Não sou blogueiro


Acabo de voltar do encontro de Blog de Ciência em Língua Portuguesa, em Ribeirão Preto. O encontro foi muito legal. Especialmente a parte da confraternização no Pinguím, o (dito) melhor chopp do Brasil.

Mas minha primeira conclusão é que eu não sou blogueiro. Tenho um blog, mas não sou blogueiro. Meu viés acadêmico de professor e pesquisador é forte demais e me vi com preocupações diferentes daquelas dos blogueiros.

Na minha opinião, o tema central do encontro foi para quem e para que blogar ciência. E os blogueiros tinham respostas para ambas perguntas. Diferentes das minhas.

Os blogueiros queriam blogar para os blogueiros! O blogueiro é o público alvo do blogueiro. Os blogueiros de ciência querem blogar para que os blogueiros de política, humor, variedades, leiam ciência; e se tornem melhores blogueiros de política, humor, variedades. São pontos importantes, mas para mim, não é suficiente.

Vejo três problemas em visar um público de blogueiros. O primeiro é que é um público pequeno; o segundo é que é um público restrito (um nicho que, se já não está saturado, vai saturar) e o terceiro é que esse não é o público que acessa, massivamente, os blogs de ciências atualmente.

Eu acho que a principal razão para escrever para os blogueiros, é porque é mais fácil. São os ‘pares’. Fácil porque acredito que os blogueiros sejam, em geral, leitores com critério. Certo, tem a grande massa de adolescentes, de Miguxos (juro que nem sabia o que eram), criando blogs para contar “com quem ficou na festa de ontem”, usando uma linguagem própria. Não estou levando esses em conta. Os blogueiros a quem me refiro podem não saber ciência, mas tem, na sua maioria, senso crítico para aprender ciência. Ou pelo menos para entender uma explicação sobre o porquê das coisas. O problema para o blogueiro de ciência, passa a ser, então, despertar a atenção do blogueiro não cientista para coisas que ele acha legais. Por isso que um dos temas mais falados no encontro foi a importância de um título controverso, do posicionamento da ciência em uma boa polêmica. E isso, despertar atenção para a ciência, não é fácil. A ciência básica pode ser muito chata e as controvérsias interessantes, muito difíceis, mesmo para os iniciados.

Será que vale o sacrifício para esse público que, no Brasil, é pequeno, muito pequeno? E pior, que não tem para onde crescer?

Sim, não tem para onde crescer. Não temos um público consumidor de ciência porque não temos um público capaz de consumir coisas muito menos difíceis do que ciência.
Abre parênteses: É por isso, inclusive, que acredito que a outra preocupação levantada no encontro, a pseudociência, é tão alarmante. A pseudociência é construída de acordo com as expectativas do leitor. É mais intuitiva, tão mais fácil quanto falsa. Fecha parênteses.

O PISA do ano passado mostrou que estamos entre os piores países avaliados no que tange leitura, matemática e ciências. Como querermos que as pessoas leiam blogs de ciências? Como podemos querer que as pessoas leiam?

Ainda que seja mais fácil, não podemos escrever apenas para o nosso pequeno público consumidor de blogueiros, por que, em breve, esgotaremos ele. Precisamos criar o público! Precisamos escrever não só para informar, mas para criar um público para informar. Se escrevermos apenas para que os blogueiros se tornem melhores blogueiros, não teremos público no futuro, quando (se) a moda dos blogs passar. Temos que criar uma massa de leitores ávidos por ciência. Ávidos pelo poder do saber. Temos que criar leitores com critério.

Os blogs podem ser uma ferramenta poderosa para criar esse público. Vai dar trabalho, mas ciência quase sempre é difícil. Ciência sempre dá trabalho. Não vamos partir para o mais fácil na hora de escrever, não é?!

Mas sabe qual é a melhor razão para isso? São os leitores dos blogs, hoje.

A massa de leitores de blogs de ciências, considerando o VQEB (mas o testemunho dos outros blogueiros sugere que é um fenômeno amplo), são estudantes em busca de informação para fazerem trabalhos da escola ou faculdade. Temos vários indicativos disso:

  • 80% do tráfego do VQEB chega através do Google e outros mecanismos de busca, usando palavras chaves relacionadas com ciências.
  • Entre as páginas mais acessadas do VQEB estão textos didáticos, como o sobre seleção natural, publicado em 2002.
  • O acesso ao blog é flutuante, com picos as 4as feiras e o vales aos sábados (quando, felizmente, parece que as pessoas ainda tem coisa melhor pra fazer do que ficarem grudadas na tela do computador).
  • A outra é uma flutuação anual, com picos em Abril e Outubro e quedas em Julho, Dezembro e Janeiro.
Outro parênteses: entre 10-15% dos acessos são oriundos de links em outros textos (a comunidade blogueira) e os 5% restantes são acessos diretos, nossos poucos leitores fieis que chegam a saber o nosso endereço. Fecha parênteses

Verdade que entre os 80% ainda temos os “paraquedistas“: aqueles internautas que entram na página e ficam poucos segundos. Que são trazidos por alguma manchete ou fotografia e saem sem nem mesmo ler o texto. Ou que digitaram ‘sexo selvagem’ na espera de encontrar alguma ponografia quente e encontram, no VQEB, um exemplo de reprodução sexuada de morcegos. O fenômeno acontece também nos blogs de ciência para grandes massas, como o do jornalista científico Reinaldo Lopes, que escreve para o G1.

São os “internautas sem critério” que o Luli Radfaher falou na palestra do ‘Oi Futuro’, ou os “excluídos com Orkut” como disse a Sonia Rodrigues no projeto ‘Rio Biografias’. Uma nova classe de personagens do ambiente virtual que são os excluídos funcionais do sistema educacional, aquelas pessoas que tem pouco potencial para desenvolver sua própria opinião porque tem pouca capacidade de identificar elementos em um texto, interpretar em função do que está sendo lido ou não dos seus próprios pré-conceitos; mas que agora começam a participar do ambiente virtual. Mas só para circular, consumir. Parece a rua das Pedras em Búzios: todo mundo vai e vem, e ninguém come ninguém.

Mas essa é a grande massa de pessoas que entra no blog! A gente não precisa chamar eles. E seria uma irresponsabilidade, além de um desperdício, não escrever para eles. Eles são o público que pode crescer. Eles são o público que a gente pode criar.
Que darão não 20 mil, mas 20 milhões de acessos por dia! Uma dia (eu espero).

O que eu acho bacana é que escrever para eles também pode ser escrever para os blogueiros. “Só se escreve para nós, ou para todo mundo” me disse hoje a Sonia Rodrigues. Por que o importante não é a informação que você dá no seu texto, mas a pergunta que o cara faz quando lê o seu texto. Essa é universal, porque cada uma faz a sua, na linguagem que quiser, na linguagem que entende. Quem faz perguntas, aprende critérios. Se inclui. Vira público. Vira leitor. I EWCLiPo

PS: O II EWCLiPo será em Agosto de 2009 em Búzios, no Rio de Janeiro.

Discussão - 13 comentários

  1. Isis disse:

    Na realidade, acredito que o apoio dos outros blogueiros podem ajudar a difundir a ciência - entendi que era isso o discutido. Porque, ao menos eu, escrevo para todos. A idéia é democratizar o conhecimento científico na internet (!) e não torná-lo ainda mais reservado.

  2. Mauro Rebelo disse:

    Pois é Ísis, eu acho que tem diferença entre difundir ciência e 'criar público'. E acho que precisamos ter o maior número possível de pessoas fazendo os dois.

  3. Charles Morphy disse:

    Olá, Mauro!Não gosto muito do rótulo blogueiro e também acho restrito escrevermos apenas para quem está dentro da "máfia dos blogs" (sem conotação pejorativa). Na perspectiva de muitos, a questão da qualidade do que se posta na internet acaba sempre relacionada à métricas que não me dizem muito (como o tal technorati).Não criei meu blog para isso e, além do mais, meu pequeno público é formado especialmente pelos meus alunos e ex-alunos (que, na sua grande maioria, não têm blogs)... Minha idéia é divulgar a ciência e o porquê do conhecimento científico constituir nossa mais poderosa ferramenta para entendermos a realidade. Para quem quiser ouvir!Corremos grande risco ao nos tornarmos auto-referentes - não vemos nossos erros, não ampliamos nossas referências e acabamos por "pregar para os convertidos". Por isso gostei especialmente das discussões no EWCLiPo sobre alternativas à divulgação científica tradicional não apenas na rede.Abraço!

  4. Dulcidio disse:

    Mauro, Ísis, Charles,...Fiz questão de começar minha fala no EWCLiPo ratificando que antes de tudo sou professor. Virei blogueiro por acaso. E sinto muito Mauro, tem blog, é blogueiro!!!! 🙂 Mas é claro que, independente de rótulos, o que nos move é o prazer de divulgar o que gostamos. Neste ponto senti que todos no EWCLiPo são iguais! Mas nem por isso formamos uma massa homogênea. Também temos nossas diferenças marcantes. E isso também é muito bom!Penso que a formação de um público com critério seja produto direto das nossas ações. Escrevemos com paixão. E isso passa para os outros, sejam ou não blogueiros. Aos poucos, talvez muito mais lentamente do que queremos, vamos formando uma massa crítica.Um aluno meu no curso superior, formando em Física em 2008, e que foi estagiário nas minhas aulas no colégio ao longo deste ano (ele conheceu os dois - ou mais - lados!), deu uma definição para o meu blog que achei bem bacana e resume um pouco do que penso sobre blogar. Foi mais ou menos assim: "O seu blog é a aula que você gostaria de dar mas o sistema não deixa acontecer". E é por aí mesmo! No blog o sinal não bate. Não há limite no espaço nem no tempo. As coisas acontecem, sempre, continuamente. E lá tenho liberdade para fazer/falar o que quero. Não preciso ficar preso a um programa maluco nem pagar pau pro sistema. Escrevo o que me toca naquele momento. E os que vão chegando vão entrando em ressonância com o espírito da coisa e assim vamos criando um público que passa a ver a Física com outros olhos. Na prática a coisa é até bem simples. E por isso é que é bacana!Abraços!

  5. Mauro Rebelo disse:

    Gente... Quanta honra ter a turma do WECLiPO aqui no VQEB!Ok Dulcídio, você venceu. Tem blog é blogueiro :-)Ótima a definição do seu aluno. Acho que fazemos isso sim. O que eu acho mais legal no seu blog é que você contextualiza a física. E isso faz toda a diferença para quem quer aprender.Já não ter regras, eu não sei se facilita ou se atrapalha. Uma vez vi um cara dizer que poderia falar sobre um assunto por 3 min ou 3h. Ele era um professor. A definição do limite ajuda quem vai escrever a determinar a relevância e a quem vai ler a saber até onde ele quer/pode ir.Mas já pensou... se todo mundo gostasse do verde, o que seria do amarelo?Ainda bem que temos os blogueiros blogueiros, os blogueiros professore, blogueiros jornalistas...

  6. Carlos Hotta disse:

    Mauro,acho que a minha fala foi interpretada de forma errada desde o começo. Para mim é muito importante fidelizar o leitor porque desta forma podemos ajudar na tal "alfabetização científica". Digo isso porque este é o grande poder dos blogs, vc ter o leitor que te acompanhe e interaja contigo. A conseqüência é que o leitor que geralmente volta é quem conhece blogs e quem conhece os blogs geralmente é blogueiro. Por que não se preocupar com a massa que vem do Google? Por que eles vêm de qualquer forma! Se vc escrever com a intenção de fidelizar o leitor, a massa do google vem, se vc não fizer isso, ela vem também! A escolha de se buscar leitores fiéis não compromete de forma alguma a qualidade/tema de seus textos mas ela exige uma série de preocupações diferentes nos bastidores: é fácil assianr o seu feed? Vc incentiva os comentários no blog? Vc responde as discussões? Sua interface é amigável?De novo, só busco leitores mais fiéis porque é com eles que se "educa" usando o blogs. O povo do Google sai mais informado, sim, mas isso também se consegue com outras ferramentas.

  7. Atila disse:

    Mauro,Tb acho que fui mal compreendido. Disse que devemos nos preocupar em conhecermos e sermos conhecidos por blogueiros para conseguirmos divulgação em outros blogs.Com isso temos dois benefícios, atraímos leitores que já estão acostumados com blogs mas não conhecem blogs de ciência e conseguimos mais links, o que aumenta o Pagerank do blog e traz mais visitas do Google. Não acho que a autoridade de um blog no technorati defina a qualidade do mesmo, mas quem tem mais autoridade recebeu mais links e mais visitantes. A meta não é a autoridade em si, ela é só um reflexo.

  8. Leandro R. Tessler disse:

    Caros,Legal essa discussão estar aumentando. Uma das coisas que gostei no EWCLiPo foi justamente apreciar essa diversidade de blogueiros e de pontos de vista. Que bom que temos blogs de massa, blogs mais refinados, blogs mais polêmicos. Como vocês devem ter notado eu sou um blogueiro amador e nanico comparado com vocês. Nem sabia o que era o Tecnorati. Na vida real sou professor de Física. Como eu sou amador eu escrevo no blog porque gosto disso. Não tenho a menor ilusão de que a leitura de meus escritos vá transformar um criacionista em darwinista (infelizmente). Mas dá pano pra manga em discussões e ajuda as pessoas a pensar e a ter curiosidade pela ciência.Outra coisa que gostei no EWCLiPo foi ter conhecido os monstros sagrados da blogosfera científica brasileira e ter sentido o entusiasmo de todos nós, profissionais ou amadores, pela discussão de nossos temas. Até na mesa testosterona pura do Pinguim na quinta-feira à noite estávamos falando de ciência e aprendendo.Não devemos nos impor uma missão messiânica de trazer a cultura científica aos com-orkut ou sem-orkut. Devemos sim encher as orelhas dos transeuntes de pulgas que os façam pensar e transgredir, ir além.Pelo que entendi estamos todos fazendo isso, e com muita qualidade. Os blogs científicos brasileiros de qualidade têm um futuro brilhante pela frente. Isso está nos astros, no tarô egípcio e nas linhas das mãos de vocês!

  9. Mauro Rebelo disse:

    Rapazes (Carlos e Atila), talvez eu tenha me expressado mal também. O que eu quero dizer é que um blogueiro de esportes, por exemplo, não precisa criar público. Ninguém precisa de muito senso crítico para discutir futebol. Como dizem antes da copa, são 22 jogadores e 200 milhões de técnicos. Todo mundo está apto a dar palpite.Mas com a ciência é diferente. Não existe o 'grande público' capaz de aproveitar produtivamente a informação que o divulgador possa passar. Por melhor que eles sejam. E vocês (todos) são muito, muito bons.Talvez eu esteja sendo pessimista, mas a minha experiência coordenando os cursos a distância, com o público internauta diversificado (porém selecionado, já que são todos professores), sugere fortemente que o Brasil ainda não tem uma cultura digital. E a falta de critério que impede a formação dessa cultura digital, é a mesma que impede a formação de uma cultura acadêmica forte.Mas a gente chega lá!

  10. Igor Zolnerkevic disse:

    Interessante sua análise da massificação da internet.Há uma confusão inevitável entre "blog - a subcultura" e "blog - a ferramenta".Você não precisa ser um nerd/geek para usar um software de blog.De fato, se os nerds-geeks não são a minoria entre as pessoas usando a internet, vão ser em breve...

  11. Ecologista disse:

    A ciência no país ainda não é o nosso forte e nem tão divulgado. Até mesmo por isso que os profissionais que saem da faculdade não conseguem emprego fácil e boa remuneração. Mas considero uma boa iniciativa os blogs científicos, mesmo que o público alvo seja pequeno.

  12. Osame Kinouchi disse:

    Ops, só agora achei essa discussão aqui.Mauro, usando uma linguagem que não gosto muito, acho que você está dizendo que o problema da divulgação científica é a demanda, não a oferta.E que precisariamos criar demanda.Olha, se somarmos os compradores de revistas de divulgação, desde Super Interessante (ui!) até Scientific American, passando por outras (dê uma olhada em qualquer banca de jornal, não esquecendo as revistas de psicologia e história), eu acho que existe um público.Agora, qual a fração desse publico já constituido que lê blogs científicos? Eu acho que muito pouco, porque nossa blogosfera científica é nanica (200 blogs de qualidade variável, se tanto).Assim, eu acho que a demanda aparece depois da oferta. A demanda pela Scientific American Brasil apareceu depois da oferta.Não existe outro modo de criar demanda senão pela oferta de bons blogs, divulgados e conhecidos pela blogosfera em geral (pelo menos!). Por isso achei importante que pela primeira vez a classe dos blogs científicos foi representada no Best Blogs Brasil 2008. E uma coisa curiosa, existe alta correlação entre o rank Technorati e as indicações para melhor blog. O que causa o que?

  13. garrafa e mar disse:

    Em dois anos como blogueiro, poucas vezes li um texto tão brilhante como esse. Parabéns. A propósito da divulgação científica, lembro o caso dos CDs e DVDs piratas. Como? Nem tudo é funk e filmes de violência e sexo, existe muita coisa, digamos, "sofisticada" sendo consumida ali também. Existe um publico consumidor, bastante esperto, disposto a consumir uma ciência bem apresentada. Abraços

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