Battisti, Lula e a Prática Médica

O Ecce Medicus não é um blog sobre política. Entretanto, o caso Battisti se desenrolou de tal forma que gostaria de usá-lo como exemplo para discutir o caráter das decisões médicas. O leitor deverá estar pensando “mas o que isso tem a ver?” Eu digo que bastante, como tentarei mostrar nas próximas linhas. Um resumo da história pode ser encontrado aqui e cada um pode tirar suas próprias conclusões sobre a legitimidade da extradição.

Cesare Battisti participou de um grupo armado há 30 anos ao qual são atribuídas 4 mortes. Tem um histórico de fugas para França e Brasil onde foi detido em 2007. O estado italiano o considera um assassino. Foi julgado em condenado à prisão perpétua sem exposição à luz solar. A Itália solicitou sua extradição e o governo brasileiro vem resistindo a essa decisão, que foi parar no Supremo Tribunal Federal. O Supremo, depois de meses de avaliação, optou pela extradição em decisão bastante apertada (5×4) e deixou a decisão final ao presidente Lula. A Lula, portanto, caberá decidir agora, praticamente, sozinho, sobre o futuro de Cesare Battisti. Alguns devem estar pensando que é uma decisão bastante difícil, essa de definir o destino e mesmo a própria vida de um ser humano. E é mesmo. Como Lula deve proceder? Que tipo de arcabouço teórico Lula deveria utilizar-se para tomar essa decisão específica? Grosso modo, se levar em conta sua ideologia, por exemplo, não o libera. A Itália de Berlusconi está mais à direita que nunca. E se estiverem caçando as bruxas de um “comunismo” que já não existe? A própria França, tradicionalmente abrigou Battisti por um período. Por outro lado, se tomar por base o fato de a Itália ser um país com o qual o Brasil mantém relações diplomáticas importantes, ser um estado soberano, ter elegido um primeiro-minstro democraticamente e ter um sistema judiciário confiável, deve-se respeitar a dor das famílias que perderam seus membros e a decisão do tribunal italiano, extraditando Battisti. Não importam os argumentos aqui. Importa a decisão de um homem sobre a vida de outro homem.

De que adiantaria demonstrar cartesianamente o envolvimento de Battisti nos assassinatos? Que tipo de ideologia poderia justificar um crime? A discussão é interminável. Nos interessa o caminho que será necessário para chegar a uma decisão baseada em algum tipo de racionalidade, e não simplesmente, a opinião e as idiossincrasias da arbitrariedade. Qual guideline, diretriz, recomendação poderia ajudar Lula a tomar uma conduta como essa? O direito tem uma figura de racionalidade chamada jurisprudência que pode basear uma decisão em decisões tomadas anteriormente. Mas Lula, não é um juiz! Estes por sua vez, já deram seu veredito. Cabe a Lula decidir e decidir baseado no coração ou no medo, não me parecem formas racionais de decisão.

Quando digo que me sinto só e que a ciência é um luxo com o qual não se pode contar sempre é sobre isso que estou falando. Deve ser o mesmo sentimento do presidente Lula agora.