Blogs de ciência e Inclusão digital
Versão completa da entrevista a Sonia Rodrigues no Blog Inclusão Digital de O Globo.
Queria começar agradecendo à Sonia o convite para a entrevista. Ainda há muito preconceito no meio acadêmico quanto aos blogs, e acredito que haja 3 razões: primeiro o pânico dos acadêmicos em colocar seus dados em qualquer outra mídia que não sejam os tradicionais artigos científicos em revistas indexadas; segundo que apenas essas revistas contabilizam para o currículo do CNPq e outras agências; e terceiro, um preconceito maior ainda com novas ferramentas que são usadas na internet, principalmente, para entretenimento.
Sonia: Queria que você falasse um pouco sobre blogs científicos. O que é mesmo um blog científico?
Mauro: São blogs que falam de descobertas científicas (tanto as novas quanto as históricas), a vida e obra de cientistas, mas principalmente, sobre a ciência no cotidiano das pessoas. Está todo mundo ouvindo falar na TV de genoma, terapia celular, células tronco, clonagem, nanotecnologia, computadores quânticos, mas sem que haja uma verdadeira ‘tradução’ do que significam esses termos, e o que as tecnologias desenvolvidas a partir dessas descobertas científicas podem realmente trazer de benefícios para a sociedade. Os blogs científicos oferecem uma possibilidade do cidadão comum se informar ou se esclarecer sobre essas coisas, que é verdade, podem ser muito complicadas. O mais importante é que os blogueiros científicos possuem um compromisso com a ciência do que eles estão divulgando, mas que com a notícia. Nem sempre um jornal ou programa de TV pode valorizar isso. É claro que nesse processo os blogs acabam falando de outros assuntos ligados direta ou indiretamente a ciência como educação, política, tecnologia, saúde e religião. Houve, por exemplo, um grande esforço na comunidade de blogs científicos para explicar o que os cientistas realmente sabiam sobre a gripe H1 para tentar amenizar o sensacionalismo das notícias. Ainda são poucos, infelizmente, os blogs científicos especializados, que fazem o que chamamos ‘cadernos de protocolo’, onde cientistas divulgam os resultados de suas pesquisas para o publico diretamente do laboratório para a grande rede. Para quem quiser saber mais sobre o que é um blog científico, nos dias 25 a 27 de Setembro realizaremos o II encontro de blogs científicos em Arraial do Cabo (RJ).
Sonia: De que maneira esse movimento de blogs científicos se relaciona com inclusão digital?
Mauro: De diversas maneiras. Acredito que a melhor forma de desmistificar a tecnologia, é desmistificar a ciência por trás dela. A exclusão digital que observamos hoje é resultado da exclusão científica que vimos observando há muito tempo. Hoje tudo de importante que acontece aparece na televisão, no computador, no celular. Mas quando eu entro na sala de aula e pergunto quem foi Maxwell, o físico escocês que descobriu que campos elétricos variando rapidamente deveriam gerar ondas eletromagnéticas que se propagariam no espaço, o que é a base da tecnologia de todos esses aparelhos, todo mundo acha que ele é só o nome de uma marca de CDs. As equações de Maxwell são realmente difíceis, mas ninguém precisa aprender elas pra saber o que elas explicam. É verdade também que ninguém precisam saber o que elas explicam para poderem usar um celular, mas se soubessem, saberiam que um vídeo na internet que coloca um ovo sendo cozido entre dois celulares que se comunicam só pode ser uma montagem. Para mim, sem inclusão científica, não há inclusão digital. E os blogs de ciência ajudam na inclusão científica.
Mas também há o oposto: não há como fazer inclusão científica hoje sem inclusão digital. Vivemos em um mundo saturado de informação (em boa parte produzida pela ciência) e precisamos muito da tecnologia para acessar essa informação científica. Alguém que quisesse se informar sobre ciência há 50 anos, ia a uma biblioteca, hoje tem que ir a internet. Se ela não sabe usar o computador… Isso também prejudica os futuros cientistas. Hoje, as metodologias da ciência são todas de alta tecnologia. Antigamente os estudantes precisavam aprender a misturar líquidos em frascos, usar uma balança, uma pipeta. Hoje tem de operar espectrômetros de massas, citômetros de fluxo, microscópios confocais e outros aparelhos, todos digitais, que são delicados e complexos. Tudo passa pelo computador.
Sonia: Você conhece a ferramenta “Google Wave” em teste? Poderia falar um pouco sobre isso?
Mauro: Essa me parece uma nova ferramenta para uma velha idéia: colocar os cientistas para colaborar online. Antes mesmo da WEB 2.0 já existiam programas capazes de fazer isso. O próprio PUBLIQUE!, software nacional utilizado para gerenciar o conteúdo WEB de dezenas de empresas publicas e privadas, ficou famoso mais de 10 anos atrás justamente por ser colaborativo. É maravilhoso que um documento possa ser editado por diferentes autores e que o conteúdo não seja limitado ao texto. Imagina clicar no nome de uma proteína (e eu trabalho com uma que se chama metalotioneína) e ver não só a foto ao lado da sua estrutura molecular, mas também abrir uma janela para movimentar a sua estrutura em 3D? Mas eu vejo dois problemas: o primeiro, como diz a própria entrevista, é a dificuldade para usar essas ferramentas. O segundo, é que os cientistas realmente não estão pedindo por elas. Eles ainda não sentem a necessidade disso. Entre em um departamento de uma universidade e tente explicar a um professor sênior, que até 5 anos atrás mal usava e-mail, que ele agora tem que escrever os artigos dele online de forma colaborativa. Você vai ouvir todo o tipo de resistências. Mas ai é que entram os alunos. Eles estão gerando a demanda. Minhas alunas no laboratório mandam ‘presentes virtuais’ umas para as outras, da loja de ‘presentes para biólogos moleculares’ do facebook. Eles usam as comunidades virtuais e estão dominando as ferramentas de colaboração. Os professores e pesquisadores vão ter de acompanhar.
Sonia: Gostaria que você comentasse também como o software livre e as ferramentas colaborativas funcionam na produção ou extensão no campo da ciência.
Mauro: Acredito que o conhecimento científico deve ser público e gratuito. Para isso o cientista passa pro 3 etapas: a produção do conhecimento, a sua verificação e a divulgação. O software livre tem participa de todas elas.
Para gerar conhecimento, a análises de muitos dados científicos são possíveis apenas através de programas de computador, por softwares muito específicos e utilizados por poucas pessoas. Esses programas geralmente foram subsidiados (direta ou indiretamente) e por isso são livres e de código aberto.
O principal mecanismo de correção da ciência é a discussão, a avaliação pelos pares. Essa verificação é feita principalmente no momento da publicação dos dados e por isso ambos se misturam. Ainda hoje o sistema de comunicação de dados científicos formal ainda são as revistas impressas. A discussão funciona, mas é muito, muito lenta. Os autores escrevem artigos, enviam para os editores, esses enviam para revisores, esses enviam de volta para o editor, que retorna para o autor. Quando publica, um leitor precisa escrever uma carta ao editor para poder fazer um comentário. Dá pra acreditar? Mas isso está mudando. Na revista científica especializada PLoS One o leitor pode dar nota e fazer comentários online em um artigo científico. No Brasil, a revista eletrônica Bioletim (www.bioletim.org), publica os estudantes de biologia em fase de revisão em um blog, para que possam ser revisados pelos colegas antes mesmo da publicação. O Bioletim é na verdade um portal de serviços pra comunidade acadêmica com muitas outras ferramentas colaborativas e foi todo construído com o software de código aberto DRUPAL (drupal.org). Ele é gratuito, modular, extremamente flexível e possui uma comunidade de desenvolvedores enorme, que produzem módulos para praticamente qualquer facilidade que você queira introduzir no seu portal. Hoje um cientista tem a sua disposição um grande arsenal de software livre para realizar qualquer uma das suas atividades e isso tem favorecido a divulgação da ciência e a inclusão científica.
Sonia: Gostaria que você sugerisse alguns links, se possível com uma linha de identificação de cada um.
Mauro: A melhor dica para conhecer um blog de ciência é visitar o Roda de Ciência (http://rodadeciencia.blogspot.com) onde diversos blogueiros publicam sobre um tema diferente a cada mês. Cada um tem o seu blog e publica nele o texto sobre o tema do mês, e direciona os comentários para a roda. O Blogs de Ciência (http://divulgarciencia.com) é um site português que repete os artigos publicados em vários blogs de ciência em língua portuguesa cadastrados. Pra quem lê inglês uma boa dia é o Science Blogs (http://scienceblogs.com). E é claro, o Science Blogs Brasil, onde está o meu blog ‘Você que é biólogo…’ (http://scienceblogs.com.br/vqeb) na ilustre companhia de vários colegas blogueiros da maior qualidade.
Queria começar agradecendo à Sonia o convite para a entrevista. Ainda há muito preconceito no meio acadêmico quanto aos blogs, e acredito que haja 3 razões: primeiro o pânico dos acadêmicos em colocar seus dados em qualquer outra mídia que não sejam os tradicionais artigos científicos em revistas indexadas; segundo que apenas essas revistas contabilizam para o currículo do CNPq e outras agências; e terceiro, um preconceito maior ainda com novas ferramentas que são usadas na internet, principalmente, para entretenimento.
Sonia: Queria que você falasse um pouco sobre blogs científicos. O que é mesmo um blog científico?
Mauro: São blogs que falam de descobertas científicas (tanto as novas quanto as históricas), a vida e obra de cientistas, mas principalmente, sobre a ciência no cotidiano das pessoas. Está todo mundo ouvindo falar na TV de genoma, terapia celular, células tronco, clonagem, nanotecnologia, computadores quânticos, mas sem que haja uma verdadeira ‘tradução’ do que significam esses termos, e o que as tecnologias desenvolvidas a partir dessas descobertas científicas podem realmente trazer de benefícios para a sociedade. Os blogs científicos oferecem uma possibilidade do cidadão comum se informar ou se esclarecer sobre essas coisas, que é verdade, podem ser muito complicadas. O mais importante é que os blogueiros científicos possuem um compromisso com a ciência do que eles estão divulgando, mas que com a notícia. Nem sempre um jornal ou programa de TV pode valorizar isso. É claro que nesse processo os blogs acabam falando de outros assuntos ligados direta ou indiretamente a ciência como educação, política, tecnologia, saúde e religião. Houve, por exemplo, um grande esforço na comunidade de blogs científicos para explicar o que os cientistas realmente sabiam sobre a gripe H1 para tentar amenizar o sensacionalismo das notícias. Ainda são poucos, infelizmente, os blogs científicos especializados, que fazem o que chamamos ‘cadernos de protocolo’, onde cientistas divulgam os resultados de suas pesquisas para o publico diretamente do laboratório para a grande rede. Para quem quiser saber mais sobre o que é um blog científico, nos dias 25 a 27 de Setembro realizaremos o II encontro de blogs científicos em Arraial do Cabo (RJ).
Sonia: De que maneira esse movimento de blogs científicos se relaciona com inclusão digital?
Mauro: De diversas maneiras. Acredito que a melhor forma de desmistificar a tecnologia, é desmistificar a ciência por trás dela. A exclusão digital que observamos hoje é resultado da exclusão científica que vimos observando há muito tempo. Hoje tudo de importante que acontece aparece na televisão, no computador, no celular. Mas quando eu entro na sala de aula e pergunto quem foi Maxwell, o físico escocês que descobriu que campos elétricos variando rapidamente deveriam gerar ondas eletromagnéticas que se propagariam no espaço, o que é a base da tecnologia de todos esses aparelhos, todo mundo acha que ele é só o nome de uma marca de CDs. As equações de Maxwell são realmente difíceis, mas ninguém precisa aprender elas pra saber o que elas explicam. É verdade também que ninguém precisam saber o que elas explicam para poderem usar um celular, mas se soubessem, saberiam que um vídeo na internet que coloca um ovo sendo cozido entre dois celulares que se comunicam só pode ser uma montagem. Para mim, sem inclusão científica, não há inclusão digital. E os blogs de ciência ajudam na inclusão científica.
Mas também há o oposto: não há como fazer inclusão científica hoje sem inclusão digital. Vivemos em um mundo saturado de informação (em boa parte produzida pela ciência) e precisamos muito da tecnologia para acessar essa informação científica. Alguém que quisesse se informar sobre ciência há 50 anos, ia a uma biblioteca, hoje tem que ir a internet. Se ela não sabe usar o computador… Isso também prejudica os futuros cientistas. Hoje, as metodologias da ciência são todas de alta tecnologia. Antigamente os estudantes precisavam aprender a misturar líquidos em frascos, usar uma balança, uma pipeta. Hoje tem de operar espectrômetros de massas, citômetros de fluxo, microscópios confocais e outros aparelhos, todos digitais, que são delicados e complexos. Tudo passa pelo computador.
Sonia: Você conhece a ferramenta “Google Wave” em teste? Poderia falar um pouco sobre isso?
Mauro: Essa me parece uma nova ferramenta para uma velha idéia: colocar os cientistas para colaborar online. Antes mesmo da WEB 2.0 já existiam programas capazes de fazer isso. O próprio PUBLIQUE!, software nacional utilizado para gerenciar o conteúdo WEB de dezenas de empresas publicas e privadas, ficou famoso mais de 10 anos atrás justamente por ser colaborativo. É maravilhoso que um documento possa ser editado por diferentes autores e que o conteúdo não seja limitado ao texto. Imagina clicar no nome de uma proteína (e eu trabalho com uma que se chama metalotioneína) e ver não só a foto ao lado da sua estrutura molecular, mas também abrir uma janela para movimentar a sua estrutura em 3D? Mas eu vejo dois problemas: o primeiro, como diz a própria entrevista, é a dificuldade para usar essas ferramentas. O segundo, é que os cientistas realmente não estão pedindo por elas. Eles ainda não sentem a necessidade disso. Entre em um departamento de uma universidade e tente explicar a um professor sênior, que até 5 anos atrás mal usava e-mail, que ele agora tem que escrever os artigos dele online de forma colaborativa. Você vai ouvir todo o tipo de resistências. Mas ai é que entram os alunos. Eles estão gerando a demanda. Minhas alunas no laboratório mandam ‘presentes virtuais’ umas para as outras, da loja de ‘presentes para biólogos moleculares’ do facebook. Eles usam as comunidades virtuais e estão dominando as ferramentas de colaboração. Os professores e pesquisadores vão ter de acompanhar.
Sonia: Gostaria que você comentasse também como o software livre e as ferramentas colaborativas funcionam na produção ou extensão no campo da ciência.
Mauro: Acredito que o conhecimento científico deve ser público e gratuito. Para isso o cientista passa pro 3 etapas: a produção do conhecimento, a sua verificação e a divulgação. O software livre tem participa de todas elas.
Para gerar conhecimento, a análises de muitos dados científicos são possíveis apenas através de programas de computador, por softwares muito específicos e utilizados por poucas pessoas. Esses programas geralmente foram subsidiados (direta ou indiretamente) e por isso são livres e de código aberto.
O principal mecanismo de correção da ciência é a discussão, a avaliação pelos pares. Essa verificação é feita principalmente no momento da publicação dos dados e por isso ambos se misturam. Ainda hoje o sistema de comunicação de dados científicos formal ainda são as revistas impressas. A discussão funciona, mas é muito, muito lenta. Os autores escrevem artigos, enviam para os editores, esses enviam para revisores, esses enviam de volta para o editor, que retorna para o autor. Quando publica, um leitor precisa escrever uma carta ao editor para poder fazer um comentário. Dá pra acreditar? Mas isso está mudando. Na revista científica especializada PLoS One o leitor pode dar nota e fazer comentários online em um artigo científico. No Brasil, a revista eletrônica Bioletim (www.bioletim.org), publica os estudantes de biologia em fase de revisão em um blog, para que possam ser revisados pelos colegas antes mesmo da publicação. O Bioletim é na verdade um portal de serviços pra comunidade acadêmica com muitas outras ferramentas colaborativas e foi todo construído com o software de código aberto DRUPAL (drupal.org). Ele é gratuito, modular, extremamente flexível e possui uma comunidade de desenvolvedores enorme, que produzem módulos para praticamente qualquer facilidade que você queira introduzir no seu portal. Hoje um cientista tem a sua disposição um grande arsenal de software livre para realizar qualquer uma das suas atividades e isso tem favorecido a divulgação da ciência e a inclusão científica.
Sonia: Gostaria que você sugerisse alguns links, se possível com uma linha de identificação de cada um.
Mauro: A melhor dica para conhecer um blog de ciência é visitar o Roda de Ciência (http://rodadeciencia.blogspot.com) onde diversos blogueiros publicam sobre um tema diferente a cada mês. Cada um tem o seu blog e publica nele o texto sobre o tema do mês, e direciona os comentários para a roda. O Blogs de Ciência (http://divulgarciencia.com) é um site português que repete os artigos publicados em vários blogs de ciência em língua portuguesa cadastrados. Pra quem lê inglês uma boa dia é o Science Blogs (http://scienceblogs.com). E é claro, o Science Blogs Brasil, onde está o meu blog ‘Você que é biólogo…’ (http://scienceblogs.com.br/vqeb) na ilustre companhia de vários colegas blogueiros da maior qualidade.
Discussão - 6 comentários
Bem legal a entrevista, Mauro!
Parabéns!!
Abraço,
Tatiana
Que pena, não falou do ABC... Vou te dar uma bronca no EWCLiPo...rs
Osame, imperdoável da minha parte. O Anel de Blogs Científicos (http://dfm.ffclrp.usp.br/ldc/index.php/anel-de-blogs-cientificos), tem cadastrados (todos?) mais de 120 blogs de ciência brasileiros (e alguns de portugal também).
Olá Sônia...
Muito importante einteressante a sua entrevista...
Convido você a participar de meu blog também
Um abraço... Dani Cocato
Olá Sônia...
Entrevista muito interessante a sua...
Mauro você está de parabéns...
Convido vocês a participarem de meu fórum...
Um abraço... Dani Cocato...
Olá Sônia...
Muito importante einteressante a sua entrevista...
Convido você a participar de meu blog também
Um abraço... Dani Cocato