Titiririca na cabeça

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Em 1988 o chimpanzé (Pan troglodytes) do Zôo do Rio Macaco Tião (1963 – 1996) chegou em terceiro lugar, entre doze candidatos, na eleição para prefeito do Rio de Janeiro. Foram mais de 400 mil votos.
Mas por mais inteligentes que os macacos possam ser, nunca serão mais que um humano. Nem mesmo que o Tiririca. E ainda que tenha conseguido um terceiro lugar com um volume de votos de um terço do fenômeno das urnas de 2010, o Macaco Tião não era um candidato pra valer e nunca poderia ocupar o lugar que certamente lhe caberia em uma eleição para deputado ou vereador. Mas Tiririca ocupará. E se não for dessa vez, será em uma próxima. A cassação da sua candidatura por analfabetismo, na minha opinião, o transformará em um tipo de mártir e lhe garantirá ainda mais votos na próxima eleição.
Mas tenho que confessar que fiquei, assim como muitos de vocês, imagino, pensando no que leva 1,3 milhão de pessoas a votar em um palhaço semi-analfabeto que prega a ignorância através do deboche. Sim, porque eu entendo votar no Macaco Tião. É uma forma de protesto. Inclusive mais debochado e mais engraçado do que o do Tiririca. Afinal, o pessoal do Casseta & Planeta (que propuseram a candidatura do Macaco) é muito mais engraçado do que o Tiririca. Mas votar nesse cara fantasiado para deputado federal?! O que poderia ser?
Eu acho que sei. Uma parte pelo menos. Não é explicação definitiva, mas pode contribuir para esse que certamente é um fenômeno complexo, com diferentes forças atuantes. Pelo lado de lá, o despreparo, descrédito e a descrença nos políticos em geral, a propaganda, a imagem, a televisão, etc. Do lado de cá a lista também é ampla e eu incluiria a falta de opção, o protesto, o despreparo e a falta de educação da população em geral.
Mas eu também incluiria, no topo dessa lista, a falta de educação científica. “Mas como assim?!?!” Vocês vão dizer. “O que a ciência tem a ver com o Tiririca?!?!”
Uma população que não é educada e treinada em ciência não aprende a valorizar a evidência. Como disse Richard Dawkins na conferência TED de 2002:
“Na minha opinião, não é só a ciência que é nociva para a religião, mas a religião também é altamente nociva para a ciência. Ela ensina as pessoas a se contentarem com o trivial, com não-explicações sobrenaturais, e os cega para as explicações reais e maravilhosas que temos ao nosso alcance. Ela ensina a aceitar a revelação, a autoridade e fé, em vez de insistir sempre em evidência.”
Imaginem que Tiririca fosse candidato a piloto de avião e seu discurso fosse o mesmo:
“Vocês sabem o que acontece em uma cabine de 747? Eu também não! Mas vou contar pra vocês”.
Ele não teria como, mesmo que quisesse. Mesmo que quisesse muito. E aposto que nenhuma das pessoas que votou nele para deputado, votaria nele para piloto de um avião em que eles embarcariam.
Não há nenhuma evidência para apostar que Tiririca possa trazer alguma grande contribuição para a política nacional. Só a crença no sobrenatural pode levar alguém alguém a votar nele.

PS: Enquanto isso, a manchete do jornal “O Globo” de hoje diz que Dilma vai atrás dos votos dos religiosos no 2 turno. Que Deus nos proteja!

Discussão - 9 comentários

  1. Luciano Lucena disse:

    O brasileiro perde o país, mas não perde a piada.

  2. Caro Mauro,
    Me permita discordar - muito - de você. Não votei nem votaria no Tiririca, mas acho equivocada a sua afirmação de que
    "Não há nenhuma evidência para apostar que Tiririca possa trazer alguma grande contribuição para a política nacional. Só a crença no sobrenatural pode levar alguém alguém a votar nele."
    Política, em um sentido amplo, não é algo feito por técnicos ou por profissionais treinados (como um piloto de avião): é uma atividade que pode e deve ser realizada por qualquer cidadão. Tiririca pode ter sido eleito como representante político de parte da população, que se identificou com ele, seja por qual motivo for.
    Querer impor limitações técnicas para participação em governos é um pouco como voltar ao absolutismo, quando só podia fazer parte da corte quem atendia ao critério certo, que era ser de sangue nobre.
    Um abraço!

  3. Marcelo Hirosse disse:

    Não vejo nada contra a candidatura do Tiririca, pelo contrário. Oposto à grande massa ali presente, ele nasceu pobre, veio de baixo portanto conhece as dificuldades enfrentadas pelas pessoas menos favorecidas.
    Meu pai é analfabeto e considero ele um dos caras mais fodas que já conheci. Veio do nada e hoje é um profissional de sucesso sem ajudas externas, apenas dando duro.
    Analfabetismo não é sinônimo de ignorância, idiotas somos nós que pensamos entender de política mas não tiramos a bunda do sofá para fazer alguma coisa.

  4. Cícero Lourenço disse:

    Stephen,
    eu discordo em partes da sua argumentação. O cargo pleiteado pelo nobre Tiririca envolve todo um processo legislativo que por si só é batante complexo.
    Ter boa intenção não é o bastante para ser relevante. É exigido um nivel de conhecimento e vivencia bastante superior ao que normalmente um semi-analfabeto possui. O conhecimento dessa classe de cidadãos é baseado no senso comum e em sua vivencia, o que é consideravelmente insuficiente para exercer uma tarefa tão importante. Também nao podemos justificar a má escolhe desse deputado alegando existirem outros já graduados que insistem na corrupção, pois nao é porque essamos escolhendo um que devemos deixar tudo a Deus dará e ser conivente com os erros posteriores.

  5. Caro Cícero Lourenço,
    Viver é discordar... Você escreveu
    "O conhecimento dessa classe de cidadãos é baseado no senso comum e em sua vivencia, o que é consideravelmente insuficiente para exercer uma tarefa tão importante."
    A tarefa importante a que você se refere acho que é a representação política, e a classe de cidadãos que você cita é a que não teve educação formal. Ou seja, se eu entendi direito, você diz que só pessoas com educação formal podem representar politicamente pessoas sem educação formal: dá para ver uma contradição nisso, ou sou eu que sou maluco? Será mesmo que um "graduado" vai saber (ou querer) defender as necessidades e desejos de quem não é da mesma "classe de cidadãos" que ele?
    Um abraço!

  6. Cícero Lourenço disse:

    Stephen Dedalus,
    muito boa sua argumentação.
    Parece-me mais sensato que um alguem possuidor de uma educação formal consiga compreender a vivencia e necessidades de um leigo, do que o contrário.
    Mas acima de tudo, vale indicar que não temos como garantir que fulano será honesto e cumprirá com seus deveres pelo simples fato de conhecer o certo e o errado. Até mesmo conhecedores dos direitos cometem crimes.

  7. zymed disse:

    Em estado de choque com os resultados....

  8. gustavo disse:

    Tiririca foi uma alegoria utilizada para angariar votos, por um partido, foi apenas uma ferramenta para eleger quem não se elegeria se dependesse de si próprio por ter a ficha suja ou algum outro motivo, mas deixando de lado artimanhas da nossa classe politica, que são falhas da estrutura de nosso governo e deveria haver formas de barralas, e discustindo a postura da população nesse pleito com tiririca.
    O cargo publico é sim em muitos aspectos "técnico" mas tambem não, pois lida com ações sociais que envolvem circunstancias culturais variadas, simbolicas e isso ainda em diferentes classes, o que o torna passivel de por qualquer um no governo? pergunto! não, complica ainda mais a situação, são maiores ainda as exigencias para tal cargo, no ambito técnico é importante o conhecimento para não cometer erros que poderiam ser evitados por uma questão simples de calculos, experimentos ou revisões sobre o tema em questão, no ambito social esse é de maior complexidade, se tratando das necessidades sociais, penso que aqui não preciso me estender, sendo esses os quesitos basicos alem da compromisso com proposta de um governo, que é tornar o melhor possivel a vida do cidadão de forma igualitária (ou pelo menos deveria), isso que a população poderia visar como critério, na escolha de um candidato, não alguem que faz palhaçadas.
    Talvez pensamento cientifico poderia e muito ajudar aqui, a escolher melhor um candidato, em conjunto com conhecimento sólido, boas evidencias, para conseguir estipular bons critérios, e assim estipular a melhor escolha, o pensamento cientifico por esse entre outros fatores deveria ser mais estimulado, seria um bom caminho a se percorrer e assim aos poucos constitando melhorias e mais importante não perdendo as ja conquistadas, com palhaçadas.
    abraço

  9. robert disse:

    Parabéns aos que participam deste diálogo...nunca participo deste tipo de coisa porque sempre encontro um bando de loucos brigando, insultando uns aos outros e defendendo posições partidárias...aqui encotrei algo diferente. Parabenizo a todos pelo nível da conversa e a tolerância mútua. Em relação ao que discutem do Tiririca, daria para falar muito. Acho sim que não podemos analisar tudo apenas com parâmetros científicos. Acho que a educação sim é um fator de primeríssima ordem para melhorar o desenvolvimento humano, mas é algo tão amplo e tantos crtérios diferentes, que daria para discutir durante uma vida inteira.. O fato de analisar "científicamente" as coisas não garante 100% que chegaremos às melhores conclusões... e digo isto embora eu tenha uma educação científica forte, académica... o tempo e a vida mostrou-me que cientistas podem chegar a resultados bizarros e cometer erros terríveis tanto quanto os que se guiam apenas por crenças, religiões ou o que for... o ser humano e muito complexo. O mundo não é apenas "quente" ou "frio", "preto" ou "branco". Temos que estar cientes de nossas limitações como seres humanos não importa qual abordagem ou ferramenta usemos para analisar e entender a nossa realidade. A tolerancia, o respeito e a liberdade para exprimir diferentes opiniões são essenciais para poder continuar crescedo e progredindo na longa jornada do ser humano sobre este planeta... um dia a gente descobre que todos podemos errar, não importa se somos religiosos, cientistas ou que formos... sejamos mais humildes e objetivos. Errar faz parte do ser humano. Um abraço fraterno a todos, Robert

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