O Pó Branco que Vicia

Na década de 70, mais precisamente em 1975, foi lançado o livro Sugar Blues de William Dufty. Rapida e surpreendentemente, o livro se tornou um clássico. Bíblia dos naturebas e best-seller do segmento da população que começava a se preocupar de maneira séria com sua alimentação, o livro é uma colcha de retalhos sobre a influência econômica e cultural do açúcar refinado. Escrito por um jornalista casado com uma musa hollywoodiana fissurada por saúde e influenciado pela macrobiótica – bastante na moda na época (aliás, cadê a macrobiótica?!), o livro fez escola (ver o Dilema do Onívoro). Se abstrairmos muitas das teorias conspiratórias presentes no texto, encontraremos lá, uma sugestão de que o açúcar, de fato, vicia. O livro caiu no esquecimento e hoje se reconhece que algum exagero foi cometido. Passa o tempo e…

ScienceDaily – 11 de Dezembro de 2008 — Cientistas da Universidade de Princeton apresentam evidências decorrentes de experiências em ratos, de que o açúcar pode ser uma substância viciante de maneira similar a drogas ilícitas. Ratos acostumados com uma dieta rica em açúcar demonstraram comportamento abusivo e recorrente quando re-expostos à dieta após um período de “abstinência”. Interessante, durante esse período abusaram também de álcool (por que álcool?) sugerindo alterações no funcionamento cerebral, provavelmente mediadas pela dopamina. O autor sugere que pode haver um canal para comportamentos auto-destrutivos abertos pelo o açúcar (!!!). O estudo sairá no Journal of Nutrition.

Sugar. Rats drank more alcohol than normal after their sugar supply was cut off,
showing that the bingeing behavior had forged changes in brain function.
(Credit: iStockphoto/Tobias Helbig)

Sugar Blues e Dufty já foram considerados visionários devido a outros experimentos que demonstraram a dependência de organismos, humanos ou não, ao açúcar, principalmente em sua forma refinada, que tem absorção praticamente imediata.
Particularmente, acredito nos males da dieta ocidentalizada rica em açúcar refinado. Mas a velha máxima se repete aqui. A diferença entre o veneno e o remédio é a dose. A privação de algo que é disseminado em nossa cultura causa prejuízo psicológico indiscutível e tenho dúvidas se a proibição, pura e simples, é o melhor caminho. De qualquer forma, o assunto passa a ter enorme relevância devido a epidemia de obesidade e diabetes que vivemos atualmente. Isso é considerado assunto de saúde pública em países sérios. Os prejuízos são enormes, para pacientes e ministérios da saúde. Nunca operamos tantos estômagos e intestinos com objetivo de reduzir suas eficiências como hoje. É mais difícil aprender a ser moderado.

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Cai a Lei da Mordaça

Com 40 anos de idade, finalmente cai o artigo 242 do estatuto do servidor público, apelidado “carinhosamente” de Lei da Mordaça:
O artigo 242 diz que é proibido ao servidor “referir-se depreciativamente, em informação, parecer ou despacho, ou pela imprensa, ou qualquer meio de divulgação, às autoridades constituídas e aos atos da administração, podendo, porém, em trabalho devidamente assinado, apreciá-los sob o aspecto doutrinário e da organização e eficiência do serviço.”
Como funcionário público estadual há alguns (vários!) anos, vi esse artigo ser citado em algumas situações tensas entre funcionários e o estado. Como criticar, por exemplo, políticas de saúde totalmente descabidas, trabalhando para o governo apesar de termos uma posição privilegiada para isso? Como diz a reportagem da Folha, “desde a abertura democrática, em 1985, o Estado já teve como governadores Franco Montoro, Orestes Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho (todos eleitos pelo PMDB), Mário Covas, Geraldo Alckmin (ambos do PSDB), Claudio Lembo (DEM) e agora Serra, sem que a “lei da mordaça” fosse removida.”
Dizem que a Felicidade, não é uma palavra, nem um sentimento, tampouco. Seria, digamos, um adjetivo dos olhos. Isso. Um adjetivo dos olhos é uma boa metáfora para humor. Humor que melhora sobremaneira com notícias como esta. Temos uma longa caminhada em direção à livre comunicação e liberdade de expressão e hoje estou feliz.

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Aliquid Hominis – A Solução

Prometheus Light on Flickr by h.koppdelaney

Aliquid hominis quer dizer “algo do homem que o próprio espírito do homem que nele está, não sabe”. A perguntas feitas no post de mesmo nome, apesar de antiquíssimas e, aparentemente, sem um propósito prático imediato, estão no cerne da controvérsia entre ciência e religião (que por vezes esquenta os bastidores desse portal!), como mostra o raciocínio de Hannah Arendt em seu livro “A Condição Humana“.
Agostinho foi o primeiro a estabelecer uma diferença entre as perguntas “Quem sou?” e “O que sou?”: a primeira é feita pelo homem a si próprio; a segunda só pode ser dirigida a uma divindade, pois equivale a perguntar “Qual a minha natureza/essência/propósito?” que é semelhante a “Por que fui criado?” Em outras palavras, se temos uma natureza ou essência, então certamente só um deus pode conhecê-la e defini-la; e a condição prévia é que ele possa falar de um “quem” como se fosse um “quê”.
“O problema é que as formas de cognição humana aplicáveis às coisas dotadas de qualidades naturais – inclusive nós mesmos, na medida limitada em que somos exemplares da espécie de vida orgânica mais altamente desenvolvida – de nada nos valem quando levantamos a pergunta: e quem somos nós?”
E, arremata:
“É por isso que as tentativas de definir a natureza humana levam quase invariavelmente à construção de alguma deidade, isto é, ao deus dos filósofos que, desde Platão, não passa, em análise mais profunda, de uma espécie de idéia platônica do homem.”
Nosso sistema cognitivo aprendeu a procurar essências em tudo que é natural, em tudo que é passível de ser conhecido. O que Arendt quer dizer, é que esse tipo de pensamento nos ajudou a chegar ao ponto em que estamos hoje, mas tem efeitos colaterais. Pensamos ontologicamente nas doenças (A Diabetes, O Lupus, etc), pensamos ontologicamente nas espécies (o que às vezes, dá a maior confusão), pensamos ontologicamente em partículas subatômicas! Entretanto, quando temos que nos pensar, essa fórmula nos leva invariavelmente a uma divindade. Assim, a questão da natureza do homem é tanto uma questão teológica quanto a questão da natureza de Deus; ambas só podem ser resolvidas dentro da estrutura de uma resposta divinamente revelada.
As condições da vida humana – vida, morte, o planeta –  não são suficientes (apesar de necessárias) para explicar o que somos por não nos condicionar de modo absoluto. As ciências como antropologia, psicologia, biologia não captam a totalidade do humano exatamente por essa razão. Por outro lado, se as tentativas de definir a natureza humana levam facilmente a uma idéia sobre-humana, é de se pensar se o conceito de natureza/essência humana deva ser utilizado. Pode ser um beco sem saída.
É nas raízes do raciocínio “essencialista” que está a causa dos problemas metafísicos encontrados na ciência hoje. Não é possível analisá-los em separado. É preciso reconhecer os limites das formas de pensar e onde eles nos levam. É preciso libertar o pensamento (ou pelo menos tentar). É preciso, portanto e antes de mais nada, matar a Deus.

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Esporte, Educação e Medicina

Soccer World by ~dleafy

Aos domingos sempre dou uma checada nos cadernos de cultura dos jornais, procurando assunto e, principalmente, alguma polêmica. Mas hoje, apesar de vários assuntos interessantes, a melhor frase foi de Tostão, no caderno de esportes da Folha de São Paulo:
“O esporte de competição, de alto rendimento, não é um bom lugar para aprender e desenvolver os valores éticos e morais”.
Confesso que me surpreendi. Não esperava ler isso no caderno de esporte. Sempre ouvimos falar que o esporte é um elemento educacional importante. O lugar comum das declarações é que ele ajuda a ensinar disciplina, ganhar e perder. Há tempos, venho repetindo, entretanto que do ponto de vista médico, o esporte de competição, seja olímpico ou profissional de qualquer tipo, é um crime contra as “razões do corpo”. A maratona, por exemplo, é desumana. O indivíduo com frequência, apresenta hemoglobinúria devido ao rompimento das células vermelhas do sangue devido a microtraumas na circulação periférica, liberando a hemoglobina que é eliminada na urina. Este ano, um jogador profissional de futebol (goleiro) apresentou o mesmo problema depois de um treino exaustivo e fui chamado a dar uma opinião. No caso do futebol, poucos esportes têm tantas lesões. Não há jogador aposentado que não tenha lesão nos joelhos. O Zico mal consegue andar sem mancar. Sem contar as mortes. A FIFA fez um congresso sobre isso esse ano no México tal a frequência. O boxe chegou a ser proibido pela sociedade americana de neurocirurgia.
A medicina recomenda esportes para combater o excesso de peso e o sedentarismo. São inúmeros os benefícios da prática esportiva. Podemos até discutir a definição de sedentarismo, mas o que a medicina recomenda é muito pouco comparado aos esportes de alta performance. Tenho visto competições infantis nas quais o contato e a exigência física são incabíveis para a idade. Ambiente nada sadio, nada ético. Está cada vez começando mais cedo.
Acrescentaria à frase de Tostão que o esporte de alta performance tampouco é adequado para o desenvolvimento físico e bem-estar do indivíduo. Muito pelo contrário. Parece até um tipo de doença…

Aliquid Hominis

Infinite Imperfection by Emuishere Peliculas at Flickr

Enquanto isso, na raiz do pseudo-debate entre ciência e religião, uma perguntinha agostino-cartesiana:
“O que faz mais sentido, perguntar ‘Quem sou?’ ou ‘O que sou?'”

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A Relação Médico-Parente

O que fazer quando alguém que você gosta muito fica doente prá valer? Qual é o limite entre cuidar de alguém da família e interferir na conduta de outro colega? Essa, juntamente com sua própria doença, é uma das situações mais estressantes para um médico. Frente a esse tipo de situação, o comportamento dos médicos pode ser resumido em três configurações paradigmáticas: Há o “Sem- Noção”, médico que discute tudo, dá palpite em tudo, prescreve, pede exames, acha que é o médico que mais entende do problema de seu parente. Há o “Desencanado” que diz que não quer ser identificado como médico no caso, não quer saber de nada, acha que tudo está bom. E há o “Meio-Termo”, aquele que intervém quando chamado, prestativo e colaborador, pode dar informações técnicas importantes para a condução do caso.
Obviamente, o Meio-Termo seria a conduta ideal para um médico que tivesse alguém da família doente e quisesse ajudar. Entretanto, entre os extremos existe uma infinidade de situações que correspondem melhor à realidade. Vejamos algumas situações as quais já tive a oportunidade de vivenciar e que trazem uma outra perspectiva a essa visão simplista. Não recomendo a postura do Desencanado. Uma conversa amigável entre o médico parente e o assistente, sempre coloca um pouquinho mais de pressão, sem ser desconfortável. Indica zêlo, cuidado, interesse por parte do médico da família. Novamente, os limites são fugazes.
O Sem-Noção pode ainda ser radicalizado. Tenhos amigos que mastectomizaram esposas, apendicectomizaram filhos, intubaram avós! Nenhuma dessas experiências, por mais bem sucedida que seja pode ser descrita como gratificante. Mas há uma questão que pouca gente coloca. O que fazer quando você sabe que é, digamos, um excelente cirurgião de mama e sua esposa precisa de uma cirurgia exatamente na sua especialidade? Normalmente, um expoente assim tem críticas ao trabalho de outros médicos da área e obviamente não encaminha pacientes a ele. Isso para não falar de vaidades pessoais e rivalidade. Não é difícil imaginar a ansiedade de saber fazer algo, e muito bem, e não poder fazê-lo devido o paciente ser da sua própria família. Já vi histórias assim acabarem muito bem. E também muito mal.
Um artigo bem recente do Annals Internal Medicine discute esses pontos com exemplos. Segue o resumo abaixo. Leitura bastante interessante.

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Emancipação

Emancipate Yourself by deb5376 at Flickr

Emancipar tem a mesma raiz de mancebo, amancebar. Vem de manus=mão e cippus=segurar. Alguma coisa como segurar a mão, levar pela mão, conduzir. Um mancebo é alguém que lhe conduz pela mão. O “e” na verdade é um “ex” contraído. Tem o sentido de tirar. Emancipar então, seria um libertar-se, ficar independente. Procuro saber o que de meu pensamento é amancebado a outros, o que é independente. Do que depende? Quem me conduz?
Não. Não se fala aqui de originalidade. Falamos da angústia da influência. Quais grandes idéias me influenciaram, por que umas e não outras? Se essa pergunta é feita a um ser humano específico a resposta soa quase como uma “psicanálise”. E se essa pergunta é feita a uma área do conhecimento soa como o quê? Por exemplo, quais grandes idéias influenciam a racionalidade médica contemporânea? Por que essas e não outras?
É a completa emancipação possível? Se não, quero saber quem conduz meu pensamento. A pergunta da peça publicitária é bastante incômoda (daí seu sucesso): “O que faz você feliz?” Eu perguntaria: O que faz você pensar assim?

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