Careca de saber

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Me irrita! Como ciência ruim me irrita!! Como jornalistas que divulgam ciência ruim me irritam!!!
A Revista Época, que eu não assino mas vez ou outra leio em alguma sala de espera, publicou em 07/04/2011 a reportagem ‘O preço da Cabeleira’ sobre os efeitos adversos da Finasterida. Bom, deixa eu me corrigir. Não foi sobre os efeitos da Finasterida, a unica droga que, desde os tempos dos elixires contra calvice vendidos pelos ciganos na idade média, cumpre a promessa de fazer nascer cabelo de novo; mas sim sobre um artigo ‘bombástico’ publicado recentemente por um médico da universidade George Washington: Persistent Sexual Side Effects of Finasteride for Male Pattern Hair Loss de Michael S. Irwig e Swapna Kolukula (algo como ‘Efeitos colaterais permanentes na performance sexual decorrentes do uso de Finasterida para combater queda de cabelo masculina’). Uma reportagem sobre os efeitos da Finasterida mostraria lados bons e ruins, investigarias diversas fontes, faria uma avaliação crítica das evidências, concluiria com base nelas. Mas não, a suposta reportagem é mais uma cópia de press release feita por algum repórter que certamente não tem um mínimo de formação científica (aliás, como o médico autor do artigo, pra gente ver que MD não é PhD*).
Depois não sabem por que os cientistas implicam com jornalistas. É justamente por causa desse tipo de reportagem. Como dá trabalho investigar o assunto de verdade, eles fazem qualquer coisa.
Aliás, é justamente esse o problema do artigo, a razão pela qual ele nunca deveria ter sido publicado, e mesmo nunca ter sido nem concebido, e, finalmente, razão pela qual estou tão indignado escrevendo esse post: algumas pesquisas dão muito trabalho e por isso raramente são feitas. A questão é que isso não serve de justificativa para tentar se abordar o problema de uma forma simplista, que não só não ajuda a resolver a pendenga, como gera informação imprecisa, inacurada, incorreta, sensacionalista e confusa!
A Finasterida foi descoberta acidentalmente, diga-se de passagem, como o Sildenafil, principio ativo do Viagra. Ela are utilizada para tratar pacientes de câncer de próstata, que começaram a reparar no crescimento do cabelo (assim como os pacientes que utilizavam o Sildenafil pra regular a produção de óxido nítrico no coração reportavam a facilidade de ereção).
O mecanismo de ação não é tão elegante quanto o do Sildenafil, mas basicamente a Finasterida bloqueia a ação de uma variante da enzima 5AR que bloqueia a transformação da testosterona em diidrotestosterona. E dai? E dai que a diidrotestosterona é inimiga mortal dos folículos capilares. Destrói eles, levando a queda do fio e a calvice. Existem vários tipos de calvice, mas a causada pelo excesso desse hormônio é um tipo importante: aquele que pode ser revertido!
O problema é que a testosterona é um hormônio importante em toda a fisiologia masculina. Na feminina também, mas principalmente na masculina. Na verdade, é o hormônio que DETERMINA a masculinidade: força, libido, agressividade… tudo está ligado a testosterona. Imagina o que pode acontecer se interferirmos nesse balanço?
Mas para a ciência, o que pode ser imaginado sem poder ser testado não tem muita importância. Antes de lançar o medicamento no mercado, os laboratórios farmacêuticos tiveram de conduzir muitos estudos com pacientes. Esses estudos, reportados na bula de qualquer caixa de Finasterida, mostram que um percentual menor que 2% dos pacientes que tomaram Finasterida manifestaram disfunção na performance sexual (como perda de libido e dificuldade de manter a ereção). O número foi semelhante no grupo controle e no grupo que tomou o placebo. Ou seja, o problema não é da Finasterida!
Abre parênteses: vamos deixar bem claro que eu não sou financiado por nenhum laboratório farmacêutico, e nem defensor desses, cujo financiamento de pesquisas tendenciosas cria um dos maiores problemas de credibilidade nas publicações científicas da atualidade. Fecha parênteses.

Bom, mas por alguma razão, doutor Irwing, ficando careca ele mesmo como vocês podem ver nessa foto, preocupado com essa perda de performance, resolveu investigar o problema. Por preguiça, falta de financiamento, arrogância ou incompetência mesmo, achou que não precisava ter certeza se os sujeitos do seu estudo tomavam a Finasterida mesmo e resolveu só perguntar para eles ‘quanto’ e por ‘quanto tempo’ eles tomavam a droga. Também não achou que era importante dosar os níveis de diidrotestosterona no sangue desses indivíduos, usando o que chamamos de ‘dose nominal’ (aquela proporcional a quantidade ingerida), o que é impensável em um estudo desses, porque sabemos que as enzimas de uma pessoa pode ter atividade maior ou menor que a de outra, afetando o metabolismo da droga que causa o efeito e a enzima que é o alvo da droga. Finalmente, já que não dava pra medir a falta de libido e dificuldade de ereção nos seus sujeitos na ‘hora H’, já que não dava nem mesmo pra ir atrás desses sujeitos todos, ele resolveu que podia apenas fazer entrevistas por telefone; e assim, tentando padronizar e quantificar seus resultados, ligou para as pessoas para aplicar a patética Arizona Sexual Experience Scale (ASEX)
A escala mede, em teoria, a importância do sexo para uma pessoa, com respostas que podem variar de ‘extremamente forte’ a ‘ausente’, e pontos para cada uma das alternativas: 1 – extremamente forte; 2 – muito forte; 3 – forte; 4 – fraco; 5 – Muito fraco e 6 – Ausente. As 5 perguntas da escala são:

  • 1 – Quão forte é o seu desejo sexual? (How strong is your sex drive?)
  • 2 – Você se excita sexualmente facilmente? (How easily are you sexually aroused?)
  • 3a – Você consegue ter e manter uma ereção facilmente? (Can you easily get and keep an erection?)
  • 3b – A sua vagina fica umida facilmente? (How easily does your vagina become moist?)
  • 4 – Quão facilmente você alcança o orgasmo? (How easily can you reach orgasme?)
  • 5 – Os seus orgasmos são satisfatórios? (Are your orgasmes satisfying?)

Gente… vocês conseguem imaginar algo mais absurdo que essa escala? Imagino a cena. O telefone toca e o senhor atende. O rapaz ao telefone explica, com sotaque indiano, que trabalha para a universidade George Washington e está fazendo uma pesquisa sobre os efeitos da Finasterida. Diz que o nome dele foi sugerido pelo banco de dados da universidade. Pergunta se ele tomou Finasterida nos últimos 5 anos e também quanto de Finasterida. Depois pergunta se ele tem problemas para manter uma ereção e o quão satisfatórios são os orgasmos dele. E pede a resposta em uma escala de 1-6. Ahhh… fala sério! Isso não é ciência, isso é pegadinha do Pânico!
A verdade é que esse artigo é patético. Um monte de pressuposições que levam a mais pressuposições que levam a conclusões sem nenhuma confiança. O desenho experimental é uma piada: não há controle de placebo, não há nenhuma medida objetiva, não há relato do número de casos de pacientes que NÃO tiveram problemas depois de tomar a Finasterida. Ele não leva em consideração que os pacientes mentem, se esquecem, não entendem a pergunta. A escala, por mais letras e números que tenham, é tão subjetiva quanto um dado obtido pela leitura de cartas do Tarot.
O repórter, que não assina a reportagem, termina dizendo “Mesmo que o problema tenha ocorrido em poucos pacientes, informação nunca é demais.” Errado de novo! Vivemos em um mundo saturado de informação. Informação incorreta é demais sim!
Irwig, M., & Kolukula, S. (2011). Persistent Sexual Side Effects of Finasteride for Male Pattern Hair Loss The Journal of Sexual Medicine DOI: 10.1111/j.1743-6109.2011.02255.x
* MD é a sigla em inglês para Medical Doctor que significa o indivíduo ser ‘doutor’ por ter terminado a faculdade de medicina. PhD é a sigla para Philosophy Doctor e significa que o indivíduo fez um doutorado, que é um treinamento avançado em ciência, indispensável para quem aspira uma carreira científica.

Discussão - 1 comentário

  1. Cesar disse:

    O questionário dos caras é quase tão científico quanto um desses dos Facebook.
    Com respeito a jornalistas, a maior parte fala bobagem se sai de assuntos cotidianos ou se tem de entender algo lógico, como, p. ex., estatística. E como o leitor médio tampouco entende de outra coisa senão futebol, aceita tudo sem preocupação. Semana que vem lerá um artigo dizendo o oposto desse e passará a tomar o remédio como um viagra light.

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