"Esse relâmpago fantasmagórico"

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Você provavelmente sabe que Roentgen descobriu os raio-X por acaso. E que eles levam esse nome justamente porque ele não tinha a menor idéia do que se tratavam aqueles prováveis raios, invisíveis, emitidos por uma engenhoca chamada ‘tubo de Crookes’ e que faziam brilhar, com um brilho amarelo-esverdeado, a distância, placas cobertas com platinocianeto de bário que estavam em um canto.
Vamos combinar, quem é que tem placas cobertas com isso em cima de uma cadeira em casa? Roentgen tinha. Mas vamos dar um desconto porque a casa também era o laboratório dele e essa era, já naquela época, uma conhecida substância fosforescente (e esse um fenômeno ainda longe de ser explicado).
Além do fato de Roentgen ter sido o primeiro contemplado do recém instituído premio Nobel de física em 1905, a sua descoberta traz outras curiosidades. Essa foi a tecnologia com menor tempo entre a sua descoberta e utilização prática. Isso mesmo considerando que esses raios eram tão misteriosos que raramente a primeira pessoa a observar um fenômeno foi aquela que visualizou a aplicação para o fenômeno.
A fluorescência a distância indicativa da emissão dos raios já havia sido observada pelo menos duas vezes antes de Toentgen. Primeiro pelo inventor dos próprios tubos catódicos, o brilhante físico inglês William Crookes e depois pelo também física Phillip Lenard, mas ambos desconsideraram o efeito como relevante e não dedicaram tempo a sua explicação.
Roentgen começou a testar o que os raios X NÃO podiam atravessar e segurando um cachimbo de chumbo contra uma chapa fotográfica durante a produção dos raios catódicos, descobriu que esse era um metal que bloqueava os raios X. Mas essa não foi a unica revelação. Como Roentgen estava segurando o cachimbo com os dedos, ao revelar a chapa fotográfica encontrou, além da sombra produzida pelo cachimbo, a silueta dos ossos de seus dois dedos.
“O que estou vendo não é um fenômeno científico, é do outro mundo, é definitivamente místico. O que meus colegas irão pensar desses raios X que, ao contrário da luz ou do ultravioleta ou mesmo das ondas Hertzianas, são capazes de revelar as partes mais escondidas do corpo humano, os ossos?”
Roentgen ficou tão assustado que não percebeu a enorme potencialidade de sua descoberta para a medicina.
Para ter certeza que os Raios X não eram uma alucinação, ele convidou sua mulher Bertha um dia depois do jantar para descer ao laboratório, colocou sua mão esquerda em cima de uma chapa fotográfica virgem e ligou seu tubo de Crookes. Em seguida, mostrou a Bertha a primeira radiografia jamais tirada (veja no detalhe. A mancha na imagem é a aliança de casamento de Bertha).
“Ah, meu Deus, estou vendo meus ossos. Dá impressão de que estou olhando minha própria morte”. Bertha também ficou horrorizada, e nem ela percebeu o que tinha em mãos.
Roentgen tinha consciência de ter feito uma grande descoberta científica e se trabalhou dia e noite, em completo segredo, durante as semanas que antecederam a reunião da sociedade físico-médica de Würzburg era porque queria evitar que algum dos muitos cientistas da Europa trabalhando com ‘Tubos de Crookes’ em seus laboratórios publicassem primeiro que ele os raios X.
Já o editor da revista teve uma percepção diferente do relatório apresentado por Roentgen, principalmente depois de ver a chapa da mão de Bertha e esse se tornou o artigo publicado mais rapidamente em toda a história da ciência: menos de uma semana.
Como se tratava de uma revista pequena, Roentgen mandou fazer separatas do artigo, acompanhadas das radiografias da mão de berta e dos pesos de chumbo e mandou para os físicos mais eminentes da Europa. Em menos de uma semana de novo, a foto era manchete de jornais como o Die Presse Alemão e o London Chronicles Inglês. A razão da publicidade era a incrível ferramenta diagnóstica para a Medicina, que o próprio autor não havia realizado totalmente, apesar de já ter percebido o potencial para estudar fraturas ou danos ósseos. Ainda no mesmo ano, um juiz norte-americano passou a aceitar as radiografias como prova na corte e abriu um outro filão de aplicação dos raios X.
Roentgen ainda publicou mais 3 artigos sobre os raios X, onde detalhava as propriedades desses raios e variáveis que afetavam essas propriedades. Nenhuma palavra sobre os usos médicos da sua incrível descoberta.
Até a descoberta dos raios X, os médicos podiam usar apenas os 5 sentidos para diagnosticar uma doença. Os raios X foram como um sexto sentido, uma visão além do alcance, e é difícil imaginar uma descoberta, ainda hoje, que tenha sido tão produtiva para médicos ou pacientes. Com o tempo, primeiro a absorção dos raios por sais de bário, e depois por outros compostos mais inofensivos, permitiu visualizar uma série de estruturas moles do corpo, como estomago e intestino. Era a radiografia de contraste. E em 1972, 50 anos depois de sua morte, um engenheiro de computação e um neurorradiologista ingleses criaram uma forma de bombardear raios X de múltiplos ângulos, focalizados em dinas seções do corpo. Essas laminas eram então integradas em um computador e conseguiam mostrar, pela primeira vez, de forma incrivelmente precisa, as partes internas do cérebro. Em menos de um século, a ciência transformara um papel brilhando no canto de uma sala nos escaner da Tomografia computadorizada.
Leitura complementar: O poder do Raio X – Revista Veja
Referências: Friedman M e Friedland GW. 1999. Wilhen Roentgen e os raios X. As 10 maiores descobertas da medicina. Capítulo 6. Companhia das Letras. 363pp.

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