Peso na consciência

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“Quem fala o que quer, ouve o que não quer”.
Acredito que essa é uma das grandes verdades do mundo. E hoje que fui vitima de uma trairagem inesperada, ela me parece mais verdadeira ainda.
Conforme vamos crescendo e algumas desilusões se acumulam, criamos a ilusão que podemos controlar se seremos enganados mais uma vez. “Errar uma vez é humano, duas vezes é burrice”. Na verdade errar mais de uma vez é mais humano do que podemos imaginar.
É um fato evolutivo. Isso porque quanto mais eficiente você se torna em prevenir que seja enganado, mais eficientes se tornam os seus enganadores. É uma corrida para permanecer no mesmo lugar. A sinceridade não é, definitivamente, a maior qualidade dos primatas. De nenhuma animal. A desconfiança é muito mais difundida.
O grande biólogo Robert Trivers e o grande linguista Noam Chomsky também concordam. Na verdade, a teoria é deles. Veja essa interessante e inédita conversa entre os dois aqui.
Para eles, a necessidade dos homens, dos humanos, de iludirem outros humanos, seja por alimento, abrigo ou parceiros sexuais, fez com que nós desenvolvêssemos a nossa consciência. E ampliássemos a nossa inteligência.
Mas como assim, a consciência, aquilo que nos torna mais humanos, não deveria nos ajudar a controlar esses instintos animais? A resposta é não.
Em tempos de fartura e abundância, a consciência pode se permitir devaneios filosóficos. Mas em tempos de vacas magras, é cada um por si e… e só.
A consciência se desenvolveu, provavelmente, para nos ajudar a abstrair o que faríamos se nos encontrássemos em determinadas situações. “O que eu faria se não estivesse no lugar dele?”
O objetivo é a prevenção. Se eu souber o que ‘EU’ faria, posso muito bem imaginar o que ‘ELE’ faria, e me prevenir. Tanto com uma ação defensiva quanto ofensiva.
Mas se você não acredita que é esse jogo de trapaças que te faz mais humano, eu não vou discordar. Na verdade os gorilas são tão inteligentes quanto um animal pode ser, mas levam uma vida simples, sem desenvolver nenhuma ferramenta e comendo o que aparece no seu entorno. Onde o gorila aplica o seu ‘grande’ intelecto? Em problemas sociais. Trapaças, alianças, ameaças, blefes. “Um gorila passa grande parte do seu tempo subjulgando, se submetendo, desvendando e influenciando a vida de outros gorilas.
É possível que seja a nossa tecnologia, que segundo muitos autores foi a idéia mais criativa da nossa inovadora mente criativa, que nos diferencie dos outros animais.
Mas um de onde veio a mente criativa que criou a tecnologia? Das necessidade de se dar bem nas contendas sociais. Mas então, se a mente criativa é anterior a tecnologia e nós a compartilhamos com chimpanzés, gorilas e bonobos, porque só a nossa espécie desenvolveu a tecnologia?
A resposta pode estar na nossa aparência. Um humano adulto se parece muito mais com um chimpanzé jovem do que com um chimpanzé adulto. Essa característica de manter a aparência jovem mesmo na idade adulta é chamada néotenia e é uma das características mais marcantes dos humanos.
(O)s (gene)s da neotenia foram uma grande aquisição, e certamente tiveram papel fundamental no desenvolvimento da inteligência humana. Para ter o cérebro do tamanho que têm e continuarem passando pela abertura da bacia, os bebês humanos nascem mais cedo, prematuros mesmo, sendo completamente dependentes dos pais nos primeiros anos de vida. Os genes da neotenia fazem com que o amadurecimento seja mais lento e a conseqüência é que quando somos adultos, acumulamos muita experiência em um cérebro excepcionalmente grande. As contendas sociais não eram mais suficientes para nós. Queríamos mais, e começamos a produzir coisas.
Uma aliança aqui, uma trapaça ali, uma traição acolá. Subjulgar ou se submeter? Instintos tão naturais que até nos espantamos como o quão humanos eles são. Mas ao mesmo tempo que não podemos viver sem eles, eles são nosso maior concorrente a eficiência e a produção. Mas como produzir sem alianças, apostas e blefes? Não dá.
O problema é que nossos ‘gorilas’, humanos especializados em não produzir nada e viver em contendas sociais, estão mais difíceis de identificar. Estão ficando mais espertos e alcançando a simulação da produção. Pense bem, porque produzir se eu posso apenas fazer alianças para levar o crédito pela produção? Passar horas em reuniões sem fim onde nem tudo é dito, em grupos de trabalho onde nada é decidido?
Essa é a verdadeira esperteza. Esse será o novo choque de gerações. E a idade, tem muito pouco a ver com isso.

Os bons companheiros

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De acordo com o meu Google analytics, que não mente jamais, desde que foi publicado, o texto onde a densidade populacional de cupins nos fornece o número mágico para resolvermos qualquer problema que envolva número de pessoas em lugares se tornou o mais lido e querido do VQEB, com 1.145 acessos até hoje.
O texto chamou atenção também do pessoal da revista Fapesp, que de vez em quando bisbilhota por aqui, e na edição impressa 173 de Julho 2010 ele publicaram o artigo ‘Os bons companheiros: Densidade populacional influencia longevidade de cupins’. com base no trabalho de Og de Souza.
A reportagem ficou ótima e eu tenho certeza que vocês vão gostar.

'Chi se ne frega'?

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Não vou mais a congressos na Europa. Quer dizer, pelo menos não na área ambiental. Bom, ao menos que não me convidem e me paguem tudo.
O 27th ESCPB foi uma grande reunião de amigos. E o prazer das pessoas em se encontrarem no país com a melhor comida e bebido do mundo, foi inversamente proporcional a qualidade científica da reunião. Se vocês viram as fotos do jantar social no “Alii Due Buoi Rossi”, então podem imaginar que foi realmente ruim (o congresso, vamos deixar claro. O jantar foi maravilhoso).
O que acontece, na área ambiental, é que ninguém realmente desenvolve trabalhos de base sobre os mecanismos fundamentais de ação de poluentes, ou sobre as vias metabólicas e de biotransformação. Tudo isso vem dos trabalhos biomédicos. Assim, ninguém é realmente ‘autor’ dos mecanismos que está investigando. Todo mundo, pega ’emprestado’ esses mecanismos e tenta explicar ‘efeitos’ que encontram ao expor os organismos, quaisquer que eles sejam, aos poluentes (quaisquer que eles sejam também).
Mas fazer ciência nesse mundo ‘high tech’ e ‘politicamente correto’ está cada vez mais caro. E por isso, também, obter amostras está cada vez mais difícil. E com isso, o número de amostra dos trabalhos, o ‘n’, é muito baixo. E quando o ‘n’ é baixo, a margem de erro das conclusões é muito grande. Tão grande, que as vezes não deveriam nem mesmo concluir nada.
A construção dos mecanismos de ação de uma substância poluente, que poderia fornecer informações gerais do interesse de todos, ao invés de ser o ‘alvo’ das pesquisas, são, ao contrário, tomadas emprestadas de outros autores como pressupostos para apresentar dados que tem um poder de explicação fraco sobre os efeitos de substâncias. Na verdade, dados que podem se adaptar ao modelo ‘pressuposto’ mas provavelmente a outros modelos também, porque o alvo da pesquisa é o efeito e não o modelo.
É como no teste de Rorschach, onde como base na figura que mostram cada um pode ver o que quiser. As conclusões desses trabalhos com ‘n’ baixo e desenho experimental/amostral precário podem ser lindas, mas são pouco, muito pouco úteis. E, também como no teste de Rorschach, informam muito mais sobre o pesquisador, do que sobre a própria pesquisa.
Isso sem contar as qualidade das perguntas, cientificamente conhecidas como ‘hipóteses’. Quando não são simplesmente ruins ou mal feitas, são pouco interessantes (chatas mesmo) ou de interesse muito, muito restrito.
Mas, ‘chi se ne frega’? Mas “quem se importa?”
Passamos duas taças de vinho ensinando essa frase para um dos pesquisadores americanos fodões presentes ao congresso, durante o ‘aperitivo’ que é como chamam os italianos chamam o ‘happy hour’. E a verdade é que ninguém no congresso se importava com a qualidade dos trabalhos apresentados. Tanto visual como científica.O corporativismo está matando a ciência!
Ao final das apresentações, cada perguntava começava sempre com “Fulano, muito obrigado por essa bela/interessante/importante apresentação”, enquanto a pergunta que não queria calar era: “como você tem coragem de apresentar isso em um congresso internacional?”
Porque ninguém procura questionar os modelos utilizados? Questionar os pressupostos? Ou, pelo menos, como fazer ciência está caro demais, não usamos os poucos dados que podemos obter para tentar ‘negar’ os modelos pressupostos? Esse é o princípio da ‘hipótese nula’ de Poper, através do qual a ciência tanto avançou no século XX. A tentativa de demostrar que um modelo não funciona é capaz de fornecer dados mais contundentes sobre a sua veracidade do que as pífias tentativas de confirmá-lo. Isso porque 1 (uma), apenas 1 (uma) observação é suficiente para questionar um modelo, enquanto nem mesmo milhares, milhões de observações, são suficientes para comprová-lo.
Mas então porque ninguém faz?
A reposta é complexa. Um misto de preguiça, dureza, irresponsabilidade e politicagem. O mecanismo de tomada de decisão na agências científicas, pelas ‘cabeças pensantes da ciência’ (ou a ‘inteligenza’ como diz meu tio) é tão complicado quanto a via de sinalização do cálcio dentro da célula.
“O fim da ciência”, como escreveu John Horgan, não está próximo por falta de coisas para descobrir, está próximo por falta de carinho dos cientistas para descobrí-las.

Fazendo mais pelo português que os portugueses

O VQEB embarcou para a África em numa aventura educacional. Comandados pela capitã Cristine Barreto, fomos para Moçambique treinar a ‘tropa de elite’ que vai escrever o material didático para os pólos da Universidade Aberta do Brasil em Moçambique.
Mas um estrangeiro em Maputo, a trabalho, pode muito bem não ver África alguma. Um bom hotel, bons restaurantes… e a África mesmo nem apareceria. Mas ela está nos detalhes. Alguns, como o aeroporto são detalhes chocantes, principalmente depois da troca de aviões em Johanesburgo, cujo aeroporto, reformado para a copa ou não, parece uma estação espacial. O preço da conexão a internet (USD 5,00 por hora) também é um detalhe que carrega muita informação.
Mas com um olhar atento, você vê a África quando conversa com o motorista de táxi, com a garçonete do Zambea e com os professores para os quais demos aulas. Ai vemos a África de verdade. E, como o Brasil, ela é cheia de contrastes.
Sorrisos lindos e tecidos coloridos (Capulanas) contrastam com ruas mal iluminadas e construções depreciadas. “Não se constrói nada em Moçambique desde que os portugueses foram embora” nos contou Orlando, o dono da reprografia da universidade, enquanto nos dava uma carona no seu carro verde, depois de um dia de aula, quando não conseguíamos, de jeito algum, um táxi para nos buscar. O ‘Zouk’, ou ‘Passada’ como é chamado lá, toca em cada esquina, em rodas de adultos, jovens, crianças ou idosos que estão jogando cartas, batendo papo ou bebendo xidibandota (um destilado caseiro feito com ‘o que quer que seja’ e que, segundo os relatos, já causou muitas mortes – provavelmente porque não removem direito o metanol que deveria sair na primeira destilação) contrasta com uma incidência de HIV superior a 15% na população adulta (dados do INE/MZ).
Acredito também que o maior desafio para implementar o ensino a distância em Moçambique também está nos detalhes. É claro que a falta de infra-estrutura é um problema (enquanto estávamos lá, um aeroporto no norte do país estava parado sem pousos ou decolagens há 3 dias, porque, simplesmente, não conseguiam fazer chegar combustível até lá), assim como as diferenças culturais (o tempo em Moçambique parece fluir mais devagar… um jeito baiano de viver a vida). Mas apesar desses desafios serem grandes, eles são óbvios, certamente do conhecimento dos responsáveis pela implementação desse projeto, e a solução para esses problemas é simples. Pode ser cara, porque construir estradas, importar equipamentos de laboratórios, instalar cobertura 3G para internet pode ser muito caro, mas é simples. Uma vez que se decide e se obtém os recursos em pouco tempo tudo pode estar resolvido.
Mas alguns detalhes que inicialmente passam desapercebidos, se revelam problemas bem mais graves e de solução muito mais complexa, do que construir estradas, hospitais e escolas.
A nova Constituição de 2004 diz que “Na República de Moçambique, a língua portuguesa é a língua oficial” e o ministro da educação de lá se orgulha de ter feito pelo língua portuguesa na África, mais que os próprios portugueses. Afinal, na época da colonização apenas 6% da população falava português e agora chegam a 40% (dados do INE/MZ).
Mas será que falam mesmo?
Na primeira missão de treinamento, os professores perceberam que para serem bem compreendidos, tinham que falar mais devagar. A solução para encontrar o ritmo certo era, muitas vezes, deixar que os próprios alunos lessem os trechos de textos que seriam discutidos na aula. Mas mesmo com o jeito baiano de ser, o ritmo as vezes era lento demais. A ficha quando o motorista de um dos táxis que tomamos nos levou ao ‘mercado’ (que são camelôs espalhados por todas as calçadas das ruas do centro da cidade) para procurarmos um adaptador para as estranhíssimas tomadas de 3 pinos originais da África do Sul e utilizadas no nosso hotel. Ele gritava ‘tomadas, tens tomadas?’ mas fora isso, entendíamos pouco, muito pouco do que ele falava. Isso porque, de verdade, ele falava pouco, muito pouco português. Sua primeira língua, como fomos descobrir depois é a primeira língua de muitos maputenses, é o Xichangana.
No dia seguinte, durante a aula, notei que os professores usavam muitos pronomes demonstrativos, como ‘esse’, ‘isso’ ou ‘aquilo’, numa clara demonstração de vocabulário restrito. Perguntei então qual era a primeira língua de cada um deles e apenas 1 em 10 respondeu português. Echuwabo, Chope, Xichangana… entre 10 alunos, tínhamos 8 línguas diferentes! Em Moçambique todo, são mais de 40 idiomas (dados do INE/MZ).
O Brasil é um país de dimensões continentais, mas mesmo quando fui para o Lago do Puruzinho, escondido num recanto do Rio Madeira, na divisa entre os estados de Rondônia e do Amazonas, podia falar exatamente a mesma língua, e exatamente da mesma forma, que em casa, no Rio de Janeiro. A língua é um instrumento fundamental de integração nacional e acredito que apesar de não representar nenhuma das línguas nativas, Moçambique só tem a lucrar como nação com o uso do português nas escolas e na universidade.
E esse é um objetivo que justifica a nossa busca por estratégias para capacitar esses docentes a produzir aulas a distancia que sejam instigantes, claras, objetivas, atraentes e corretas, num idioma que não é o deles.
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PS: Enquanto escrevo esse texto, com um pouco mais de uma semana de atraso, uma revolta popular explode em Maputo, pelas ruas por onde passei há tão pouco tempo, deixando centenas de feridos e um aperto no meu coração. O desafio não para de aumentar.

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