T.S.N. Totalmente Sem Noção

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“Ele é mó TSN!”
Assim nos referíamos durante a faculdade aquelas pessoas que, mas do que nós (já que todos somos um pouco, ou eventualmente muito, TSN), tinham enorme falta de critério.
É verdade que o problema as vezes não é a falta de critério para avaliar uma informação, mas a falta de ferramentas para aplicar esse critério, mas isso é uma história para outro dia. Vou me ater agora a discussão da falta de critério mesmo.
O problema começa quando tentamos definir critério. Quando penso nele, me lembro da máxima que uma vez ouvi sobre o ‘bom senso’:
“Bom senso é a única coisa que todo mundo acha que já tem o suficiente e que não precisa de mais”.
Seria um mundo melhor se fosse verdade, não é mesmo?!
No livro “Cinco mentes para o futuro” de Howard Gardner, (presente da Soninha que eu terminei de ler no ano passado), ele sugere que precisamos de 5 ‘mentes’ para podermos viver bem no mundo contemporâneo:
“Com (…) elas, uma pessoa estará bem equipada para lidar com aquilo que se espera, bem como com o que não se pode prever. Sem elas, estará à mercê de forças que não consegue entender, muito menos controlar.”
Na descrição da primeira mente, a disciplinada, ele apresenta um mecanismo, ou uma atitude, que é aquela através da qual eu acredito que consigamos adquirir ‘critério’:
“A mente disciplinada é aquela que dominou pelo menos uma forma de pensar – um modo distintivo de cognição que caracteriza uma determinada disciplina acadêmica, um ofício ou uma prodissão. Muitas pesquisas confirmam que leva até 10 anos para se dominar uma disciplina. A mente disciplinada também sabe como trabalhar de forma permanente, ao longo do tempo, para melhorar a habilidade e o conhecimento (…). Sem pelo menos uma disciplina em sua bagagem, um indivíduo estará fadado a dançar conforme a música dos outros”
E sem ela, não terá chance de alcançar duas das outras ‘mentes’ importantes: a sintetizadora e a criativa (justamente porque lhe faltará… critério).
Vejamos um exemplo* da falta que o critério faz. Você sentou no buteco com os seus amigos que começaram a contar histórias.
1 – Milton conta impressionado que um amigo de um amigo seu, especialista em história da música, afirma que pode identificar se uma página de partitura é da autoria de Haydn ou Mozart. E que quando é submetido a um teste, em 10 tentativas, ele acerta todas.
2 – Barbosa conta que quando morou na Inglaterra, ouviu o zelador falar da Mrs. Surewater, que só tomava chá com leite, e que afirmava que podia identificar numa xícara que lhe fosse servida, se o leite ou o chá foram despejados primeiro. E que quando foi submetida ao teste, em 10 tentativas, ela acertou todas.
3 – Por fim Fernandinho contou que o seu amigo Richard, bêbado em fim de festa, afirmava ter a capacidade para predizer o resultado do lançamento de uma moeda honesta. E que quando foi submetido ao teste, em 10 tentativas, ele acertou todas.
Em qual dessas histórias você acredita? E em qual delas pode acreditar?
A explicação necessitaria de um outro post (ou de uma série de posts). Mas vou tentar resumir a duas respostas.
A estatística clássica diz que você pode confiar em todas, que não há razão para duvidar de nenhuma das 3. Porque ela é o que chamamos de ‘frequentista’ e trata esses eventos como ‘estatísticos’, ou, melhor ainda, ‘repetitivos’. Assim, basta confrontar os resultados com a hipótese de que eles acertaram por pura sorte (h0: p=0,5) e verificar que, com base nesses resultados, eles são capazes de fazer o que dizem (e assim rejeitamos h0). Mas você fica tranquilo com essa conclusão? Você apostaria dinheiro que seu amigo acertará na próxima moeda lançada? Ou que poderá enganar Mrs. Surewater na proxima xicará de chá que lhe oferecer?
Minha experiência prévia, que construiu o meu critério, me diz para apostar apenas na habilidade do amigo do Milton, especialista em história da música, em identificar corretamente a próxima partitura. Ainda que eu não saiba história da música a ponto avaliar se ele é realmente um bom especialista, capaz de acertar sempre, minha experiência com a minha disciplina, me diz que se você estudar bastante um assunto, é capaz de acertar (quase) sempre. Os meus parcos conhecimentos de teoria do Caos e mecânica de fluidos me dizem que é impossível que Mrs. Surewater saiba o que está fazendo, assim como os conhecimentos de estatística que o cotidiano nos dá já são suficientes para saber que o Richard não tem a capacidade de adivinhar a moeda, não importa o que diga o resultado do teste t.
O dilema aqui está relacionado com a diferença entre lógica indutiva e lógica dedutiva. Não podemos propor essa questão a estatística clássica, por isso a resposta dela não é válida. Como são problemas de lógica indutiva, como os são as hipóteses científicas e a maioria das nossas situações do cotidiano, não há como a conclusão ser obrigatoriamente verdadeira a partir das premissas, ainda que, verdadeiras. E isso já é problema demais para resolver. Não avaliar corretamente nossas premissas, as informações para chegar a uma decisão, é desperdiçar todo esse esforço.
Algumas decisões são simples: ‘sim’ ou ‘não’, (o que não quer dizer que elas sejam fáceis, dados o alcance e a magnitude das consequencias) e você não precisa de mecanismos sofisticados de decisão. Por isso (e mesmo quando as opções de escolha são mais complexas), vale muito mais a pena investir em informação para eliminar incertezas.
No texto anterior eu falei do mundo saturado de informação em que vivemos, e que a Internet facilita o acesso a ela, mas não nos ajuda a seleciona-la. Isso significa que sem você na interface, o Google tem muito pouca utilidade.
O Google não é uma referência! É preciso investir em você, e no seu critério.
Só que agora você está pensando: “Que saco!”, ou “Socorro!” ou simplesmente que tudo isso dá muito trabalho. E dá mesmo. Ainda conseguimos sobreviver sem ter de aplicar métodos estatísticos para as decisões do nosso dia-a-dia. Mas cada vez mais precisaremos avaliar informação para tomar decisões importantes. Aquelas que afetam a nós e as pessoas a nossa volta.
Por isso, exercite sempre o seu critério. Ou você pode virar o próximo TSN.
*Adaptado do exemplo no livro de “Introdução a estatística Bayesiana” do professor Paul Kinas (FURG).

Discussão - 2 comentários

  1. Zethi disse:

    www.joselitando.blogspot.com
    Clique e vai entender o que eu quis dizer. hahaah..

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