Careca de saber

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Me irrita! Como ciência ruim me irrita!! Como jornalistas que divulgam ciência ruim me irritam!!!
A Revista Época, que eu não assino mas vez ou outra leio em alguma sala de espera, publicou em 07/04/2011 a reportagem ‘O preço da Cabeleira’ sobre os efeitos adversos da Finasterida. Bom, deixa eu me corrigir. Não foi sobre os efeitos da Finasterida, a unica droga que, desde os tempos dos elixires contra calvice vendidos pelos ciganos na idade média, cumpre a promessa de fazer nascer cabelo de novo; mas sim sobre um artigo ‘bombástico’ publicado recentemente por um médico da universidade George Washington: Persistent Sexual Side Effects of Finasteride for Male Pattern Hair Loss de Michael S. Irwig e Swapna Kolukula (algo como ‘Efeitos colaterais permanentes na performance sexual decorrentes do uso de Finasterida para combater queda de cabelo masculina’). Uma reportagem sobre os efeitos da Finasterida mostraria lados bons e ruins, investigarias diversas fontes, faria uma avaliação crítica das evidências, concluiria com base nelas. Mas não, a suposta reportagem é mais uma cópia de press release feita por algum repórter que certamente não tem um mínimo de formação científica (aliás, como o médico autor do artigo, pra gente ver que MD não é PhD*).
Depois não sabem por que os cientistas implicam com jornalistas. É justamente por causa desse tipo de reportagem. Como dá trabalho investigar o assunto de verdade, eles fazem qualquer coisa.
Aliás, é justamente esse o problema do artigo, a razão pela qual ele nunca deveria ter sido publicado, e mesmo nunca ter sido nem concebido, e, finalmente, razão pela qual estou tão indignado escrevendo esse post: algumas pesquisas dão muito trabalho e por isso raramente são feitas. A questão é que isso não serve de justificativa para tentar se abordar o problema de uma forma simplista, que não só não ajuda a resolver a pendenga, como gera informação imprecisa, inacurada, incorreta, sensacionalista e confusa!
A Finasterida foi descoberta acidentalmente, diga-se de passagem, como o Sildenafil, principio ativo do Viagra. Ela are utilizada para tratar pacientes de câncer de próstata, que começaram a reparar no crescimento do cabelo (assim como os pacientes que utilizavam o Sildenafil pra regular a produção de óxido nítrico no coração reportavam a facilidade de ereção).
O mecanismo de ação não é tão elegante quanto o do Sildenafil, mas basicamente a Finasterida bloqueia a ação de uma variante da enzima 5AR que bloqueia a transformação da testosterona em diidrotestosterona. E dai? E dai que a diidrotestosterona é inimiga mortal dos folículos capilares. Destrói eles, levando a queda do fio e a calvice. Existem vários tipos de calvice, mas a causada pelo excesso desse hormônio é um tipo importante: aquele que pode ser revertido!
O problema é que a testosterona é um hormônio importante em toda a fisiologia masculina. Na feminina também, mas principalmente na masculina. Na verdade, é o hormônio que DETERMINA a masculinidade: força, libido, agressividade… tudo está ligado a testosterona. Imagina o que pode acontecer se interferirmos nesse balanço?
Mas para a ciência, o que pode ser imaginado sem poder ser testado não tem muita importância. Antes de lançar o medicamento no mercado, os laboratórios farmacêuticos tiveram de conduzir muitos estudos com pacientes. Esses estudos, reportados na bula de qualquer caixa de Finasterida, mostram que um percentual menor que 2% dos pacientes que tomaram Finasterida manifestaram disfunção na performance sexual (como perda de libido e dificuldade de manter a ereção). O número foi semelhante no grupo controle e no grupo que tomou o placebo. Ou seja, o problema não é da Finasterida!
Abre parênteses: vamos deixar bem claro que eu não sou financiado por nenhum laboratório farmacêutico, e nem defensor desses, cujo financiamento de pesquisas tendenciosas cria um dos maiores problemas de credibilidade nas publicações científicas da atualidade. Fecha parênteses.

Bom, mas por alguma razão, doutor Irwing, ficando careca ele mesmo como vocês podem ver nessa foto, preocupado com essa perda de performance, resolveu investigar o problema. Por preguiça, falta de financiamento, arrogância ou incompetência mesmo, achou que não precisava ter certeza se os sujeitos do seu estudo tomavam a Finasterida mesmo e resolveu só perguntar para eles ‘quanto’ e por ‘quanto tempo’ eles tomavam a droga. Também não achou que era importante dosar os níveis de diidrotestosterona no sangue desses indivíduos, usando o que chamamos de ‘dose nominal’ (aquela proporcional a quantidade ingerida), o que é impensável em um estudo desses, porque sabemos que as enzimas de uma pessoa pode ter atividade maior ou menor que a de outra, afetando o metabolismo da droga que causa o efeito e a enzima que é o alvo da droga. Finalmente, já que não dava pra medir a falta de libido e dificuldade de ereção nos seus sujeitos na ‘hora H’, já que não dava nem mesmo pra ir atrás desses sujeitos todos, ele resolveu que podia apenas fazer entrevistas por telefone; e assim, tentando padronizar e quantificar seus resultados, ligou para as pessoas para aplicar a patética Arizona Sexual Experience Scale (ASEX)
A escala mede, em teoria, a importância do sexo para uma pessoa, com respostas que podem variar de ‘extremamente forte’ a ‘ausente’, e pontos para cada uma das alternativas: 1 – extremamente forte; 2 – muito forte; 3 – forte; 4 – fraco; 5 – Muito fraco e 6 – Ausente. As 5 perguntas da escala são:

  • 1 – Quão forte é o seu desejo sexual? (How strong is your sex drive?)
  • 2 – Você se excita sexualmente facilmente? (How easily are you sexually aroused?)
  • 3a – Você consegue ter e manter uma ereção facilmente? (Can you easily get and keep an erection?)
  • 3b – A sua vagina fica umida facilmente? (How easily does your vagina become moist?)
  • 4 – Quão facilmente você alcança o orgasmo? (How easily can you reach orgasme?)
  • 5 – Os seus orgasmos são satisfatórios? (Are your orgasmes satisfying?)

Gente… vocês conseguem imaginar algo mais absurdo que essa escala? Imagino a cena. O telefone toca e o senhor atende. O rapaz ao telefone explica, com sotaque indiano, que trabalha para a universidade George Washington e está fazendo uma pesquisa sobre os efeitos da Finasterida. Diz que o nome dele foi sugerido pelo banco de dados da universidade. Pergunta se ele tomou Finasterida nos últimos 5 anos e também quanto de Finasterida. Depois pergunta se ele tem problemas para manter uma ereção e o quão satisfatórios são os orgasmos dele. E pede a resposta em uma escala de 1-6. Ahhh… fala sério! Isso não é ciência, isso é pegadinha do Pânico!
A verdade é que esse artigo é patético. Um monte de pressuposições que levam a mais pressuposições que levam a conclusões sem nenhuma confiança. O desenho experimental é uma piada: não há controle de placebo, não há nenhuma medida objetiva, não há relato do número de casos de pacientes que NÃO tiveram problemas depois de tomar a Finasterida. Ele não leva em consideração que os pacientes mentem, se esquecem, não entendem a pergunta. A escala, por mais letras e números que tenham, é tão subjetiva quanto um dado obtido pela leitura de cartas do Tarot.
O repórter, que não assina a reportagem, termina dizendo “Mesmo que o problema tenha ocorrido em poucos pacientes, informação nunca é demais.” Errado de novo! Vivemos em um mundo saturado de informação. Informação incorreta é demais sim!
Irwig, M., & Kolukula, S. (2011). Persistent Sexual Side Effects of Finasteride for Male Pattern Hair Loss The Journal of Sexual Medicine DOI: 10.1111/j.1743-6109.2011.02255.x
* MD é a sigla em inglês para Medical Doctor que significa o indivíduo ser ‘doutor’ por ter terminado a faculdade de medicina. PhD é a sigla para Philosophy Doctor e significa que o indivíduo fez um doutorado, que é um treinamento avançado em ciência, indispensável para quem aspira uma carreira científica.

A primeira impressão é a que fica

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O que os mamíferos e as plantas com flores e frutos (Angiospermas) tem em comum? Não vale dizer que você tem são aquelas mangas da Mangueira que você tem no quintal.

 A pergunta é ampla e por isso possivelmente difícil de responder mas está no centro de uma polêmica que envolve você diretamente, seu passado, presente e futuro: o ‘Imprinting parental’. Imprinting‘ é o nome dado a capacidade que alguns genes (o genótipo) tem de forçar a expressão da sua característica (o fenótipo) no filho de acordo com a origem desse gene: paterna ou materna. Se o gene que se manifesta veio do pai, então a característica será uma. Se veio da mãe, a característica será outra. Você pode achar que isso é a mesma coisa que a relação de ‘dominância’ que você aprendeu na escola, quando o alelo ‘A’ que determina olho escuro era dominante sobre o alelo ‘a’ que determinava olho claro. Mas não  é, porque a dominância do ‘A’ se mantém independente dele ter vindo da mãe ou do pai. No ‘imprint‘ quem determina se a característica será manifestada não é a informação do gene em si, mas as ‘marcas’, um verdadeiro programa ou software, que não está gravado no seu código genético.

Abre parênteses: Se você não lembra mais o que são ‘alelos’, ‘genótipo’ e ‘fenótipo’ não tem problema: Você sabe que nós somos diplóides, ou seja, possuímos dois conjuntos de genes, um de origem materna e outro de origem paterna. Então cada gene do nosso corpo, que, você sabe, é responsável pela produção de uma proteína (bom, não é exatamente assim, mas serve para a nossa discussão hoje) possui duas cópias, uma vinda do pai e outra da mãe. Cada cópia de um gene para uma mesma proteína é chamada de ‘alelo’. Então, como cada gene determina uma proteína, a sequência de nucleotídeos desse gene (aquelas letrinhas A, C, T e G) é que é o ‘genótipo’ e o produto final da manifestação desse genótipo, que nesse caso é a proteína que ele produz, é o ‘fenótipo’. Em geral usamos o termo ‘fenótipo’ para uma característica visível, como ‘olhos castanhos’, ou ‘cabelo ruivo’, mas como cada uma dessas características é dada por proteínas, então podemos dizer, especialmente aqui, que a proteína é o fenótipo. Fecha parênteses.

 Os genes que você importou do seu pai e mãe funcionam em conjunto, na grande maioria dos casos, sendo expressos ao mesmo tempo, produzindo as proteínas que, também agindo em conjunto, ajudam a te fazer quem e como você é. 

Abre parênteses: Na ‘expressão monoalélica‘, o fenótipo também é determinado pela expressão de apenas um dos alelos, o do pai ou da mãe. A diferença é nesses casos essa definição é aleatória, ao acaso, e no ‘imprinting‘ ela acontece em resposta a uma programação. Fecha parênteses.

Em geral essa mistura é boa, porque com característica combinadas da sua mãe e do seu pai, você tem melhores chances de enfrentar os problemas de adaptação ao ambiente do que eles tiveram. (e esse é o grande argumento da reprodução sexuada). Mas alguns genes não são assim. Eles não gostam dessa ‘mistura’. Na verdade detestam ela e são capazes de brigar, e muito, para que sejam expressos sozinhos, sem nenhuma manifestação ou interferência da copia do mesmo gene do outro genitor.

Mas por que isso? Se a reprodução sexuada é importante justamente para termos as características do pai e da mãe; e é tão importante a ponto de só podermos reproduzir se conseguirmos um conjunto de genes do sexo oposto, por que os genes então os genes combateriam para eliminar esses mesmo genes que, tantas (nossa, tantas e tantas) vezes, passam por grandes desafios para conseguir?

A resposta a essa pergunta é longa, então eu vou dar apenas parte dela. É que apesar de homens e mulheres colaborarem para terem um filho, em cada evento em que isso acontece, não significa que essa colaboração atenda aos interesses maiores de um e de outro. As estratégias reprodutivas de homens e mulheres (machos e fêmeas) são muito diferentes e não são conciliatórias. Colaboração em meio a competição. Isso é o que melhor descreve o relacionamento entre os dois sexos do ponto de vista biológico. Já sei, você acredita em almas gêmeas, unha e carne, feitos um para o outro… Bom, acho que se você for discutir com seus amigos na mesa de bar vai encontrar muito mais exemplos de um grande amor que te passou a perna (quando você então deixou de considerá-lo um grande amor) do que de um grande amor que se confirmou como tal. Não só na sua experiência, mas como na dos seus amigos e amigas também. O fato é que machos e fêmeas precisam colaborar para produzir a prole, mas ambos estão com as antenas ligadas para se aproveitarem um do outro na primeira oportunidade.

E o Imprint parental é uma dessas estratégias. Uma ‘rasteira epigenética‘ que machos e fêmeas tentam passar um no outro logo depois da fecundação. Os ‘genes de imprint‘; trazem ‘marcas’ do seu genitor, seja ele o pai ou a mãe. Como as cicatrizes que o Lamarck achava que poderíamos passar de uma geração para outra. Essas ‘marcas’ são grupamentos metil que são adicionados no DNA durante a meiose para a formação do gameta. A ‘metilação‘ do DNA é um código, um programa, que vai influenciar na expressão desses genes ao longo do desenvolvimento do embrião. Ops, mas peraê, quer dizer então que podemos transferir informação ‘adquirida’ para as próximas gerações sem que elas estejam gravadas no código genético? Exatamente! São os mecanismos epigenéticos, mas isso é uma outra história, para ser contada um outro dia.

O ‘imprint‘ começa a ser programado no corpo do genitor, durante a espermato e ovogênes. Os ‘genes de imprint‘ são metilados diferencialmente, um programa que é capaz de resistir até mesmo a ‘limpeza do zigoto’ que é o grande evento de desmetilação que acontece assim que o óvulo é fecundado, para apagar todas essas ‘marcas’ hereditárias. Logo depois da grande limpeza, lá estão de volta os genes de imprint todos metilados novamente. São essas marcas epigenéticas, esses nucleotídeos metiladosque levarão a expressão diferencial dos genes.

Ops, peraê, divergi. 

Relendo o texto vejo que não respondi a pergunta que formulei 3 parágrafos atrás: porque sufocar os genes que nos esforçamos para conseguir misturar? E pior, que servem tanto para machos e fêmeas de mamíferos quanto de angiospermas?

O conflito entre machos e fêmeas vem do fato da fêmea carregar o filhote no ventre e ter certeza que todos os seus filhos, são seus filhos. Isso faz com que a infidelidade da fêmea seja pior para o macho do que a infidelidade do macho é para a fêmea. Ou você acha possível que uma fêmea crie a prole da infidelidade do macho achando que os filhotes são dela? Não tem como. Já o macho… pode muito bem estar criando um filhote que saiu da barriga da fêmea dele, mas que não é dele. Só para vocês terem uma idéia, em humanos essa taxa está em torno de 10-15%. Que é baixa, porque nós temos muitos mecanismos para iludir os outros, mas muitos mecanismos para evitarmos de ser iludidos também.

Em outros animais, esse percentual é muito maior. O imprint parental não pode ajudar a garantir a fidelidade, mas pode ajudar que ela seja menos profícua.

No embrião humano, as camadas externas são responsáveis pela formação da placenta. As plantas com frutos tem a estrutura chamada ‘endosperma’, que em geral é a parte suculenta do fruto, aquela que a gente come. Apesar das diferenças, o endosperma e a placenta tem a mesma função: transferir nutrientes da mãe para o embrião, seja ele um bebê ou um grão de milho. Uma placenta desenvolvida dá origem a um bebê maior e mais forte, que tem mais chances de sobreviver, mas enfraquece tanto a mãe quanto os outros filhotes que ela possa estar carregando na mesma gestação. Ainda que em humanos isso seja mais difícil, não é difícil de perceber a idéia por trás. Em muitos mamíferos, como os cãezinhos de estimação, a fêmea é capaz de carregar filhotes de diferentes machos em uma mesma gestação. Se um filhote carrega um gene do pai que estimula a formação de uma placenta grande, então aquele filhote receberá mais nutrientes que os outros, e nascerá com  mais chances de sobreviver. Para o filhote e para o pai dele é ótimo, mas para a mãe e os outros filhotes dela (meio-irmãos do ‘placentudo‘), é muito ruim.

Como a mãe tem sempre certeza que os filhotes são dela, ela quer mais é variar o macho, para ter uma prole diversificada, e com mais chances de ter seus genes se fixando na população. Para isso, ela quer garantir que os recursos energéticos que pode investir na reprodução, sejam divididos igualmente entre os filhotes, sem que ela aumente o risco de morte durante o nascimento ou seja prejudicada nas próximas gestações.

Para o macho, essa diversificação da fêmea não é interessante, porque criar futuros competidores para os seus genes. Então ele, além de cuidar para que ninguém mais fecunde a sua fêmea, coloca nos seus espermatozóides genes que vão explorar os recursos energéticos da fêmea e minimizar as chances de sucesso de outros filhotes dela que não sejam seus.

A mesma coisa acontece nas plantas com frutos. Os genes da planta macho querem um endosperma grande e suculento, para que os seus genes, presentes na semente, possam germinar com tranqüilidade. Já a planta fêmea, quer distribuir seus recursos em endospermas equivalentes para todos os frutos, garantindo a germinação de todas as sementes que ela produzir.

Sinistro, não é mesmo?!

Um ‘cabo de guerra’ até que a morte os separe.

Reik W, & Walter J (2001). Genomic imprinting: parental influence on the genome. Nature reviews. Genetics, 2 (1), 21-32 PMID: 11253064
Moore, T. (1991). Genomic imprinting in mammalian development: a parental tug-of-war Trends in Genetics, 7 (2), 45-49 DOI: 10.1016/0168-9525(91)90230-N

"Fazem tudo o que podem"

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Lendo esse excelente texto da Ana Arantes sobre Realengo, lembrei do que escrevi aqui sobre a natureza humana e aqui sobre a dificuldade das pessoas em aceitarem conclusões que lhes são desagradáveis. Que em muitos casos, é aquela muito bem bem sintetizada por Boris Yellnikoff, o personagem de ‘Tudo pode dar certo‘ de Woody Allen (‘Whatever works‘ 2009):
“Os ensinamentos básicos de Jesus são bem bonitos… assim como era a intenção original de Karl Marx. O que poderia dar errado? Todos vivendo em igualdade. Fazer pelos outros. Democracia. O povo governando. […] São ótimas idéias, todas elas… mas todas sofrem de uma específica falha fatal. Todas elas são baseadas na idéia falaciosa de que as pessoas são, essencialmente, decentes: ‘Dê a elas a chance de fazer o certo e elas farão’. Elas não são estúpidas, egoístas, gananciosas, covardes e pequenas. Fazem o que podem.[…] Só estou dizendo que as pessoas fazem a vida ser pior do que É. E, acredite, já é um pesadelo sem a ajuda delas. Mas, no geral, lamento dizer, somos uma espécie fracassada.”

EnKhantador

engajamento_jovens_universidade.png(Figura: Percentual de jovens entre 18 e 24 anos na universidade em diferentes países. Note que o Brasil está muito lá embaixo. Fonte: Higher Education in Latin America and the Caribbean – UNESCO)
Adoro os dias em que eu aprendo coisas!
Hoje, quando acordei na casa dos meus pais em São Pedro da Aldeia, vi no Facebook que a Sonia Rodrigues tinha postado um texto excelente sobre o massacre de Realengo no blog Inclusão Digital. Aproveitei para ver mais coisas do blog dela. Tem tempo que eu percebo que preciso criar um RSS Feed para ver as atualizações dos (poucos) blogs que eu gosto_de/consigo_tempo_para ler. Aproveitei fui no Mail (o programa de e-mail do Mac) e aprendi a criar uma caixa de RSS/FEED. Agora acompanho todos em ‘tempo real’.
O primeiro texto da Sonia se chamava O Cliente e trazia uma discussão sobre o preconceito sobre o uso do termo em educação. O texto é muito bom e muito pertinente. Vale a pena ler. Me lembrou um texto que escrevi no material didático para um curso de formação de professores para EAD, que eu resolvi publicar hoje, aqui.
Mas, como acontece frequentemente, o texto me levou a outros lugares. A razão de ter escrito ‘Aluno, Alumni, Alumnus‘ é a incompreensível discussão, que existe porque eu já presenciei por mais de uma vez, com/entre pessoas que acham “quando o aluno é chamado de cliente a educação vira um negócio”. Ah, virar negócio não pode, mas não educar enquanto se debate o significado de ‘aluno’, pode.
Primeiro, como vocês podem ver no texto, ‘cliente’ não tem conotação comercial. Segundo, e dai se tiver, desde que o aluno aprenda? O texto da Sonia discute bem essa questão.
Até o ano 2000, o Brasil tinha 11% dos seus jovens entre 18 e 24 anos na universidade. Os dados são da UNESCO e do Banco Mundial. Quando o MEC lançou o prouni, a idéia era ter, até 2011, 30% dos jovens. Conseguimos, em 2010, chegar a 13,4%. A Bolívia tem 24%. Não vou nem dizer quantos tem o Chile e a Argentina, pra vocês não precisarem andar de cabeça baixa da próxima vez que forem passar um feriadão em Buenos Aires ou Santiago.
Abre parenteses: Foi incrivelmente difícil conseguir os dados para fazer a figura acima. Eles existem, mas são conflitantes, incompletos, ou estão escondidos em relatórios ou gráficos sem explicações de eixos e unidades. Como disse Hans Rosling na sua excelente palestra do TED The best stats you’ve ever seen, “É imperativo que os dados estatísticos existentes para populações e países estejam facilmente acessíveis para pesquisadores e cidadãos”. Cheguei a encontrar uma reportagem do Estadão que dizia que o Brasil “Dobrou […] a taxa passou de 6,9% para 13,9% entre 1998 e 2008 […] segundo a UNESCO” mas a estatística da UNESCO diz que em 1998 o percentual de jovens era de 11%. Fecha parênteses.
Ao invés de discussões retóricas sobre Alunos x Clientes, nossos educadores, e cada um de nós, precisamos pensar maneiras de colocar 80% da população jovem na universidade! Sim, você precisa ir para a universidade, porque lá não se aprende só uma profissão, talvez nem se aprenda uma e talvez nem seja o lugar pra se aprender, mas lá você aprende a reconhecer a aprimorar as suas habilidades, que é o que você precisa para ter um, qualquer um, emprego! É isso que o projeto ‘Sei mais física’ da Sonia faz: ajuda a selecionar os jovens com talento para Física para que possam preencher a deficiência de 29.000 professores de física que o Brasil possui.
E é isso que faz a Khan Academy, que eu não conhecia. Aproveitei e assisti o video do criador, Salman Khan, no TED e fiquei chocado com a inventividade, inovação e alcance do projeto. Para mim, o ‘Sei mais física’ e a ‘Khan Academy’ são as primeiras inovações na sala de aula desde a invenção do quadro negro por James Pillans, no início do século XIX.

Aluno, Alumni, Alumnus

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Algumas pessoas sugerem que a palavra ‘aluno’ significa ‘sem luz’, pois derivaria do latim ‘alumni‘ em que ‘a‘ quer dizer ‘sem’ e ‘lumni‘luz’. Na verdade, a palavra se origina do latim ‘alumnus‘, que significa ‘criança de peito’ e é o particípio passivo perfeito do verbo ‘alere‘, que significa ‘alimentar‘. Uma visão romântica da etimologia da palavra concebe o aluno, portanto, como aquele que é ‘alimentado com conhecimento‘.
Como vocês podem imaginar, a diferença não é banal e gerou muitos problemas. Um deles foi a adoção da palavra ‘estudante‘ no lugar de ‘aluno‘, para retirar o caráter pejorativo de ‘não iluminado‘. No entanto, ‘estudante‘ e ‘aluno‘ não são exatamente sinônimos na língua portuguesa. De acordo com o dicionário Michaelis, estudante é ‘aquele que estuda‘. Assim, eu posso ser um estudante de Paulo Freire sem ter sido seu aluno; ou posso ter sido aluno de Freud sem ser seu estudante.
Um termo também utilizado para substituir aluno é a palavra ‘aprendiz‘, que deriva do particípio passado arcaico ‘apprendititum‘. O verbo ‘apprehendere‘ significa segurar, prender. Aprender significa tomar conhecimento de, reter na memória.
Mais outro termo utilizado recentemente é ‘cliente‘, apesar do preconceito com que ele é visto nos meios acadêmicos, devido à associação com as relações comerciais. Mas o seu significado é nobre. Cliente é aquele que tem confiança em quem lhe presta um serviço. Assim, o termo é mais comumente aplicado em relações profissionais com advogados, médicos e outros serviços. Mas por que não seria também na educação?
(Publicado originalmente no material didático para o curso de capacitação de professores em EAD da UAB)

A invenção da morte

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Quando a Nina Simone diz “Ev’rytime we say goodbye, I die a little” (na verdade as palavras são de Cole Porter, mas ficam muito melhores na voz da Nina, não é?!) é uma metáfora, mas não está longe da realidade. A morte é tão complicada quanto a vida. Ela é certa, mas é difícil de determinar e de prever. Mais ainda de explicar.

A morte é uma variável discreta (morreu/não morreu) e não contínua (vivo/pouco morto/muito morto/ morto). E a morte é definitiva. Então o que é que está dizendo a Nina?
É que a morte pode acontecer em escalas diferentes. Assim como temos diferentes níveis de organização biológica (célula, tecido, órgão, organismo) para o qual podemos atribuir vida, também podemos dizer que houve morte. De certa forma, até mesmo a extinção é a morte de uma espécie.
A morte é sempre a mesma, mas não terá o mesmo significado, ou as mesmas conseqüências, dependendo do nível em que acontece.
A morte celular, que os cientistas chamam de apoptose, é um dos principais mecanismos da vida. Sem ela não poderíamos moldar as partes do nosso corpo durante o desenvolvimento. Da mesma forma que um escultor tira um pouco de argila daqui e coloca ali, os genes controlam ‘mãos invisíveis’, que tiram as células de um lugar para que possam aparecer outras células em outro. Uma das ‘mãos’, a que tira a argila, são as proteínas que se chamam ‘caspazes’. Elas funcionam em reações em cadeia, que chamamos de cascatas, apesar de se parecerem muito mais com aquelas cascatas de Champagne (onde os copos estão um em cima do outro fazendo uma torre e ao transbordar o copo de cima, você enche os que estão embaixo) do que com uma cachoeira. Quando chega um sinal dizendo que aquela célula precisa sair dali, as caspazes recebem esse sinal e disparam a cascata de reações que culmina na fragmentação de proteínas, material genético e, eventualmente, da morte da célula. Quando então a célula morre e a membrana também se fragmenta, são liberados sinais que servem para outras células fazerem o mesmo.
Abre parênteses. A “mão que constrói”, seriam proteínas que controlam o ciclo celular, a divisão de uma célula em duas (que viram quatro, e depois oito…), mas isso é uma outra história. Fecha parênteses.
A morte celular também é a nossa principal defesa contra os tumores. Se uma célula sofre uma mutação, um dano no seu DNA, e esse dano não pode ser consertado, então as caspazes entram novamente em ação, e levam a célula maligna para a forca.
Então, em nível celular, a morte é boa? Poderíamos dizer que sim. No mínimo irrelevante, porque não há perda de material genético. Todas as células do nosso corpo tem o mesmo DNA (ou quase). Se uma morre, ainda que o seu DNA não permaneça, as células vizinhas tem o mesmo material genético. E pra vida, é isso o que importa.
E aqui você, leitor, pode ficar zangado comigo, porque o que eu vou dizer é meio ‘remédio amargo’: duro de engolir. Mas para a natureza, quem você é e todas as coisas legais que você fez na vida, mesmo se você tiver sido Shakespeare ou Mozart, não importam. Porque tudo que você já fez, já passou, e o que importa, é o que está por vir. E para lidar com o que está por vir, você precisa de genes, de genes novos. O que importa são os genes que você deixa para a sua próxima geração. Para arrumar genes novos, você precisa arrumar um(a) parceiro(a) pra trocar genes, o que os cientistas chamam de reprodução sexuada, mas você pode conhecer por vários outros nomes, nem tão científicos assim. Sem um parceiro(a), a gente não consegue reproduzir. Até porque, não valeria a pena, mas essa também é uma outra história. O que importa dessa discussão aqui é que sob está ótica, a célula em si, mesmo organismo organismo como um todo, não é importante: o importante são os genes dentro dele.
Bom, e parece que é isso mesmo. Desde de que Dawkins publicou “O gene egoísta” em 1976 essa é a teoria dominante. Nossos organismos são apenas máquinas para propagar nossos genes.
Então a morte, aquela que importaria, é a morte do organismo, porque ai seus genes se perderiam, pelo menos se ele não conseguisse reproduzir primeiro. Se morrem apenas algumas células, tudo bem, porque as outras continuam tendo os seus genes. Você não morre ‘um pouco’, mas só algumas partes de você morrem. E isso faz de você quem você é.
Mas nesse ponto surge uma pergunta inevitável, ainda que estejamos sempre tão preocupados com a morte que nunca paremos realmente para pensar na lógica dela: porque se dar ao trabalho de reproduzir para ‘escapar’ da morte, se poderíamos apenas sobreviver?
Abre parênteses: Sim, porque dá um trabalhão reproduzir. Você não pensa no trabalho que dá porque não é a evolução trabalhando milhões de anos a fio para desenvolver o processo, e porque, no final das contas, reproduzir é gostoso. Mas você já pensou que é gostoso simplesmente para que você se dê ao trabalho? Essa história também vai ficar para outro dia, porque agora eu tenho que voltar para a minha pergunta original. Fecha parênteses.
A teoria do gene egoísta não explica porque nós morremos, ou porque devemos morre, ou mesmo porque existe morte. Mas deu a pista.
Os genes usam seus organismos para competirem uns com os outros. Desenham organismos que sejam eficientes para competir por abrigo, alimento, parceiros reprodutivos e ingressos para a final do campeonato. Mas essa não é a única forma dos genes competirem uns com os outros. Eles podem competir diretamente! Essa competição pode se dar de várias formas, mas hoje só vamos falar de uma, a mais importante, aquela com um material genético parasito, que nem organismo tem: os Vírus.
A a morte é uma brilhante solução para um problema complexo: os parasitas.
Abre parênteses, de novo: Vou ter que deixar pra falar disso de novo outro dia, e peço desculpas a vocês por estar deixando tantas coisas de lado hoje, mas o meu espaço, e o tempo e a paciência de vocês, é curto, e eu preciso chegar no meu destino. Fecha parênteses.
Não há como vencer a competição com os parasitas sobrevivendo, por isso a gente morre, deixando o corpo cheio de parasitas pra lá, e criando um novo corpo para o nosso material genético (com a ajuda de um parceiro(a) de alta qualidade, e de preferência um sistema imune diferente do nosso). Um processo muito estudado na física, chamado ‘resiliência‘. O furo na teoria estava no fato dessas coisas todas que eu falei: apoptose, caspazes, modelagem no desenvolvimento, resiliência… serem encontrados apenas em organismos superiores: os eucariotos. Mas os vírus são muito mais antigos, então porque a morte teria aparecido só nos eucariotos? Mas ela, a senhora com a foice na mão, é mais antiga que os eucariotos, é foi isso que Nick Lane, um dos descobridores, conta no artigo anexo.
Os organismos mais antigos da Terra, as cianobactérias, cujos fósseis remontam há 3,8 bilhões de anos, possuem um grupo de proteínas chamadas metacaspazes, disparam processos de apoptose em situações de estresse, principalmente durante infecções virais. Antes dos vírus se reproduzirem e romperem a célula liberando mais partículas virais para contaminar outras células, a cianobactéria se mata. Um ato nobre, vocês não acham? Mas muito antinatural. Na natureza não tem essa coisa de ‘ser bonzinho’ e ‘não cobiçar a mulher do próximo’. É cada um por si! E um organismo unicelular não pode fazer como a Nina Simone e ‘morrer só um pouco’. Então como explicar um organismo unicelular que ativa morte celular programada? A explicação de Lane está na alta redundância do pool genético de uma floração de fito e bacterioplancton. As cianobactérias são unicelulares, mas nunca estão sozinhas. Quando as condições ambientais são favoráveis, elas se reproduzem muito, em um curto intervalo de tempo, produzindo uma população enorme, um ‘bloom’, ou floração. Por isso, os organismos nesses blooms são praticamente clones, e, assim, da mesma forma que uma célula em um organismo multicelular entra em apoptose para que o organismo se livre de um câncer, uma cianobactéria entra em morte celular para livrar a floração de uma virose. A célula morre, mas a floração morre só um pouquinho.
A morte pode não ser definitiva, dependendo da escala em que observamos. Mas o problema de se morrer um pouquinho, é que pode-se continuar morrendo muitas vezes, por muito tempo. E isso não é bom.

Lane, N. (2008). Marine microbiology: Origins of Death Nature, 453 (7195), 583-585 DOI: 10.1038/453583a

Só sei que nada sei

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As vezes acontece: você comete um erro grosseiro em sala de aula. A agora? Como se retratar com aqueles 20 elementos que durante duas horas te olharam como se você fosse o ‘Yoda’, ou o ‘Dumbledore’, que é mais da época deles?
Você desce do tablado, guarda a vaidade no bolso e corrige o erro. Por maior que ele seja. Custe o que custar. Mesmo sabendo um monte de coisas, tem coisas que não sabe. Só que mesmo assim tem que dar aula disso. O professor, esse pode errar de vez em quando, mas a informação não pode estar errada, nunca.
A aula era de radiação e radioatividade, e eu estava explicando as radiações ionizantes: Particulas alfa (α) e beta (β), e radiação gama (γ). Entra o slide, um aglomerado de bolinhas de duas cores diferentes representam o núcleo de um átomo com seus prótons e neutros. Quatro bolinhas, duas de cada cor, são lançadas do núcleo. É a partícula alfa. Elas são compostas de dois prótons e dois neutros, por isso possuem massa (4) e carga positiva. Muda o slide, novamente o aglomerado de bolinhas de duas cores representando o átomo. Duas bolinhas são lançadas. Uma não tem nome, a outra chama pósitron e… por um instante, esqueço tudo que tinha estudado me deixo levar pela imagem. As partículas beta estavam representadas por bolinhas também, iguais as que representavam os elementos do núcleo. De repente tudo faz sentido e o pósitron é a emissão de um próton com carga positiva. Levo a confusão adiante e digo que a partícula beta altera o número atômico (que eu antes já havia confundido como A, que é o número de massa, ao invés de Z – esse sim o número atômico, que é o número de prótons que identifica cada átomo), porque emitia um próton. Fiz uma tremenda confusão. Preciso dormir mais, eu penso.
O erro passou desapercebido, porque, no fim das contas, não tínhamos feito nenhuma conta, o que mostraria o erro rapidamente. Mas erro tem perna curta que nem mentira, e ele voltou logo depois pra me assombrar.
Mostro a série de decaimento do Urânio, que emitindo diferentes partículas, muda de Z, de A e de átomo também, se transmudando até chegar no chumbo estável. No caminho, ele passe de Urânio a Tório e volta a Urânio. “Mas peraê, como pode ele passar de Urânio a Tório e depois a Urânio de novo se em cada partícula alfa e beta que ele emite está perdendo neutros e prótons?” Exatamente, não pode. Ou não poderia, no modelo equivocado que eu bolei (porque na verdade, pode sim, e vamos ver como). Tinha alguma coisa errada e não fui nem eu quem percebi. Foi o aluno que fez essa pergunta ai de cima. De repente tudo para de fazer sentido, e como aqueles meninos que trabalham de guia em cidade do interior de Minas ou da Bahia, que pedem dinheiro para conta histórias das cidades mas que se você interrompe ele tem que recomeçar do início porque a história está decorada e não aprendida, eu fico mudo. Devo ter ficado mudo por 15 segundo, porque pareceram 15 min, e em geral essa a gente perde uma ordem de grandeza da percepção de tempo quando entra em pânico (isso da ordem de grandeza do tempo é uma alegoria gente, vamos deixar bem claro).
Disse que não sabia explicar, mas ia descobrir. Sigo adiante. Termina tudo bem. Os objetivos que eu tinha estabelecido para a aula (conhecer as radiações, diferenciar radiação ionizaste, estabelecer o mecanismo de fissão e de efeitos biológicos) tinham sido alcançados. Fui pra casa tenso e chegando aqui vou descobrir o que aconteceu. E o que aconteceu é que eu cometi uma gafe gigantesca, maior do que os erros de português que vira e mexe aparecem aqui no blog. Dei uma explicação totalmente errada sobre o que é a partícula beta, que acabou se revelando incompatível com o decaimento do Urânio 238.
Na verdade a partícula beta tem a massa de um elétron, e pode ter carga negativa, sendo, no caso, o próprio elétron; ou positiva, quando se chama pósitron. É emitida por um nêutron, que no processo se transforma em um próton. E ‘Bazinga‘!!! O problema no decaimento do Urânio está solucionado. O Urânio 238 emite uma partícula alfa com 2 nêutrons e 2 prótons, seu núcleo de 92 prótons passa a ter apenas 90, se transmutando em um núcleo de Tório 234. Um nêutron do Tório emite uma partícula beta (elétron) e se transforma em um próton. Agora o núcleo do Tório passa de 90 para 91 prótons, se transmutando em Protactínio. Tudo bem se você nunca ouviu falar desse elemento, mas ele está lá na tabela periódica, bem antes do Urânio. E é justamente por emitir outro elétron (partícula beta) que um nêutron do Protactínio se transforma em próton. O núcleo de 91 prótons passa a ter 92… que é o número atômico do Urânio, só que agora com 4 nêutrons a menos (2 perdidos na partícula alfa e 1 transmutado após cada uma das duas emissões beta). Se ficou difícil de ver, está tudo na figura ai embaixo.
nuclear_decaimento_uranio_tabela.gifNão satisfeito, o Urânio 234 volta a emitir uma partícula alfa, perdendo mais dois prótons e nêutrons para voltar a ser Tório (agora 230). Tem sérios problemas de identidade esse Urânio. Agora o Tório não quer mais voltar atrás e solta uma partícula alfa também. Com menos dois prótons e 2 nêutrons se transmuta em Rádio que libera uma alfa e vira Radônio, que libera uma alfa e vira Polônio, que libera uma alfa e vira Chumbo (o 214). Uma tremenda libertinagem. Esse chumbo não é estável e quer voltar a ser Polônio. Para isso libera uma beta, perde um nêutron, ganha um próton e passa a Bismuto 214, que libera mais uma beta o leva de volta a Polônio 214. Talvez o negócio deles seja libertar alfas e betas como mocinhas aprisionadas, porque fazem toda essa gracinha de alfa-beta-beta chumbo-Bismuto-Polônio (agora o 210). Mais uma última emissão beta e o Polônio 210 deixa de existir permanentemente para dar lugar ao Chumbo 206, que é estável e encerra o decaimento.
No final das contas estou feliz. O día acabou e eu aprendi mais uma coisa.

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