeitamente viáveis (o que é mais importante que serem ‘certas’ ou ‘erradas’). Isso se não tivessem de conviver juntas!
Evolutivamente, as fêmeas acharam por bem manterem seus ovos próximos a elas, já que o custo” energético de um ovo é extremamente alto para um predador qualquer se valer dele. Acabaram por manterem seus ovos ‘dentro delas. Isso trouxe uma vantagem seríssima para as fêmeas: seus filhotes são sempre seus! Ela nunca corre o risco de cuidar de um ovo que não seja seu! O que é importantíssimo, já que o custo de manter o ovo dentro do próprio corpo e depois ainda amamentar, no caso dos mamíferos, é muito elevado.
Todo esse ‘investimento energético na gestação, fez com que as fêmeas desenvolvessem mecanismos muito seletivos para a escolha do macho. Pra gerar um filho, não poderia ser qualquer um. Tinha de ser o mais forte e com sistema imune mais eficiente. Um macho que pudesse providenciar comida e abrigo para ela e o filhote. Bom, achar um macho assim, nem era difícil, o problema era convencer ele a topar essa proposta. Basicamente a proposta é: “Me dê casa, comida e roupa lavada, por que eu juro que o filho é teu!”. Mas muitas vezes… o filho não era.

Durante um mesmo período fértil, quando o macho dava uma escapada pra buscar comida, se aparecesse outro macho, mais viril, mais forte, mais bonito ou mais resistente a doenças, a fêmea não pensava duas vezes, e dava pra ele também (de acordo com alguns cientistas, a partir desse momento começa uma ‘guerra’ entre os espermatozóides dos dois machos, dentro das trompas da fêmea. Se você quiser saber mais pode ler o livro Sperm Wars: The Science of Sex de Robin Baker).
A questão é tão séria que define promiscuidade. Apesar de muitas fêmeas humanas terem diversos parceiros ao longo da vida, elas não são promiscuas, sendo o termo reservado apenas para aquelas que tem diferentes parceiros durante o mesmo ciclo ovulatório. Ou seja: aquelas que não podem garantir quem é o pai!
Os machos para não precisarem correr o risco de acreditar em suas fêmeas, desenvolveram uma outra estratégia. Como eles efetivamente nunca teriam certeza que seus filhotes eram seus, eles resolveram investir pouca energia neles, ou melhor, em cada um deles. Produziram muitos espermatozóides, mas muitos mesmos, células pequenas, simples e que não gastassem muita energia. E jogaram com a sorte: poderia ser que uma fêmea, duas, vai lá, três se ele fosse muito ferrado, poderiam encontrar um macho mais interessante depois de terem sido fecundadas por ele. Mas mais que isso… seria difícil. Como as mulheres sabem, não tem tanto homem interessante dando sopa por ai. Bom, os machos também sabiam disso (alias, melhor que as mulheres, por isso fazem um doce de vez em quando) e por isso, resolveram espalhar seus espermatozóides pelo maior número de fêmeas possível. Só assim, estatisticamente, seus genes seriam passados adiante. De uma forma, ou de outra. E como ainda por cima eles não tem interesse em investir energia na prole que não tem certeza de ser sua, precisam fecundar um número ainda maior de fêmeas, para aumentarem suas chances de terem uma descendência.
Parece machista? Terrível? Olhe a sua volta: peixes, aves, cães e gatos… todos fazem assim, só nós queremos ser diferentes.
Agora entra o argumento óbvio: Ahh… mas nós não somos cães e gatos! Nós somos inteligentes! Mesmo os seres humanos, viveram como animais no último 1 milhão de anos. Apenas nós últimos 4-5 mil anos, começamos a nos civilizar(?). Acreditem em mim, isso não é tempo suficiente pra seleção natural agir e mudar nossa biologia.
A natureza criou as mulheres exigentes e os homens descompromissados. As fêmeas exigem qualidade e prometem fidelidade, mas… traem! Os homens… bem, os homens só traem mesmo!
Não somos malucos, mas temos regras sociais que ditam uma coisa e hormônios que exigem outra. Uma equação difícil de resolver. Somos a primeira espécie que tenta apaziguar uma guerra evolutiva entre os sexos que dura milhões de anos. E estamos pagando o preço.
Mas isso não serve de desculpa para ninguém. Temos mesmo a inteligência e a cultura, e devemos fazer uso delas. Mas se resolvermos fechar os olhos para as questões biológicas (e abrirmos muito eles para os contos de fadas), corremos o risco, simplesmente de morrer tentando. Ou pior ainda, de não trepar!

PS: Pra quem estiver mais curioso sobre os aspectos científicos do sexo e dos relacionamentos, não deixe de ler o impagável “Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor” de Allan e Bárbara Pease. E pra quem estiver muito interessado mesmo nas questões biológicas mais intrigantes (Por que as mulheres mestruam? Por que os homens não amamentam?) podem tentar ler (por que é meio chato, apesar de super interessante) “Why sex is fun?” de Jared Diamond.

Diferença genética entre humanos e chimpanzés

Depois que o Watson descobriu com o Crick a dupla hélice do DNA, ele perdeu
muito do interesse que tinha nessa molécula e suas atenções voltaram-se para
o até então incógnito RNA. Ele acreditava (e estava certo no palpite) que essa
era a molécula tinha papel fundamental na codificação das proteínas, e
portanto no funcionamento da célula. Esse é de fato o paradigma central da “biologia molecular” (o ramo que estuda o processamento das informações genéticas): Genes no DNA são transcritos em RNAs que são traduzidos em Proteínas.

Atualmente, mais e mais grupos de pesquisa têm investido em técnicas para quantificar a expressão gênica. Ou seja, uma vez que os genes são seqüenciados e identificados no DNA, quais são as razões que fazem com que um gene seja mais expresso e produza mais a “sua” proteína que outros. Talvez isso seja conseqüência das observações de que, mais ou menos, todos os organismos apresentam proteínas semelhantes, ou com funções semelhantes.

A semelhança do genoma de espécies diferentes chama a atenção especialmente no caso do homem e do chimpanzé. Apesar de todas as diferenças morfo-fisio-psicológicas entre essas duas espécies, nós compartilhamos pelo menos 98,7 por cento do patrimônio genético. Em fato, se uma amostra de 3 milhões de pares de base, representando cerca de 0,1% do genoma do primata, for escolhida aleatoriamente e comparada com o que se conhece do genoma humano constata-se uma diferença média de apenas 1,3%. É possível que se você mostrar um fragmento de DNA a um biólogo molecular ele não saberia dizer se é de um humano ou de um chimpanzé.

Então fica a pergunta: Como pode o DNA conter toda a informação genética que produz as diferenças entre os organismos e ao mesmo tempo ele não ser assim tão diferente? Essa pergunta começa a ser respondida pela equipe do sueco Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig (Alemanha). Pääbo apresentou seus últimos resultados em 27 de março na Conferência Internacional sobre o Genoma no Brasil, em Angra dos Reis (RJ) e também publicada na revista “Science”.

Pääbo relatou experimentos em que sua equipe comparou a expressão de genes no homem (Homo sapiens), no chimpanzé (Pan troglodytes), orangotangos (Pongo pygmaeus) e macacos Rhesus (Macaca mulatta). Os resultados foram que a variação da expressão de genes encontrada nos glóbulos brancos do sangue e no fígado foi relativamente pequena (0,57 e 0,80%, respectivamente), mas foi mais significativa no cérebro (1,23%).

Ou seja, no cérebro do homem são produzidas algumas proteínas ligeiramente diferentes das produzidas pelos chimpanzés, mas a grande diferença está na quantidade de proteínas fabricadas pelas células cerebrais dos humanos, que é muito maior: 5,5 vezes mais elevada.

Isto quer dizer que, com o mesmo material genético, as duas espécies fazem coisas diversas. A informação codificada nos genes é activada de forma diferente no cérebro de homens e chimpanzés, o que produz padrões de expressão genética próprios de cada espécie.

Claro, seria tentador dizer que esse fenômeno bioquímico é responsável pelas características que acreditamos sejam distintivas da espécie humana, como o pensamento complexo e abstrato. No entanto, essas variações ainda não podem ser interpretadas do ponto de vista funcional. Já vemos que tem uma diferença, mas não sabemos o que ela causa. Na verdade, mesmo os muitos pesquisadores acreditam que quase todas as grandes descobertas da ciência já foram feitas, concordam que a compreensão do fenômeno da consciência é uma das grandes fronteiras da biologia.

Para o sueco, as diferenças que separam homem e chimpanzé são mais sutis do que acreditamos ao observar nossas diferenças morfológica (fenótipo). Segundo Pääbo, “as diferenças são apenas graduais” e cita estudos que constataram em chimpanzés atributos considerados específicos da espécie humana: aprender linguagens de sinais, capacidade de evoluir culturalmente…

A esse ponto, você que não via a importância de saber a diferença entre homens e macacos (indicando que eu não tenho direito feito meu trabalho de divulgador) devia estar satisfeito. Mas se você quer soluções ainda mais aplicadas, então lembre-se que uma quantidade enorme de medicamentos são testadas primeiramente em macacos antes de serem aplicadas em seres humanos. Eu ficaria contente apenas de compreender melhor os mecanismos como a evolução atuou para separar essas espécies.

Por exemplo, eles descobriram que com respeito aos leucócitos e ao fígado, homens e chimpanzés revelam-se sempre parentes muito próximos, praticamente idênticos entre si e bastante diferentes dos orangotangos e dos macacos Rhesus. No entanto, com relação ao padrão de expressão gênica do córtex cerebral dos chimpanzés é mais parecido com o dos macacos Rhesus do que com o dos humanos. Os resultados indicam que as alterações da expressão genética no cérebro ao longo da evolução foram muito aceleradas na linhagem que deu origem ao homem do que na do chimpanzé.

A equipa defende que a alteração dos níveis de expressão gênica sofrida pelo homem se deu muito recentemente na história evolutiva comum de humanos e chimpanzés, senão outros padrões de expressão também deveriam ser afetados. O que terá desencadeado este processo evolutivo é que os cientistas não são ainda capazes de definir. Erros na duplicação de células que levam a acumulação de material genético (a célula fica com o dobro da quantidade de DNA) e que causam os fenômenos de duplicação gênica observados em espécies tidas como mais evoluídas é uma das principais hipóteses.

Esclarecer as diferenças de fenótipo que separam as duas espécies será mais fácil quando o genoma do chimpanzé for conhecido. O principal passo já foi dado, com a constituição no Japão de “bibliotecas” de seqüências genéticas do primata. Mas dado o custo muito alto do seqüenciamento completo, é possível que ainda tenhamos de esperar muito até poder aumentar nossa compreensão dessas diferenças.

Quando você vier a Itália e olhar para o teto da capela Sistina, verá o dedo de Deus que tocando a mão de Adão dá o “sopro” de vida que lhe anima a alma. Mas pode ter certeza que nosso octoporoteratavo foi a Chita!

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