Subúrbio

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Naquela época não se dizia “o trem que vai para ou que vem do subúrbio”; dizia-se apenas “o subúrbio”, sinônimo daquele trem.

Ele não devia ter mais que nove ou dez anos e andava de mãos dadas com aquela que parecia ser sua mãe. Na cabeça pelada, um boné com as três cores de seu clube preferido ganho numa dessas campanhas de final de ano. Encaminhavam-se para a estação em meio ao tropel da multidão líquida e amorfa de trabalhadores duas, às vezes, três vezes na semana, mas não iam trabalhar. O hospital ficava a duas horas e dois trens de distância, um “subúrbio” e depois, um metrô. Nas estações onde tomavam o subúrbio que os levaria ao centro, vários trens utilizavam a mesma plataforma. Era dessas estações, mais singelas, que ele gostava. Cada vez que um trem se aproximava, ele perguntava a ela: “É esse?”. Quando ela dizia não, é que o momento mágico começava.

Ele sabia que o trem não ia parar, então postava-se com o olhar fixo, perpendicular ao trem e observava sua passagem. Com o repetir de suas experiências aprendeu a olhar de duas formas diferentes. Uma, na qual transpassava o trem de modo que sua rápida passagem pela plataforma se tornava uma sequência contínua de brilhos inoxidáveis, alternância de claro/escuro, transparente/opaco e a sensação ao mesmo tempo gostosa e assustadora da velocidade. Na outra forma de ver, ele fixava um ponto, em geral, uma cabeça de passageiro ou um cartaz e tentava acompanhá-los até perder de vista. Depois, fixava outro ponto, e outro, cada vez mais próximos, até doerem os olhos castanhos ou então sentir uma vertigem, que era sempre maior quando ele tomava o soro vermelho. “Eram jeitos muito diferentes de ver o mesmo trem”, pensou.

Um dia de domingo, a viu chorando ao falar sobre o futuro a uma tia. Ao vê-lo, enxugou as lágrimas e sorriu mal-disfarçando. Ele ficou pensando muito no futuro e de como seria bom se pudesse dizer o que aconteceria nele para que ela não ficasse com medo. O futuro. “Por que ela tem medo do futuro, mas não tem do passado ou do presente?”

Na volta do hospital aquele dia, ficou aguardando o subúrbio que não pararia. Recebera o soro vermelho e estava com vontade de sentar em qualquer lugar, mas permanecia como sempre, em pé segurando a mão dela. “É esse?” “Ainda, não!” foi a resposta; mas os trens que eles esperavam não eram os mesmos e ele se preparou. Olhou para o trem da forma como sempre fazia, mas dessa vez, não fixou os olhos e não conseguiu acompanhar as pequenas cabeças dentro dos vagões. Viu outra coisa. Viu o trem passando. Olhou para frente e viu o trem que tinha acabado de passar, olhou para trás e viu o trem que ainda não havia passado. Na sua frente, o trem passando. “Quanto de trem passa agora?” – perguntou baixinho. “Já vem”, ouviu dela. Era fácil saber quanto de trem ainda faltava passar, quanto de trem havia passado, mas muito difícil saber quanto de trem passava exatamente agora na sua frente. Só uma fatia muito fininha de trem, mais fina que ele, mais fina que seu dedo magrelo, que ele colocou entre o nariz e o trem, “passa agora”. O resto ou já passou, ou passará. Então, o subúrbio tinha três partes que passavam ao mesmo tempo. “A que falta, a que passa e a que já passou, mas é o mesmo trem”. Se divertiu muito com a ideia de que quando voltava a cabeça em direção à frente ou ao final da composição, a fatia-fininha-do-trem-que-passa-agora também podia mudar de lugar e imaginou as pessoas em outros pontos da plataforma tendo as mesmas sensações. Só então fechou os olhos. Uma certa tontura um pouco diferente o acometeu. Eram muitos e complexos pensamentos. Imaginou um trem gigante e muito comprido que nunca parasse de passar e achou que isso era muito parecido com a vida das pessoas.

“Não precisa ter medo do futuro” – disse, ainda com os olhos fechados, e riu. “Vem, menino. Abriu as portas. Cuidado com o buraco”. Ela puxou-lhe pela mão e fez com que entrasse no subúrbio, novamente transformado em trem parado na estação.