Alguma coisa está fora da ordem
No Globo de ontem, duas notícias me chamaram atenção e me lembraram a música do Caetano.
Primeiro foi o lançamento, anteontem, do maior engôdo dos últimos tempos: o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Explico o porquê do engôdo. Depois de anos de esquecimento, as universidades federais do pais estão sucateadas. É uma triste realidade, mas convido qualquer um, você leitor querido, o ministro da educação ou o presidente Lula; a fazer uma visita as instalações do meu, que é um dos mais respeitados e produtivos institutos de pesquisa do país.
Na semana passada, realizamos o encontro presencial do curso de capacitação de gestores da e-TEC, a escola técnica aberta do Brasil. Como eu sou coordenador do curso, procurei realizar todas as atividades do encontro presencial na UFRJ, porque acreditava que teríamos tudo que fosse necessário a mão. Ledo engano. O laboratório de informática da biblioteca não possuia computadores em rede, os banheiros do auditório da decania do CCS não eram limpos há 15 dias e os participantes, quase 100 professores de escolas técnicas de todo Brasil, tiveram de segurar a bexiga enquanto eu falava e transpirava, porque o auditório também estava com o ar-condicionado quebrado.
Posso ainda lembrar do recente evento dos funcionários da Light (distribuidora de energia elétrica do Rio de Janeiro) adentrado os corredores da reitoria para cortar a luz, já que a conta não era paga há meses. O índice de roubo de carros na cidade universitária é um dos maiores do Rio e o bandejão vem sendo empurrado com a barriga há pelo menos dois anos. O próprio secretário estadual de C&T do Rio, Alexandre Cardoso, no seu discurso de posse, mostrou-se indignado com a situação do reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, cuja maior preocupação é a de pagar a conta de luz. No ano passado, uma aluna se queimou com ácido em um acidente causado pela queda de um garrafão de água destilada. Não foi o suporte que prendia o garrafão na parede que cedeu. Foi a parede!
Nesse contexto, o governo propõe as universidades um aumento de 20% da verba, condicionado a inclusão da universidade no REUNI: um pacote de medidas que visam aumentar a produtividade da universidade. Criar mais vagas, mais cursos, aprovar mais alunos etc. Tudo muito correto, muito bonito e muito inviável. Por uma razão simples: os 20% a mais no orçamento não são suficientes nem para recuperar o sucateamento dos últimos 10-15 anos, quanto menos para criar os 36 novos cursos e 3.350 novas vagas que o programa prevê.
Com água pelo nariz e prestes a se afogar, sob o peso de forte pressão política, o reitor não tem opção a não ser aceitar o pacote de medidas para ter os 20% na mão. Ele não pode se dar ao luxo de discutir seriamente a proposta e o REUNI é enfiado goela abaixo da comunidade academica encadernado em papel 180 gramas.
Não tem como funcionar. Mas pelo menos não vai funcionar com 20% a mais de verba para o reitor. É isso que a comunidade academica reluta em entender. e por isso que estão todos reclamando do pacote no Globo de ontem. Os 20% são um paleativo. O reitor assinaria qualquer coisa para tirar a água do nariz e deixá-la no queixo. O MEC sabe disso, assim como sabe que as propostas são impossíveis. Se isso vai ser usado lá na frente contra a própria universidade, eu não sei. E parece que o reitor não quer saber também. Afinal, ele tem uma conta de luz pra pagar.
Como fazer, em meio a esse caos, para estimular jovens professores e pesquisadores, inovadores, produtivos e cheios de energia, a ficarem no Brasil? Não dá! E o que o governo faz para reverter essa situação? Essa é a segunda reportagem: suspende as bolsas de doutorado pleno no exterior.
O drama da CAPES é a evasão de cérebros. Quando um aluno vai fazer o doutorado pleno no exterior, fica pelo menos 4 anos fora. As pessoas lá fora não são mais inteligentes do que nós, mas em geral tem mais dinheiro e melhores condições de vida e de trabalho. Durante 4 anos fora trabalhando duro, são poucos aqueles que mantém um vínculo acadêmico-político (esse último tão importante quanto o primeiro) com universidades ou outras insitituições de pesquisa no país. E vocês sabe; quem não é visto, não é lembrado. Quando termina o doutorado, como convencer alguém a voltar ao Brasil para ser desempregrado (real, porque não consegue emprego, ou funcional, quando consegue um sub-emprego onde não tem condições de trabalho)?
É verdade que muita gente sabe disso até mesmo ANTES de sair do país. E que se assina um termo de compromisso que voltará ao país, e blá, blá, blá. Mas é bom lembrar que nenhum, NENHUM, programa de recém-doutores da CAPES ou do CNPQ sobreviveram para entrarem no segundo edital. Todos pereceram antes. E pelos mesmos motivos: falta de dinheiro e falta de vontade política para criar uma política de longo prazo de C&T para o país. E pelo visto, não é o PAC da C&T que vai solucionar essa pendenga.
Há mais de 20 anos, o Brasil investe em pós-graduação sem investir em infra-estrutura nas universidades e centros de pesquisa. É isso que está fora da ordem. E agora, com um monte de doutores desempregados funcionais, continua sem querer investir em infra-estrutura. Afinal, é mais fácil suspender as bolsas de doutorado pleno no exterior do que enfrentar o congresso para acabar com o contingenciamento de recursos para C&T no Brasil.
Discussão - 6 comentários
Prezado, li seu texto e posso lhe dizer que essa não é a realidade da UFMG. Por aqui estão sendo feitas muitas melhorias e obras na universidade. Estudo na UFMG desde meus sete anos onde fiz o primeiro grau, o curso técnico, a engenharia e meu mestrado.Percebi que a UFRJ parece estar abandonada. Acho que deve faltar vontade política. A UFSJ támbem cresce muito e já conta com cinco campos em Minas Gerais. Dizem que já é a quinta do país. ...não sei o que acontece..Reinaldo Trindade Proença
Notícia de "O Globo on-line" de hoje (transcrita para facilitar quem não quer se inscrever):«RIO - Gastronomia, relações internacionais, gestão pública, saúde coletiva, história da arte, nanotecnologia, ciências forenses... São múltiplas as escolhas que se avizinham para candidatos a alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Pelas metas do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), serão 16 os novos cursos que a UFRJ pretende abrir nos próximos cinco anos - fora 20 cursos existentes que já começam a disponibilizar mais vagas e turnos - para expandir de 7.000 para 9.500 seu número de alunos. Já em 2009, a UFRJ pode vir a oferecer formação em gastronomia, relações internacionais, gestão pública e saúde coletiva» (O grifo é meu).Cursos de "giz-e-apagador" (quadro, não precisa: escreve na parede...). O de "gastronomia" (imprescindível!...) provavelmente deve funcionar no "bandejão"... "Faz de conta que me dá uma verba e eu faço de conta que dou um curso superior". Pelo menos, deve pagar a conta de luz...
Excelente post, um dos mais lúcidos que já li sobre a situação da educação superior no Brasil. O grande problema é que temos políticos e não estadistas. Nossos governantes têm visão de curto prazo, e mesmo esta das mais medíocres. Não entendem que a pesquisa científica de qualidade, associada a uma política científica de longo prazo, são indispensáveis inclusive para garantir a segurança nacional. Infelizmente, parece que os únicos interessados neste assunto somos os acadêmicos e pesquisadores sérios, mas pregamos aos peixes, porque os homens e os políticos não nos querem ouvir, os primeiros por ignorância, os últimos por burrice.
Caro Reinaldo,A realidade da UFMG é hoje bem diferente da maioria das IFES do Brasil pelo fato de que obtem uma enorme quantidade de recursos por via do capital privado, sem falar que cobra matricula dos alunos (o que foge ao carater publico da IFES) e vende serviços a empresas particulares. Por tanto, podemos dizer que esse abandono e sucateamento tambem nao é caracteristico da Estacio de Sá e outras universidades particulares. Mas se refletirmos sobre a proposta de existencia de uma universidade publica, nao faz muito sentido se ela estiver submetida aos interesses do capital privado. Principalmente pela produçao de tecnologia e realização de atividades de extensão, que deveriam servir aqueles que nem sequer entram na universidade e ainda assim pagam por ela atraves dos impostos.abraços
Caro colega,Já ouvi muitas críticas ao REUNI e sei que elas não são vazias de conteúdo. No entanto, fui e sou professor de mais de uma IFES e não vejo a coisa de forma tão pessimista.A UFRJ vai mal por vários motivos que vão desde o governo federal até a administração local. Por exemplo: a administração de uma das federais em que trabalhei conseguiu a isenção de todos os impostos estaduais e municipais; ou seja, não pagava o ICMS da energia elétrica, por exemplo. Não sei se a UFRJ fez isso. Já cursos de extensão não são "o mal absoluto": são sim uma possível fonte de renda alternativa, que, com a regulamentação adequada e sem exageros, pode ser muito boa para a universidade e para a sociedade. Num das unidades em que trabalhei o dinheiro desses cursos serviu para montar um pequeno auditório com ar-condicionado.Não adianta querer que o governo resolva tudo; nenhum governo vai fazer isso. E venhamos e convenhamos: num país cheio de problemas como é o Brasil o ensino superior não pode ser prioridade número um de nenhum governo. Quanto às bolsas no exterior, a CAPES por exemplo só segue o que a FAPESP de SP fez há algum tempo; logo que eu fui fazer doutorado, a FAPESP cortou o auxílio para o exterior (pós-docs aí inclusos). E eu ouço falar que não há empregos no Brasil para doutores mas já participei de bancas e vi concursos em que não se inscreveram candidatos: cadê a multidão de doutores desempregados? Ah, é, eu esqueci: não há empregos no eixo Rio-SP (os concursos de que falei eram em outras regiões)...Enfim, criticar é fácil e importante, mas é necessário também fazer a crítica da crítica, o que também não é muito difícil...
Concordo com o Ítalo.Eu fiz parte do meu mestrado no CCS da UFRJ e tudo muito me lembrava a faculdade que fiz graduação, a UFBA, em que poucos laboratórios eram ajudados por recurso de projetos particulares e somente poucos campus, como de administração/direito e medicina n eram sucateados...Estimulo para ficar no BR é o que pouco se tem.