Johns Hopkins

Johns Hopkins

Fig 1. Johns Hopkins (1795-1873)

Johns Hopkins (1795 – 1873) (figura 1) nasceu e viveu em Maryland, EUA. Filho de uma família de fervorosos quakers, seu pai, proprietário de uma fazenda de tabaco, seguiu a determinação da Sociedade dos Amigos local e libertou os escravos que trabalhavam em sua lavoura em 1807. Johns, então com doze anos, interrompeu seus estudos e foi trabalhar na roça. Aos dezessete anos, um tio o chamou para uma sociedade em seu relativamente já bem sucedido atacado de bens de consumo em Baltimore. Lá, Johns conheceu Elizabeth, sua prima, por quem apaixonou-se. O romance, entretanto, não vingou pois não foi permitido por questões religiosas concernentes à consanguinidade que eles se casassem. Johns e Elizabeth juraram, então, não se casar e, de fato, assim o fizeram, não deixando descendentes; fato importante para o que se segue.

Ao longo dos anos, Johns acabou por divergir do tio (que chegou a afirmar que “não podia fazer negócios com alguém que gostava mais de dinheiro que ele próprio”) – mas não exatamente por causa do romance frustrado com Elizabeth: ele queria vender uisque. O tio, quaker, não. Ao, finalmente, romperem a sociedade, o tio deu-lhe dez mil dólares, que ele juntou com mais alguns que outros membros da família lhe adiantaram, contratou três de seus irmãos como vendedores e abriu a Hopkins & Brothers que ficou famosa, entre outras coisas, por distribuir no nordeste dos EUA o Hopkins’ Best (popular destilado de milho que poderia muito bem ter sido degustado pelo nosso Doc Josiah). Quando Johns se retirou da sociedade com os irmãos aos cinquenta anos de idade, já era um homem rico. Lançou-se, então, ao promissor mercado financeiro de Baltimore. Emprestou dinheiro, comprou ações (em especial da Baltimore & Ohio Railroad) e, com um tirocínio incrível para os negócios, amealhou uma enorme fortuna.

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Fig 2. Mapa da Guerra Civil dos EUA (1861-1865). O “Norte” (azul) e o “Sul” (cinza) com os border states (vermelho). Maryland (MD) e Delaware (DE) são representados a leste. Clique na figura para ver o original.

Foi quando a Guerra Civil irrompeu em 1861. Maryland era um border state. Os border states constituíam o “meio de campo” da guerra (estados em vermelho na figura 2, acima) e, por esta razão, eram estratégicos, tanto politicamente (nenhum deles apoiara a eleição de Lincoln), quanto por questões geográficas: exércitos de ambos os lados tinham que passar por eles. Maryland, particularmente, tendo Baltimore, sua capital, a apenas sessenta quilômetros de Washington DC, foi palco de sangrentas batalhas. Além disso, tinha uma economia escravagista, baseada no plantation (como a família de Johns), hostil a Lincoln, dominada por republicanos ferozes, sendo a maioria dos marylanders, por essas razõesfavoráveis às causas sulinas. Mas, Maryland tinha também Johns e outros influentes cidadãos apoiando o Norte. Tudo isso explica o fato de que o estado contribuiu com tropas para o dois lados da guerra e deu origem ao nome Brother against Brother War para descrever a situação absurda em que a guerra colocou os border states. Johns era abolicionista e um grande defensor da União. Sua casa de veraneio (hoje um belo parque) chamada de Clifton, era palco de reuniões frequentes dos simpatizantes do Norte a despeito de represálias frequentes. O auxílio da Baltimore & Ohio Railroads no transporte de tropas e mantimentos foi fundamental para a União, tendo Johns empenhado-se pessoalmente na campanha. Seu envolvimento na Guerra Civil foi tamanho que ainda hoje tal divisão “ideológica” tem seus desdobramentos[1].

Segundo o verbete na Wikipédia, Johns Hopkins era amigo de George Peabody, outro solteirão milionário da época. Peabody é considerado o pai da filantropia americana moderna (chamada de wholesale por razões que veremos em breve). Peabody começou a construir uma escola de arte e música em 1857 mas, devido a guerra, o projeto só foi completado em 1866, não sem certa dificuldade. Segundo conta a história, Peabody iniciou Johns nas atividades filantrópicas. Não se sabe exatamente porque Johns escolheu fundar uma universidade. O fato da elite marylander sulista ter sido derrotada e politicamente cassada por Lincoln após a vitória do Norte, inclusive com a promulgação de uma nova constituição estadual, dado que a anterior era republicana radical, terminou por deixar a cidade em frangalhos. Além disso, a necessidade de um hospital era premente. Epidemias de febre amarela, febre tifóide e cólera eram frequentes, tendo o próprio Johns contraído esta última. O fato é que em 1867 ele escreveu seu testamento. Não deixaria filhos, sua família estava bem. Presenteara Elizabeth com uma bela casa…

Johns morreu na véspera de natal de 1873, dormindo, aos setenta e oito anos. Seus bens foram utilizados postumamente para fundar, pela ordem por ele mesmo estabelecida (segundo a Wikipédia), um orfanato (Johns Hopkins Colored Children Orphan Asylum), em 1875; a Johns Hopkins University em 1876; a Johns Hopkins Press, a editora acadêmica de maior longevidade ainda operando nos EUA, em 1878. Em 1889 foram duas instituições: o Johns Hopkins Hospital e a Escola de Enfermagem (Johns Hopkins School of Nursing). A Faculdade de Medicina (Johns Hopkins University School of Medicine) só viria em 1893. A Escola de Saúde Pública (Johns Hopkins School of Hygiene and Public Health) só no final de 1916, mas já com dinheiro da Fundação Rockefeller (que, logo após, em 1918, iniciou o que seria o Instituto de Higiene de São Paulo, veja só).

O hospital da Johns Hopkins tem sido apontado como o melhor dos EUA por vinte e um anos consecutivos, segundo o U.S. News & World Report. A faculdade de medicina, o hospital e sua escola de saúde pública moldaram a educação médica norte-americana e mundial já a partir do começo do século XX, tendo sido tomados como exemplo pelo Relatório Flexner. Por quê? Quais elementos presentes tão precocemente em sua estrutura acadêmica a puseram à frente de seu próprio tempo? Vivemos ainda sob um modelo “hopkinsniano” de medicina? É o que tentaremos responder a seguir.

 

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[1] Todo mês de janeiro, como noticiou em 2008 o Baltimore Sun, descendentes de soldados sulistas viajam a Baltimore para prestar homenagens a dois generais lendários dos Estados Confederados da América: Robert E. Lee e “Stonewall” Jackson. Do Wyman Park, local dos monumentos, a multidão caminhava até a Johns Hopkins University, bem próximaonde utilizavam parte das acomodações para lanches e para hospedar-se a preços acessíveis. A direção da universidade, entretanto, informou a divisão de Maryland das Filhas Unidas da Confederação (United Daughters of the Confederacy) e os Filhos de Veteranos Confederados (Sons of Confederate Veterans) que não ia mais alugar o espaço a eles pois não tinha a obrigação de ver a bandeira confederada circulando no campus da Johns Hopkins.