A muda
Os cordados, animais que possuem coluna vertebral, apresentam um crescimento contínuo. Que pode ser mais lento ou mais rápido, mas por se contínuo é difícil de perceber.
Os artrópodes por sua vez não possuem um esqueleto interno. Seu esqueleto é externo e denominado exoesqueleto. Imagine um cavaleiro medieval: sua armadura é um exemplo perfeito de exoesqueleto!
Mas voltando aos artrópodes. Entre eles estão vários bichos nojentos, mas alguns bichos bonitinhos também. A Joaninha é um artrópode. Por causa do esqueleto externo, os artrópodes não podem ter um crescimento contínuo. Esse crescimento descontínuo acontece de tempos em tempos. Por que todos precisamos crescer, mesmo os camarões.
O momento de crescimento desses animais é, tão apropriadamente, chamado de muda. Por que eles efetivamente mudam seu exoesqueleto. Alem de permitir o ponto de suporte para os músculo, que possibilita que esses animais se movimentem, ele também funciona como um casca, um escudo, proteção. E novamente a armadura do cavaleiro medieval se presta a comparação.
Mas como acontece essa mudança? O animal se solta dela. Deixa ela ir.
Só que diferente do cavaleiro medieval, todos os músculos do animal estão ligados a sua casca. E pra se soltar… dói! Mas mesmo assim ele se solta. Por que todos precisamos crescer, mesmo os tatuís.
É nesse momento, no momento da muda, que o animal fica mais vulnerável. Sem a sua armadura ele está desprotegido e é uma presa fácil. Para não ficar a mercê dos predadores, em geral os animais se escondem durante esse período. Podem também sofrer da Síndrome de coração apertado. Parece com os ataques cardíacos humanos, mas não matam. O coração cresce rápido demais e fica apertado ainda dentro do peito antigo. A dor é tão grande que vai até o estomago (é melhor deixar o bicho quieto nessa hora!) A muda é um processo arriscado. Mas mesmo assim ele muda. Por que todos precisamos crescer, mesmo as libélulas.
Mas a muda também é um processo lindo. Um enxurrada de hormônios (que estavam dentro do animal mas ele nem sabia) tomam conta do pedaço, sinalizando que é hora de mudar. E os hormônios, a gente sabe, ninguém pode com eles. Depois de se soltar de sua casca, o animal cresce, muda. A nova casca é produzida vagarosamente. Muitas vezes é possível usar coisas da outra casca (Proteínas importantes, nutrientes e algumas boas recordações) deixa outras coisas que naquele momento parecem menos importantes (basicamente restos metabólicos e outras amarguras), mas ela nunca mais será suficiente. E é por isso que todos precisamos crescer, mesmo as cigarras.
Você pode pensar por que o animal não constrói sua nova armadura antes de se desfazer da primeira? É que ele nunca sabe quão grande vai ser a mudança. Nunca sabe o quanto vai crescer. Depende do clima, da disponibilidade de alimento, depende do DNA e… depende dos hormônios (e como a gente sabe, tudo que depende dor hormônios é imprevisível). Mas ele corre o risco. Por que vale a pena. Por que todos precisamos crescer, mesmo as centopéias.
A muda pode fazer coisas incríveis. Se algum membro se perdeu no exoesqueleto antigo, ele volta no exoesqueleto novo. Na verdade ele cresce novamente, no período em que acontece o crescimento. Uma nova casca pode apagar o danos de batalhas anteriores. Mudar é arriscado, mas por muitas razões vale a pena. Principalmente, por que todos precisamos crescer, mesmo as borboletas.
Algumas vezes, por um descontrole hormonal (malditos hormônios) o animal pode ficar longos períodos sem mudar. Ou pode ainda tentar crescer sem mudar. Isso causa fissuras no exoesqueleto que são mais doloridas que a muda em si. E ai ele vê que de um jeito ou de outro, tem que mudar. Não dá pra enganar os hormônios. Todos precisamos crescer, mesmo os Louva-Deus.
Mas isso quer dizer que o bicho (só sendo bicho mesmo) tem todo o trabalho de construir uma casca, que protege ele, do tamanho perfeito pra ele, ligar todos os seus músculos a ela, ficar ali, quentinho, quietinho e protegido pra… depois mudar? E ainda correr o risco de ser comido no processo? Parece estranho que alguém queira fazer isso. Mas quem pode saber que se passa na cabeça de uma mariposa? Talvez seja bom ter uma casa maior, talvez o brilho do exoesqueleto novinho seja sedutor… como saber?
O que podemos dizer é que todos temos que crescer. E todos temos que mudar, pra poder crescer. Até nós mesmos!
Discussão - 13 comentários
oportuno esse post. Acabei de presenciar a ecdise de uma aranha caranguejeira (foto: http://www.baixaki.com.br/usuarios/imagens/wpapers/528207-22028-1280.jpg). Interessante que minha esposa ao ve-la deita de costas em cima do "berço" de teia correu e me disse: "Sua aranha morreu!". Aí fui explica-la que isso é um processo para troca do exoesqueleto o que vai possibilitar o crescimento da aranha. No dia seguinte a aranha já estava saindo da antiga "casca", linda!
Adorei o texto!!
perfeito para trabalhar com crianças.
parabéns!
Os moluscos gastrópodos e bivalves apresentam um outro modelo de crescimento. Também possuem um "esqueleto" externo, mas eles não se desenvolvem por mudas - o crescimento se dá pelo acréscimo nas bordas das conchas. As tartarugas apresentam algo similar em sua carapaça.
[]s,
Roberto Takata
Parabéns pelo texto. Ficou muito bacana. Inclusive estava estudando os Arthropoda hoje na universidade. É incrível o quanto podemos aprender com nossos ancestrais, mesmo os mais antigos como é o caso dos invertebrados.
eles sentem dores?
E como!
O autor fica sempre feliz quando agrada. O texto não é novo (escrevi já tem um tempo), mas é muito atual. Não percam de vista a metáfora: ela está lá. Alias, acho que esse texto é um excelente exemplo do que em escrita chamamos de intenção do autor (aquilo que eu quis dizer e que vocês dificilmente poderão saber), intenção do leitor (aquilo que cada um entende quando lê, baseado em suas experiências anteriores, o que fica claro nos comentários) e a intenção do texto (aqueles elementos escritos e descritos, que não deixam a interpretação solta, afinal, o que eu digo dos artrópodes é tudo verdade). Um abraço,
mauro, a analogia/metáfora está muito boa. Não comentei o post anterior, mas ele tbém está ótimo. Vc anda precisando/querendo mudar? Está se adaptando à novas condições do meio?
bjos leiloca
Sempre Leila, sempre.
Lindo.. se encaixou perfeitamente na minha vida neste momento..
O nome do blog não poderia ser melhor também..
Nós que somos biólogos (eu ainda não, to quase lá) realmente não observamos a natureza.. nos sentimos parte dela.. e você retrata isso muito bem..
Parabéns!
Sensacional! É um texto que nos induz à refletir. Particularmente, os hormônios durante as mudanças, me chamou a atenção. Meses atrás, estudando para um trabalho de citologia, me deparei com a atuação dos hormônios no sistema nervoso central. São várias as reações emocionais influenciadas e induzidas por essas substâncias, que cheguei a me perguntar:"O que sou? Hormônios ou algo que controla a produção dos hormônios?". Ou seja, ser ou não ser.
Parabéns por mais um texto sensacional.
Até mais!
como ignorante, ainda estou intrigado com o lance da dor
é uma dor como a nossa? qual orgão/estrutura envolve essa sensação de dor? algum tipo de sistema nervoso?
desculpa perguntar coisas bestas, mas fiquei curioso
Eita! Num é que estou vivenciando essa muda!!! Seu texto se encaixa perfeitamente...Mudar...E como vale a pena!!!
Abs,patricia.