Acupuntura, Lombalgia e o Modo de Pensar do Médico

Um artigo do New England me chamou a atenção depois que Dráuzio Varella escreveu sobre ele na Folha de hoje. O resumo do Dráuzio está perfeito e o recomendo aos leitores que não quiserem ler o resumo em inglês do original.

O artigo comenta o que muitos já sabiam: coletâneas de casuísticas de vários autores quando analisadas em conjunto por meio de ferramentas estatísticas apropriadas – o que chamamos de metanálise – não mostram diferenças entre acupuntura “real”, aquela aplicada aos meridianos corretos visando equilibrar o qi do paciente, e a “falsa”, uma que ou aplica as agulhas em pontos errados, ou não as aplica. Ou seja, em que pesem alguns achados de scans perfusionais mostrando ativação de regiões diferentes conforme os pontos utilizados, a verdade é que, sob o ponto de vista clínico, isso não faz diferença nenhuma.

NO ENTRETANTO (como diria um professor meu!), escreve Dráuzio “Apesar de tudo, tanto a ‘verdadeira’ quanto a ‘falsa’ melhoraram os resultados do tratamento convencional com anti-inflamatórios e fisioterapia. Um estudo alemão dividiu ao acaso 1.162 pacientes em três grupos: tratamento com anti-inflamatórios e fisioterapia, acupuntura ‘verdadeira’ ou acupuntura ‘falsa’. Depois de seis meses, os índices de resposta da acupuntura ‘verdadeira’ foram iguais aos da ‘falsa’, porém superiores aos do tratamento convencional.”

Do artigo: o Colégio Americano de Medicina e a Sociedade Americana de Dor recomendam aos clínicos que considerem a acupuntura como possível opção de tratamento para pacientes com lombalgia que não conseguiram melhora com cuidados convencionais. A Sociedade Americana de Coluna incluiu recentemente que a acupuntura provê alívio mais rápido que tratamentos utilizados sem ela. E finalmente, o U.K. National Institute for Health and Clinical Excellence (deixei o nome em inglês propositalmente) recomenda a acupuntura como tratamento possível para lombalgia; isso no Reino Unido onde as pessoas se “suicidam” com medicamentos homeopáticos.

Como alguma sociedade médica pode recomendar um tratamento que não tem base científica? Como os médicos podem ainda aceitar como válido um tipo de terapia que não tem fundamentação teórica e, nem de longe, é a melhor evidência possível para o tratamento de uma lombalgia? Talvez a resposta esteja na forma como o médico encara a ciência que dá base a sua prática. Seu compromisso é com o paciente. A pergunta é se isso basta.

Referências Bibliográficas

1. Acupuncture for Chronic Low Back Pain. Brian M. Berman, M.D., Helene H. Langevin, M.D., Claudia M. Witt, M.D., M.B.A. and Ronald Dubner, D.D.S., Ph.D.N Engl J Med 2010; 363:454-461.July 29, 2010. De onde tirei a figura acima.

PS. Não tenho nenhum conflito de interesse sobre o assunto. Não pratico ou defendo acupuntura e também não entendo nada do procedimento em si. Mas acho que esse exemplo é muito bom para entender os processos de cura e tratamento e evita uma visão cientificista da medicina que está no extremo oposto de outra visão ruim da profissão, o charlatanismo.