Baixo
A década de 70 teve a fase áurea da Motown nos EUA e alguns desdobramentos no Brasil. Dizem que Hyldon “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”, no começo dos anos 70, tinha uma banda com o Cassiano “Estou Ficando Velho e Acabado” chamada Os Diagonais. Depois que Os Diagonais acabaram, Hyldon foi aos EUA e de lá voltou com um disco do Earth, Wind & Fire e pôs para Caetano Veloso ouvir. Ele ouviu e gostou. Pegou a banda Black Rio, que já fazia um baita som misturando soul e samba, e gravou “Odara”, uma música MPB com a levada impressionante do baixo funk de Jamil Joanes. Check it out
Aqui mais um som da Black Rio – Maria Fumaça – ao vivo. Com repinique, guitarra com som de cuíca e Jamil slapeando aos 1:28, atrás. O baixo é groove total e o som, de uma atualidade impressionante.
O baixo elétrico e o contra-baixo são instrumentos grandes, de cordas pesadas. Fazer um solo com um trambolho desses não é uma coisa muito simples: o baixo não foi feito para solar. Por isso, um solo de baixo é inusitado e chique. Diria até, sensual.
Um dos baixistas mais “interessantes” do momento é uma moça. Seu nome Tal Wilkenfeld. Rapaz, esse solo com Jeff Beck no Crossroads é de arrepiar. A música chama-se Cause We’ve Ended as Lovers.
Aproveitei pra pegar dois papeis de parede do vídeo, evidenciando a performance maravilhosa que fez até o mito JB curvar-se – presentes do grande amigo DRH – e disponibilizo aos amantes do baixo.
Repare na mãozinha em contraste com o baixo!
Dança com os Pulmões
Podemos dividir uma música em melodia, harmonia e ritmo (as melodias são o que podemos assobiar em uma canção; as harmonias consistem em sua base musical). Uma vez, me disseram (um músico) que nossa memória musical é muito boa para reconhecermos melodias e até harmonias. Todavia, apesar de podermos repetir ritmos na forma de palmas, auto-percussão, estalar de dedos e outras coisas, não temos uma maneira tão eficiente de lembrar de ritmos.
Por isso, dançamos! A memória de um ritmo exigiria algo mais, talvez o auxílio de outros tipos de percepção como a propriocepção. A propriocepção é a modalidade sensorial que nos permite, mesmo de olhos fechados, saber se estamos com as pernas dobradas ou não, se estamos fazendo uma curva para direita ou esquerda, em suma, qual é a posição do nosso corpo no espaço sem a necessidade da visão. A ideia de dançar de acordo com um ritmo como forma de “percebê-lo” e apreendê-lo sempre me pareceu muito elegante. E também muito compatível com a abordagem fenomenológica de acordo com a qual eu não tenho um corpo: eu sou um corpo. Se o corpo é nosso ponto de vista sobre o mundo, nada mais natural que usá-lo para captar ritmos.
Mas como músico entende muito pouco de neurofisiologia, há, sim, uma memória de ritmos. Interessante, notar que os ritmos “quebrados” utilizam mais (e também de forma diferente) os “recursos” do sistema nervoso central, a saber, a memória operacional, geralmente relacionada à área pré-frontal e o cerebelo. É, talvez seja mais difícil “gostar” de bebop e free-jazz mesmo. (Também não dá para dançar esse gênero de música!)
O fato é que há um processamento desse tipo de informação. Dado que ritmo é tempo, sabe-se hoje que existe uma hierarquização da percepção do tempo. A íntima relação entre os sistemas límbico, auditivo e motor permite uma representação sui generis (leia-se, humana) do tempo e pode fornecer as bases biológicas de nosso comportamento musical, incluindo o canto e a dança. É interessante perguntar porque, do ponto de vista evolucionista, temos esse tipo de percepção. Em que essa qualidade pode ter auxiliado nossa sobrevivência em épocas remotas já que, se por um lado, ritmos naturais existiram desde sempre (cachoeiras, goteiras, galopes, batimentos cardíacos), ritmos produzidos pelo homem são coisa bem mais recente (Homo habilis?).
Fascinado que sou pelo sistema respiratório não poderia deixar de explicar o título do post. É possível dançar com os pulmões? Sim, é. Não exatamente com eles, mas mais especificamente com o sistema respiratório como um todo. A ventilação pulmonar que vulgarmente chamamos de respiração, é por si, um evento rítmico. A novidade é que esse ritmo pode ser capturado por ritmos externos num fenômeno batizado em inglês de entrainment. Em um estudo [3], pesquisadores tomaram 10 músicos e 10 indivíduos sem formação musical qualquer. Ao expor tais indivíduos a ritmos musicais, verificaram que havia uma captura da respiração bastante mais evidente nos músicos (trained), como mostra a figura.
Referências
1. Sakai K, Hikosaka O, Miyauchi S, Takino R, Tamada T, Iwata NK, & Nielsen M (1999). Neural representation of a rhythm depends on its interval ratio. The Journal of neuroscience : the official journal of the Society for Neuroscience, 19 (22), 10074-81 PMID: 10559415
2. Fujioka, T., Zendel, B., & Ross, B. (2010). Endogenous Neuromagnetic Activity for Mental Hierarchy of Timing Journal of Neuroscience, 30 (9), 3458-3466 DOI: 10.1523/JNEUROSCI.3086-09.2010
3. Haas F, Distenfeld S, & Axen K (1986). Effects of perceived musical rhythm on respiratory pattern. Journal of applied physiology (Bethesda, Md. : 1985), 61 (3), 1185-91 PMID: 3759758
4. Ver excelente post no Marco