Diário de um Biólogo – Domingo 29/04/07

Quando acordamos a lenha da lareira tinha queimado toda. Enquanto tomava café terminei de dar uma lida na tese do Rodrigo. Está bem escrita, mas tem algumas informações demais e outras de menos. Não cita nenhum trabalho do Viarengo ou do Dondero, fala de um monte de metalotioneínas de outros bichos que interessam menos e pouco das ostras, nosso objeto de estudo. Alem disso se ateve aos efeitos toxicológicos e esqueceu completamente a geoquímica, que é o curso dele. Vai ter que reescrever muita coisa. Eu sou muito crítico com a escrita dos outros, mas sou muito crítico com a minha também.

Fomos caminha pelo Rio Macaé até o Poço do Giannini. O lugar é muito legal, uma piscina natural enorme, mais bonito que o Rio Preto em Mauá. Duas cenas aconteceram: primeiro um casal apaixonado discutiam a relação abraçados, em cima de uma pedra, no meio do rio, onde certamente cabia apenas um deles. Na outra, bizarra, outro casal a margem do rio se assustou com o barulho que fizemos na picada e sairam correndo pelados para se esconderem atrás das árvores. Pareciam dois ETs, daqueles com braços e pernas desproporcionalmente maiores que o tronco, correndo por cima das pedras; brancos e totalmente desengonçados.

Almoçamos porcarias enquanto o Botafogo da Rê concedia o empate ao Flamengo e depois subimos pra ver a festa em Bocaína. No caminho paramos pra tomar um café em São Pedro da Serra, que é certamente mais bonitinha que Lumiar. Como o mundo é do tamanho de um Ovo Kinder, na mesa ao lado encontrei meu chefe (Olaf Malm) com a família. Algumas lojinhas e ateliês depois seguimos estrada e chegamos na festa. Não tinham mais que 3 barraquinhas de cachorro quente e um disco de forró tocando enquanto as pessoas esperavam pelo Bingo (cujo prêmio principal era um liquidificador). Mas o forró era pé-de-serra e paramos a pista dançando juntinho. Quanto tempo que a gente não dançava. Na volta paramos de novo em São Pedro da Serra pra tomar caldo de Truta.

Assistimos “As idades de Lulu” do Bigas Lunas enquanto a lareira esquentava o quarto. A lenha ia queimar de novo antes do dia seguinte chegar.

Diário de um Biólogo – Sábado 28/04/07


Acordei fui com a Rê até Farmanguinhos levar o carro dela ao mecânico, com um pit-stop pra conhecer a sala dela. Vendo um lugar com infra-estrutura adequada ao trabalho, segurança, limpeza e organização, fiquei deprimido com a situação da universidade. Cada vez mais tenho certeza que não são os míseros recursos do CNPq, da CAPES, do MCT e do MEC que vão tirar os pesquisadores brasileiros do sufoco. No mundo inteiro as universidades e institutos de pesquisa estão buscando fontes alternativas de financiamento, porque aqui os dirigentes de instituições de pesquisa são tão resistentes?

Enquanto pegávamos a estrada pra Lumiar, ela foi lendo o texto da revista Piauí onde estva publicado o diário de uma Ghost Writer que inspirou o diário que os alunos do curso de poesia para físicos estão escrevendo (este aqui!). Enquanto eu me perdia na estrada ficamos conversando sobre a questão legal envolvendo a definição de vida que foi levantada no Tribunal Superior Federal na semana anterior. Eu estava apavorado com qual interpretação os ministros poderiam dar a um tema sobre o qual não existe consenso científico. A vida começa com a fecundação, mas ela é significativa antes do aparecimento de um sistema nervoso? E a vida das células (óvulo e espermatozóide) antes da fecundação? É relevante? Falamos sobre os diferentes direitos da personalidade (que diferencia os direitos de um feto no útero dos de uma pessoa depois que sai da barriga da mãe) até resolvermos parar na sub-sede do parque nacional da serra dos Órgãos. Eu já estava completamente fora da estrada pra Friburgo mesmo e o Poço Verde valia a parada.

À noite, enquanto tomávamos uma garrafa de um assemblage Sul Africano na pracinha de Lumiar e comíamos escondidinho de truta defumada, ficamos falando sobre nossos ambientes de trabalho e a delicada relação com as decisões políticas que, muitas vezes, inibem o progresso da ciência ou da justiça. Cheguei a conclusão que com falta de verba, de um chefe que seja chefe e de uma justiça que seja justa não dá pra fazer nenhum bom trabalho.

Diário de um Biólogo – 6a feira 27/04/07

Acordei e fui pro curso de “poesia para físicos” na UFF. É impressionante como por mais que eu acorde com tempo suficiente para fazer tudo acabo saindo atrasado de casa. Quando a Sonia perguntou pra um dos alunos qual o cantor preferido dele, o cara respondeu Renato Russo; e quando ela perguntou o que ele menos gostava, foi a Ivete Sangalo. Tão previsível! Mas pelo visto mais e mais pessoas são fãs de “O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (a outra pergunta que ela fez foi “qual o seu filme preferido?”).
Conforme ela foi explicando a origem do modelo narrativo, chegou a 25 Séc. atrás com Aristóteles (mimese, verossimilhança, etc). Outro dia enquanto discutíamos a importância do modelo narrativo eu coloquei que o “modelo biológico” era ainda mais atigo, tinha milhões de anos! Na verdade era uma brincadeira pra mostrar que a seleção natural é muito mais eficiente em selecionar mecanismos viáveis a longo prazo do que a seleção artificial praticada pelos humanos. Na aula ela me perguntou novamente quanto o modelo biológico seria antigo e eu comecei a divagar sobre as coisas que tinha aprendido na faculdade: basicamente que o homem pode desenvolver seu aparelho vocal (e começar a falar) depois que assumiu a postura bípede, manipulando coisas com as mãos e liberando a boca para outras coisas. Isso pode ter acontecido há 2 milhões de anos atrás. Vou escrever um texto daqui a pouco sobre isso.

Depois de uma reunião complexa na UFF pra preparar a atividade final do curso da UAB o mundo resolveu desabar e tive que adiar a viagem pra Lumiar. Em compensação fui jantar com a Rê no Aprazível. A garrafa de Cabernet Sauvignon do vale do São Francisco foi uma péssima escolha (mas com os preços incalculáveis da carta de vinho, justificável), mas o medalhão com batata aprazível e o peixe grelhado com arroz de côco… A comida estava expetacular (com sotaque carioca).

Meu diário

O Blog vai ter uma semana ativa. No curso de leitura a professora pediu para escrevermos um diário. Então, até a próxima sexta-feira; 04/05, vou escrever um texto por dia com o acontecimento científico/educacional mais relevante da jornada. Não percam nenhum capítulo!

Falei pra vocês que estou aprendendo a ler?

Estou participando de um projeto de qualificação de leitura e estudo do modelo narrativo para escrever, pensar e pesquisar melhor. Parece que aprendemos a nos comunicar contando histórias (narrativas) e depois que entramos pra escola, a pasteurização faz com que a gente perca esse modelo de organizar as idéias. É impressionante como muitas vezes, quando lemos, nossa inteligência nos deixa mais burros. Olhar o que está por trás do texto, quando o texto mesmo já nos diz tanta coisa. E que está lá, não precisa ser deduzida. Essa é uma qualidade importantíssima para um cientista. Eu quero olhar para os meus dados, para a natureza, e ver o que está lá. Nem mais, nem menos. Isso quando eu olhar. Claro que quando estiver pensando a respeito, formulando hipóteses, discutindo cenários, quero ser criatívo, esperto e corajoso. Mas para que minha interpretação seja correta, tenho que ter uma premissa boa. Correta. E isso, é o que o texto me diz. Nem mais nem menos. Como eu ouvi hoje, antes é cedo e depois… depois é tarde! Se ouvir uma história pode ser divertido, contar história também pode virar um brinquedo, um jogo. Que ensina a escrever e que eu quero aprender a jogar.

PS: Essa é minha professora.

O que os brasileiros pensam da ciência?

Ontem foi um dia movimentado para a ciência no Brasil. Foram publicados o Relatório institucional do CNPq, referente à gestão de 2003 a 2006; e uma pesquisa encomendada pelo MCT (ministério da ciência e tecnologia) quanto a percepção da população em relação ao universo da C&T.
Não vou comentar o relatório todo (óbvio). Como vocês sabem (ou deveriam saber) eu sou luto pela causa dos jovens cientistas e pós-graduandos. Então vou comentar os pontos onde CNPq se destacou nessa área: o Primeiros Projetos (PPP), a Iniciação Científica Júnior (ICJr) e o Pós-doutorado Júnior. Depois de mais de 10 anos houve aumento no valor (e número) das bolsas de Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado e Produtividade em Pesquisa.

Outra coisa legal foi o aumento significativo na participação de mulheres na pesquisa: 52% das bolsas de mestrado e 50% das de doutorado foram concedidas a mulheres, que ainda propuseram 41% dos projetos submetidos à agência no período. A agência foi de uma transparência impar e inédita na sua prestação de contas.

Mas o mais interessante foram os dados da pesquisa da percepção da C&T, feita com mais de 2000 pessoas em todo Brasil no final de 2006 (veja na integra aqui ). A última pesquisa do gênero havia sido feita há mais de 20 anos atrás (veja aqui também). Foram entrevistadas 2.004 pessoas, de 16 Estados brasileiros. Do total, 854 pessoas da região Sudeste; 557 da região Nordeste; 293 do Sul; 155 da região Centro-Oeste; e 145 do Norte. Todos os jornais do país publicaram alguma coisa sobre ela e eu vou publicar também.

A pesquisa aponta que a televisão é o meio mais usado para conhecer a ciência: 15% dos entrevistados dizem ver com freqüência programas que tratam do assunto (esse número não é baixo?). Os jornais e as revistas vêm em seguida, com 12% cada. E o quarto meio, com 11%, vejam só, é a conversa entre amigos! A internet fica em quinto, com 9%. Pelo visto o meu blog não contribúi muito :-(.

Apenas 4% já foram alguma vez a um museu de ciência. A principal desculpa, dada por 35% dos participantes, é que não existe nenhum na região onde moram (31%, “não tem tempo para ir” e 22% “não está interessado”). A verdade é que nossos museus de ciência não são capazes de atrair nem quem nem quem nunca foi a um. Se você já tiver ido ao museu da ciência de Londres ou o de história natural de NY… aí fica ainda mais complicado. Ainda assim, apenas 28% visitaram o jardim zoológico, jardim botânico ou parque ambiental; 25%, uma biblioteca pública; 13%, feira de ciências ou olimpíadas de ciências ou de matemática; 12%, museu de arte.

Quando estimulados a responder sobre o nível de interesse que têm sobre ciência, 41% disseram ter “muito interesse”. Quando o assunto é política, esse número cai para 20%.
Parece que esse mesmo número, 41% dos consultados, acha que o país está numa posição intermediária nas pesquisas científicas em relação a outros paises. E que a ciência trás mais benefícios que malefícios à sociedade.

Quando perguntadas sobre os assuntos científicos de maior interesse, 36% responderam informática 35% adoram notícias de novas descobertas da ciência e 30% notícias sobre novas tecnologias. Isso me sugere que as pessoas continuam sem entender o que é ciência, mas adoram o principal fruto dela: tecnologia!

Entre uma lista de nove temas que ia de moda a religião, “medicina e saúde” alcançou a média mais alta sendo considerada muito interessante por 60% dos participantes. Em seguida meio ambiente. Ciência ficou em sexto lugar, na frente de arte, cultura e moda; mas atrás de religião (mas pau a pau com esporte). Política, hehehehe, veio em último lugar. O ministro, que vê a falta de espaço na mídia como um dos fatores para a pouca divulgação científica, deu uma alfinetada nos jornais, dizendo que eles “deveriam manter espaços diários sobre o assunto. Seriam muito mais lidos que as fofocas do Congresso.”

Mas as notícias não são tão boas quanto parecem. Mais da metade dos 2004 entrevistados disseram ter pouco ou com nenhum interesse em ciência e tecnologia. Deles, 37% responderam que a falta de interesse se dá pelo fato de não entenderem o assunto. Mas 24% dizem não ter tempo para isso. O ministro Sergio Rezende disse que “a sociedade brasileira não tem percepção de quanto a ciência é importante”. Continuou: “Espero que a criação da TV pública crie outras oportunidades além da programação das novelas. A TV pública terá importante papel educacional e na divulgação da ciência.” Mas como eu já havia dito aqui, o ministro completou que “o imprescindível é investir em educação científica nas escolas. O ensino de ciências é enfadonho!”


Outra razão deve ser essa: 27% dos entrevistados apontaram os jornalistas como fonte de informação científica mais confiável. Logo em seguida vêm os médicos com 24% e os cientistas que trabalham em universidades vêm só em terceiro lugar, com 17%. Acreditem, os religiosos alcançaram 13%. Os políticos… 1%. Aparentemente, nem na Europa, os jornalistas não detêm uma confiança tão grande da população. Como eu leio as seções científicas dos jornais e sei que eles se “enganam” muito, isso me preocupa.

Ildeu de Castro Moreira, responsável pela pesquisa, concluiu que “o ensino de ciências precisa melhorar bastante e temos de aumentar a qualidade da divulgação científica na mídia e em outros meios, como museus. Claro que ninguém tem obrigação de gostar de ciência, mas tenho certeza de que esses números vão melhorar quando o ensino ficar mais atraente”.

PS: Para quem quiser saber mais sobre o assunto, dia 2 de maio, às 14h, no Auditório do Museu da Vida na Fundação Oswaldo Cruz haverá uma mesa redonda com a presença do organizador da pesquisa apresentando seus resultado.

A grande farsa

Há muitos anos estão nos empurrando goela a baixo a grande farsa do aquecimento global. Ah, vocês acham que estou louco, um biólogo defendendo o aumento do CO2? Não chega a tanto. Sou um árduo defensor do meio ambiente e um defensor ainda mais árduo da ciência. Por isso que esse alarmismo meio hipócrita me irrita. É claro que se 155 cientistas assinaram esse relatório do IPCC da ONU dizendo com 90% de certeza que o aquecimento global é antropogênico, então existe a possibilidade de eu estar errado. Deixo pra vocês decidirem.
Quem já ouviu falar da teoria do Caos? Bom, um tempo atrás (nos anos 60), um meteorologista chamado Lorenz, trabalhando com uma equação não-linear muito, muito simples, descobriu algo muito, muito poderoso: que algumas coisas não-lineares, como a previsão do tempo, são , efetivamente, imprevisíveis! Não importa o quão bom seja o “Weather channel“: a previsão do tempo de depois de depois de amanhã é sujeita à 100% de erro. Isso não ajuda muito na hora de decidir ir para a praia ou para o cinema, não é mesmo?! Agora imaginem se quisermos avaliar efeitos para os próximos 10, 200, 500 anos apenas com com base nas medições de temperatura do últimos 50 anos? É impossível!

Digo o por quê. Acontece que nosso tempo de observação dos fenômenos relacionados com o efeito estufa é muito pequeno e esses fenômenos acontecem em uma escala de tempo geológica e não humana, ou seja, muito, muito grande. Com isso, o que fazemos quando analisamos a composição química da atmosfera, ou a variação da temperatura de ano a ano, é como tirar uma fotografia instantânea desses fenômenos. Só que isso não é suficiente para uma boa modelagem que pretende dizer se o planeta vai acabar! Imagine olhar uma fotografia, de uma cena de um filme, que tem muitas, muitas, muitas horas de duração e com isso dizer o enredo e como termina o filme? Não dá!

Mas ainda estão fazendo pior que isso, estão des-considerando um monte de informações científicas importantes para poder gerar o alarmismo e as manchetes de jornal. Assisti uma palestra na 4ª feira falando que o sol, nossa sacra fonte de energia, com toda sua magnanimidade e seu brilho constante, nem sempre foi assim. Aparentemente a intensidade do seu brilho variou (para menos) durante 40 anos no século XVII e de acordo com os historiadores centenas de milhares de pessoas morreram (de fome) em função dessa mudança. Uma vez vi um jornal anunciar uma manchete em letras garrafais o degelo da calota polar, mostrando duas fotos de um pedaço do ártico, onde podíamos verificar a redução. Mas no final da mesma reportagem, em letras menores, eles chamavam a atenção que em outra enseada, a calota havia aumentado.

Desde o 3º período de biologia marinha a gente aprende sobre o sistema tampão de carbonato dos oceanos, que absorve grande parte do CO2 da atmosfera. Ninguém sabe exatamente quanto, nem exatamente qual a sua capacidade limite. Talvez nem haja limite. As medições precisas de temperatura da atmosfera começaram apenas nos últimos 50 anos. Talvez tenhamos registros mais ou menos precisos dos últimos 100 anos, mas antes disso… pouco provável que haja informação confiável. Podemos avaliar bem a liberação de CO2 pelos combustíveis fósseis, relacionar com a revolução industrial, com as queimadas na Amazônia e até com peidos de vacas.
Mas gente, vivemos em um planeta que passou por várias eras glaciais nos último milhão de anos (parece que vivemos algo entre 10.000 anos de quente para cada 90.000 anos de gelo). Só que ninguém sabe exatamente por que. Fala sério! É claro que podemos influenciar o aquecimento da terra. Assim como as vacas! Mas daí a coneguirmos prever essa influência, quando nossa compreensão de fenomenos naturais muito mais poderosos (em intensidade e duração) do que peidos, como as glaciações, alterações do sol ou dos oceanos; ainda comporta dúvidas da ordem de alguns poucos milhares de anos? Acho que por enquanto é pouquiíssiomo provável. Você sabiam que o Vulcão Pinatubo, que entrou em erupção na Indonésia em 1991, liberou na atmosfera mais CO2 em 3h do que a cidade de Nova Iorque liberaria em 30 anos?
Gente… nós somos pequenos! Presidentes podem contratar assessores (que em geral são pesquisadores ruins que por não saberem pesquisar dão consultoria sobre o que outros pesquisam) e ex-presidentes podem fazer filmes. Mas se os cientistas começarem a fazer alarme, pra que pessoas leigas entendam o potencial risco real do que a gente não pode efetivamente prever, em quem vamos confiar quando o dia de depois de amanhã chegar?

Isso é flexibilidade adaptativa?!?

Uma pergunta complexa merece uma reflexão que nem sempre favorece uma resposta simples. Outras vezes a resposta simples, simplesmente, é menos interessante (ainda que consiga cumprir o papel de responder). A pergunta da Sonia, sempre tentando aprofundar a idéia da flexibilidade adaptativa, mereceu uma reflexão que eu divido com vocês.

Sonia: “(…) o ser humano (…) orgulhoso (…) obrigado por contigências materiais a um exercício de humildade, sem ficar ressentido em demasia, (…) está demonstrando flexibilidade adaptativa?”

Acho que a resposta ainda é não. Mas está quase virando sim!

A flexibilidade age através de mecanismo adaptativos: fisiológicos, bioquímicos, comportamentais, mentais. E para ser considerado um mecanismo, uma forma de operar, temos que poder diferenciar do que é eventual, incidental. Fisiologicamente, podemos diferenciar tolerância de resistência, e a diferença é muito importante. Lembrem-se que tolerância aqui tem uma definição provavelmente diferente das ciências sociais (e portanto, diferentes do sentido que usei para tolerância no texto anterior).

Os mecanismos que conferem a flexibilidade adaptativa são mecanismos de tolerância às variações no ambiente. Quanto mais numerosos os mecanismos e mais amplos os intervalos de tolerância, maior a flexibilidade. Um peixe que pode tolerar variações de temperatura entre 10 e 30 oC tem uma tolerância maior que aquele que tolera temperaturas entre 15 e 25 oC. Sua flexibilidade é maior e ele pode colonizar novos ambientes (de águas mais frias ou mais quentes) ou simplesmente sobreviver quando um fenomeno com El niño alterar a temperatura da água para um desses valores extremos.

Muito bem, até agora só dei mais um exemplo de flexibilidade (ainda que dessa vez com uma definição correta de tolerânci). Mas o conceito novo que quero introduzir é o de resistência. Quando acaba nossa tolerância à alguma variável, é inevitavelmente perecermos se a razão do nosso estresse não cessar. É perecer ou perecer, dependendo apenas de quando! O tempo que leva entre a quebra do mecanismo de tolerância e a morte é tido como tempo de resistência. Não sei se podemos definir um “mecanismo” de resistência, já que ele não pode a priori ser descrito ou previsto. Quando algo essêncial se quebra (o mecanismo de tolerância), algo incidental (o “mecanismo” de resistência) passa a operar. A resistência não contribui para a adaptação ao ambiente. Tanto o peixe que tolera 25 oC quanto o que tolera 30 oC podem sobreviver à 40 oC. A questão é como e por quanto tempo. Mas além disso, essa resistência não faz com que os próximos peixes consigam tolerar os 40 oC. Não há adaptação.

Por isso a resposta a pergunta da Sonia depende se o nosso humano orgulhoso tolerou ou resistiu (no sentido fisiológico) as contingências materiais que lhe obrigaram a um exercício de humildade. Acredito que isso esteja relacionado com a essencialidade ou a incidentalidade do seu orgulho. Assim como aos personagens que ele possui e os papéis que eles precisam desempenhar.

O que é Flexibilidade Adaptativa?

Durante toda a minha vida de estudante de biologia fiquei procurando uma tradução para um termo que, até então, aprendiamos apenas em Inglês: Fitness. Hoje o termo tem a ver com malhação, mas naquela época estava relacionado com a capacidade de um organismo se adaptar ao seu ambiente.

Estava andando pela orla de Aracajú, discutindo com minha querida amiga bióloga Cristine sobre coisas da vida, acompanhado da ilustre Sonia Rodrigues, quando querendo dar uma de erudito falei: Cris isso é flexibilidade adaptativa! Sonia, enquanto literata, e autora da frase que mais tenho usado ultimamente (“A palavra não é casa da mãe Joana”) perguntou imediatamente: O que é flexibilidade adaptativa?

Enquanto Biólogos, recorremos a pool gênico, adaptação ao ambiente, seleção natural pra explicar que é a capacidade de um organismo de se adaptar ao ambiente onde ele vive. Se adaptar, principalmente, as mudanças bruscas nesse ambiente. Essa capacidade de adaptação envolve o estoque de genes que um organismo tem para poder “ativar” ou “desativar” em caso de necessidade (o pool gênico). Esse estoque de genes é, geralmente maior em organismos que tem reprodução sexuada. E quem tem o maior estoque, tem maiores probabilidades de ser “escolhido” pela seleção natural. E pensar que passei vários anos procurando a tradução de fitness com ela bem na minha cabeça.

Mas a Sonia não é “física”, é “poeta” e nada disso, ainda que estivesse super correto, alcançava a sua alma poética. Ela tentou mais uma vez, agora a seu jeito. Queria aprender essa coisa “nova”. E todo mundo que dedica tempo para aprender uma coisa nova, e que eu sei ensinar, ganha toda a minha atenção. Foi quando a sonia recitou um poema (Se – If – de Rudyard Kipling, do qual eu reproduzo uma parte para vocês) e pediu para dizermos se ele representava ou não a flexibilidade:

“Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.”

E perguntou, então é isso flexibilidade adaptativa?

Ainda não, mas foi uma ótima colocação. A meu ver esse poema explica o que é tolerância. Que também é um conceito importante adaptativamente, mas que não é o mesmo que flexibilidade.

A diferença entre os dois é que a tolerancia pode ser aprendida, mas flexibilidade não. Depende do conjunto dos seus genes. Ou você tem, ou não tem!

Ser tolerante é passar um dia sem comer pão, ser flexível é aprender a comer biscoito. Ser muito tolerante, é poder passar vários dias sem comer o pão que você tanto gosta. Ser muito flexível é passar a gostar mais de biscoito do que você gostava antes de pão. E no dia que acabar o biscoito… ai você pode dar um pitti, porque… vai ser flexível assim na puta que o pariu!

PS: Tanto o original do poema If em inglês quanto a tradução Se em português são fáceis de achar com o Google.

PS2: Não entendeu as fotos? Se você estiver na água, nade; se estiver na terra, corra; se tiver uma bicicleta, pedale porque você vai chegar mais depressa e se cansar menos. Isso é flexibilidade adaptativa!

Eureka!

Com autorização do site www.autoria.com.br estou disponibilizando pra vocês a resenha que eu escrevi sobre esse livro que é muito legal. Eureka! (Rupert Lee, Nova Fronteira, 270pp)

“Se olharmos a nossa volta, tudo que vemos foi a ciência que nos deu. Do refrigerante ao refrigerador, da televisão ao avião. Mas o mais impressionante é que muitas dessas maravilhas da tecnologia foram descobertas apenas no intervalo de cem anos do século que passou. E quais dessas descobertas foram as mais importantes? Esse é o fio condutor de “Eureka! As 100 grandes descobertas do século XX”. O livro começa com uma discussão interessante sobre o que é descoberta (ciência) e o que é invenção (tecnologia) para poder partir à difícil tarefa de eleger as 100 descobertas mais significativas do século XX. Da descoberta casual da Pinicilina por Alexander Flaming (1929) à ovelha Dolly de Ian Wilmut (1997). Da relatividade geral de Einstein (1915) aos supercondutores de altas temperaturas de Muller e Bednorz (1986). Todas as grandes descobertas estão lá. Claro que como são muitas, não dá pra ser extenso, mas o autor, Rupert Lee, um zoólogo com doutorado em Oxford, encontrou uma formula muito interessante: TODOS os textos têm exatamente duas páginas. Alem disso, TODOS são baseados em um artigo científico publicado em revista especializada que pode ser encontrada na biblioteca britânica British library, onde Rupert trabalha como pesquisador. Independente do método, o autor demonstra amplo conhecimento de todas as histórias (personagens, fatos e causos) que conta. “Eureka!” é um livro gostoso de ler para quem quer ser cientista, para quem já é, ou para quem simplesmente se deleita com todas as coisas que podemos descobrir na natureza. Então não deixe de ler e de torcer para que o autor decida escrever sobre as 100 maiores invenções do século XX.”

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