Abortamento e o Debate Político no Brasil

O Brontossauros publicou um post com a maioria das ideias que compartilho e recomendo fortemente sua leitura antes de prosseguir aqui.

Aprendi na faculdade que “aborto” é o produto de um “abortamento”, que consiste no ato de abortar. O Conselho Regional de Medicina escreve:

“Artigo 42 – É vedado ao médico: “Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação do país”.
Artigo 43 – É vedado ao médico: “Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial e abortamento”.

Assim, fica evidente que o médico deve respeitar a legislação em vigor. Para isso é preciso conhecê-la, até porque “a ninguém é dado o direito de descumprir a lei sob o argumento de desconhecê-la”. E o artigo 128 do Código Penal, que trata de crimes contra pessoas, diz que “não se pune o aborto praticado por médico se:

I – não há outro meio de salvar a vida da gestante (Aborto necessário);
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando menor ou incapaz, de seu representante legal. (Aborto no caso de gravidez resultante de estupro)”.

Entretanto, conheço alguns colegas que praticam curetagens — procedimento cirúrgico, relativamente simples, mas que requer certa habilidade e experiência, que consiste, grosso modo, na raspagem do interior do útero — com fins abortivos, seja para retirada de fragmentos fetais e/ou placentários do útero de mulheres que fizeram uso do misoprostol (CytotecⓇ), seja como procedimento primário, em geral, antes do primeiro trimestre de gravidez. Mesmo com toda essa legislação ética e penal! A discussão entre os ginecologistas é simples: a enorme maioria não faz, mas acha extremamente necessário que alguém o faça e indicam tais médicos, sem criticá-los ou julgá-los moralmente. A necessidade de alguém que faça o procedimento é gigantesca. De preferência com segurança, boa técnica e discrição.

Estou falando, entretanto, de pessoas que pertencem a classes sociais mais favorecidas e podem pagar por isso. Mesmo nessa faixa da população a incidência é maior do que deveria e os números são bastante camuflados por razões óbvias. A coisa complica muito nas classes mais pobres da população porque alternativa não há. É aqui que o problema toma proporções de saúde pública. A hipocrisia de nossa sociedade se faz sentir em outras instâncias. No Brasil, mesmo o abortamento legal é bastante difícil de ser conseguido o que, em geral, provoca traumas difíceis de serem superados.

Não acredito no abortamento como método contraceptivo. Ele deve, como foi comentado, ser “seguro, acessível e extremamente raro”. Deve haver uma saída para mulheres que não se julgam capazes de manter uma criança, o que, convenhamos, é comum no Brasil. A saída passa, necessariamente, por educação, assistência médica e psicológica, programas de adoção e, sim, a possibilidade do abortamento, até para que ele não se repita! Fechar os olhos para esse  problema é jogar uma grande parte de nossa miséria social para debaixo do tapete.