Adianta greve de professor?

A greve dos professores, que começou há duas semanas, me mobilizou para escrever um post sobre a distância entre a sociedade e a universidade, motivado por uma frase dita pela jornalista Eliane Brum em um programa de televisão. Mas para isso, precisei falar primeiro da greve em si.

Eu sou um cientista. Já disse que isso não é o que eu faço, é o que eu sou, e por isso não consigo evitar a abordagem científica momento algum. Se acredito que o método científico é a melhor maneira para se resolver um problema, como posso aplicá-lo no laboratório mas não aplicá-lo em casa, quando tento entender porque um souflé não funcionou ou porque uma lâmpada queima recorrentemente? Como posso aceitar a fé como fonte de explicação na minha vida pessoal, quando sei, pela experiência, que só as evidências científicas criam um saber consistente, coerente e permanente? Talvez outros possam, mas eu não posso. É por isso que quando meus colegas professores começam a se mobilizar por uma greve, eu não consigo me mobilizar ou aderir. Pela simples razão de nunca uma greve de professores ter dado qualquer resultado em função dos danos causados pela paralisação em si. Por que daria agora?

Avanço nos transportes, nas comunicações, na medicina, no ambiente… Talvez, nunca antes na história da civilização a sociedade tenha sentido tanto o efeito do saber que é produzido na universidade. Mas, sem uma população educada, é também provável que nunca antes a sociedade tenha se sentido tão afastada dessa instituição. Por que isso acontece é o argumento do meu próximo texto. O fato é que o governo primeiro contribui para essa distância ao investir na formação de doutores, mas cortar financiamento para pesquisa. Ao criar programas de treinamento para jovens, mas não fomentar o ensino fundamental e médio que prepare esses jovens para a universidade. Ao promover o aumento de vagas nas universidades sem dar infraestrutura. E depois o próprio governo usa a universidade abandonada como justificativa para não investir mais na universidade.

Os professores e pesquisadores, com todo o amor que tem pelo que faze, tem de matar uma manada de leões por dia para dar conta de ensinar em salas de aula quentes, sujas, mal equipadas uma geração de jovens super conectada e dispersa.

A classe jornalística, ao invés de denunciar isso, faz pouco, como no ‘causo’ que vou relembrar agora: No final de 2010, ia para a universidade ouvindo a CBN no Rádio quando o Carlos Alberto Sardenberg comentou que o prestígio do Mercadante estava baixo porque havia sido indicado para o MCT&I, na opinião dele, “um ministério menor”. Ainda que o MCT&I não tenha importância política (que advém da sua inexpressão econômica, que advém do Brasil apostar que o seu crescimento depende apenas da replicação de indústrias antigas – sujas e insustentáveis – com modelos e tecnologias importadas), é inadmissível que um jornalista desse porte faça esse comentário sem que seja acompanhada de uma crítica feroz e a exaltação da sua importância estratégica

É um triste exemplo do quanto os diferentes setores da sociedade pouco se importam com o que acontece na universidade. Como podemos esperar algum efeito de uma greve?

A motivação da greve é mais do que justa. Os professores universitários são os profissionais mais mal remunerados do serviço público federal, trabalham em péssimas condições em universidades sucateadas por anos de abandono, e ainda é tratado como palhaçada pelo governo na proposta de aumento salarial. Na prática, o salário de um professor adjunto da UFRJ, com 10 anos de casa, doutorado e pós-doutorado, com não sei quantos artigos publicados e alunos de graduação e pós-graduação, foi de R$13,00.

Além do papel na formação de cabeças pensantes e trabalhadores qualificados na universidade, o Brasil só pode contar com os professores universitários para movimentarem um sistema de inovação no país. É que sem uma indústria de transformação, aquelas pequenas empresas capazes de transformar o conhecimento produzido na academia em protótipos e produtos para a indústria (e sem uma política econômica e social que possibilite o desenvolvimento dessas empresas – o que inclui a falta de jovens com ensino fundamental, médio e superior de qualidade), essas duas tarefas caem nas mãos dos professores universitários. E não sou eu que estou dizendo isso não: é o próprio governo. Ou porque vocês acham que o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) virou MCT&I (de Inovação)? O Brasil está fazendo de bobo a categoria mais importante no seu plano de se tornar um país com uma posição mundial de liderança no século XXI.

Mas será que a greve é a forma de reinvidicar melhores condições de trabalho?

Hoje em dia, qualquer manifestação na INTERNET vai mobilizar muito mais a opinião pública do que uma passeata de 50 pessoas. Ou mesmo de 500, ou mesmo de 5000 pessoas. Vejam só o ‘Veta Dilma’. Escrever 1, 2, 10, 50 blogs mostrando dia após dia, de forma consistente, de forma crítica, de forma direta os problemas e os responsáveis pelos problemas na universidade, denunciem no jornal, no rádio, na TV, sensibilizem um ator global para fazer um pronunciamento, façam um vídeo viral na internet… era isso que as associações de trabalhadores e sindicatos deveriam estar fazendo no século XXI, mas não… E o movimento grevista contagia até mesmo os alunos, que resolveram entrar em greve também. Greve de aluno é uma incoerência, é uma ingenuidade. É claro que os alunos tem o direito de, e devem, se manifestar contra as péssimas condições da universidade, mas chamar de ‘greve’ (é um direito trabalhista e aluno não é trabalhador) e se recusar a assistir aula como forma de protesto é uma estratégia muito pouco eficiente. É antiga, sensibiliza negativamente a opinião pública e prejudica, em última instância, e principalmente, os próprios manifestantes: os alunos, já tão prejudicados por tantas outras coisas.

Talvez a única maneira dessa greve funcionar fosse justamente o contrário: Ou até o contrário: lutar para ter aulas seria a melhor forma de transformar a greve dos professores em algo que viraria notícia. Se os principais prejudicados pela greve dos professores fazem greve também…. ninguém vai se incomodar com mais nada.

Ou… como tantas vezes… talvez estejam todos certos e eu esteja errado. Se os professores universitários que estão sendo solicitados a fornecerem a inovação que o Brasil tanto precisa, não conseguem sequer bolar uma forma nova de protesto que não seja uma greve, talvez não mereçam reconhecimento mesmo.

Discussão - 19 comentários

  1. Há pelo menos um estudo que indica a efetividade da greve para o aumento salarial de professores:
    http://heinonline.org/HOL/LandingPage?collection=journals&handle=hein.journals/ialrr36&div=38&id=&page=
    ------------
    []s,
    Roberto Takata

  2. Não sou cientista disse:

    Sendo cientista poderia pelo menos escrever corretamente!
    "se recusar a assistir aula como forma de protesto é uma estratégia muito pouco ineficiente". INEFICIENTE?

    • Mauro Rebelo disse:

      Obrigado Bella, já corrigi.

    • A lingua portuguesa é uma das mais difíceis e ineficazes que existe. Veja que nem os doutores em portugues se entendem no certo e errado. Não me leve a mau, mas criticar esse ótimo texto devido a um pequeno erro de português é bem leviano
      O inglês de longe é uma ferramenta muito mais fácil e exata, se
      comparado a linguas latinas. Na minha opinião o mundo seria muito melhor se a lingua oficial fosse o Inglês...

  3. Rodrigo Martins disse:

    Muito bom Mauro
    Coerente, inteligente e provocador como de hábito
    Já viu essas informacoes:
    http://www.sedufsm.org.br/index.php?secao=greve
    Nao sei o quao "cientificas" sao, mas vale o registro q muitas vezes apesar de nunca resultar em mudanca radical no respeito e valorizacao salarial dos docentes, greves já evitaram prejuizos maiores
    Fica cada vez mais dificil acreditar que o sucateamento é por descaso
    Parece cada vez mais proposital
    Mas q é um instrumento ineficiente e que falta inovação, concordamos
    Abs

  4. Rebelo,
    Bem, como cientistas teremos que separar aleatoriamente as universidades em dois grupos. Em um a gente permite que se façam as greves, em outra, não. 🙂
    []s,
    Roberto Takata

  5. roberto disse:

    Estou de acordo com a opinião sobre o pouco resultado gerado pela greve e que mídias sociais poderiam trazer maiores benefícios.
    Apenas um porem, se hoje os jovens conectados estão dispersos é devido a falta de criatividade dos doutores e mestres nas salas de aula. Integrar o aluno com a tecnologia é inevitável neste momento a diante.
    Em qualquer curso a T.I é inevitável, mas os professores esquecem disso e ficam no feijão com arroz...isso mata!

  6. Tuca disse:

    Parece que o blogueiro deixou de ser cientista neste post, pois não há uma gota de pensamento científico nele. Ao que parece, foi mais inocente do que os estudantes em greve. O comentário do Roberto Takata é excelente. Não tanto pela proposta, mas por mostrar justamente a falta de ciência no post. (Obviamente que entendo o toque de humor do Roberto). Fazer um experimento seria interessante para avaliar a eficácia da greve, mas impraticável. Como a carreira federal é única, todos receberiam aumento de salário independentemente de entrarem em greve ou não. Além disso, uma greve de 50% das universidades enfraqueceria o movimento. Se o governo e a mídia já estão fazendo de conta que nada está ocorrendo com 48 universidades em greve (neste momento, representando mais de 80%), com quase todo o restante em indicativo, o que ocorreria se apenas 50% parasse? A alternativa é um estudo retrospectivo. Todos os ganhos importantes que os professores obtiveram foram através de greves. Já há vídeos virais na internet sobre a educação brasileira há muito tempo. O impacto deles é mínimo se não entrarem no "mainstream". Mas a mídia brasileira não tem o menor interesse em fazer campanha a favor dos professores. Roberto Lehrer já discutiu isso muito bem recentemente. Apesar de a mídia (a Veja, por exemplo) não perder uma oportunidade de sentar o cacete no governo do PT, sobre a greve nas universidades ela nada fala por uma simples razão: não faz parte do projeto nem da direita (PSDB) nem da direita (PT) valorizar a universidade pública. As melhorias virão com os professores na rua. Você vai furar a greve, mas vai se beneficiar da luta de seus colegas. Não não ache que o aumento que virá no seu salário foi pelo vídeo que você postou na net...

  7. Jaare disse:

    É estranho algém dizer que tem, inerente em si, o método científico e não pesquisa o histórico das greves. Não é toda greve que dá resultado, mas os resultados mais importantes foram conseguidos com greve. Ela não é "a forma de reinvidicar", mas é uma delas, talvez a mais extremista; na situação atual tentou-se negociação até onde deu. Não dá pra dizer que um governante que tem a educação como prioridade sai intocado de uma greve do porte da que se instala agora.

  8. Éden Amorim disse:

    "Se os professores universitários que estão sendo solicitados a fornecerem a inovação que o Brasil tanto precisa, não conseguem sequer bolar uma forma nova de protesto que não seja uma greve, talvez não mereçam reconhecimento mesmo."
    um pouco forte isso, não? eu já penso assim: será que mesmo com tanto professor universitário e cientista pra pensar um modo mais eficiente de reivindicar, a greve ainda é uma opção... será que ela é tão ineficiente assim?
    poderíamos tb tentar uma 'chantagem política' mais direta, a exemplo das nossas bancadas religiosas e ruralista. para isso precisamos formar uma bancada ou um grupo político para pressionar diretamente. uma 'bancada científica' ou 'bancada universitária'. seria um grupo bem interessante no cenário político nacional atual, não? é um meio ético e viável?
    poderíamos tb reivindicar reprovando totalmente os alunos e TODOS JUNTOS 'burlando' os indicadores do método de avaliação e liberação de verbas para as universidades, incluindo parar também as pesquisas e extensão (ah, mas não podemos esquecer que mtos pesquisadores trabalham à serviço do privado e esses não irão parar). cancelar semestre tb seria uma opção.
    são algumas ideias. acho que o pessoal que está participando ativamente dessa discussão tb tem pensando nisso, inclusive usando a internet e redes sociais nessa campanha.
    enfim... críticas devem ser acatadas, nem que seja para reflexão - eu tb tenho as minhas. mas será que, depois de estabelecida a greve, tentar deslegitimar uma forma de protesto que foi discutida e decidida ao longo de várias assembleias em todo país, não seria um meio de criar, ampliar ou propagar a ideia de ineficiência da greve? tb é uma pergunta válida.

    • Mauro Rebelo disse:

      Édem, a 'bancada científica' é uma necessidade urgente! Não temos cientistas, e acho que também não temos professores, na política. (Antes que alguém grite, quando digo 'não temos', quero dizer que não temos o suficiente). Uma forma democrática de manifestação, muito mais eficiente que a greve.
      E eu te pergunto, quem estava nessas assembléias por todo o país? Na UFRJ, apenas quem era da ADUFERJ pode votar. Essa greve é representativa? Se tornou depois que o Conselho Universitário a reconheceu. Ou seja... no tapetão!

  9. Juvenal Tobias disse:

    É... faltou esse "cientista" fazer uma revisão da literatura sobre o movimento grevista...

  10. Éden Amorim disse:

    Também acho, Mauro. Mesmo brincando com a 'chantagem política', acho importante termos representação no congresso.
    Sobre as assembleias, não posso falar como foi em todo país. Claro que o sindicato tem que fazer sua parte para informar a todos e convidar ao debate... mas acho que nós, como professores, também devemos procurar estar por dentro das movimentações dos sindicatos, já que eles nos representam - querendo ou não.
    Eu não sou afiliado à ADUFOP, mas na UFOP, onde trabalho, a discussão e votação foi aberta a todos, mesmo quem não era sindicalizado. As últimas assembleias tiveram grande participação de todos campi.

  11. ninja disse:

    gostaria de pontuar 2 questões:
    1 a afirmação de que a mobilização pela internet seria mais eficiente:
    - Como você mesmo citou, houve uma mobilização de assinaturas pelo Veta Dilma. A Avaaz entregou um documento cujas assinaturas eram majoritariamente do exterior e não do país.
    - apesar da internet auxiliar na mobilização, a primavera árabe nao foi feita de posts e assinaturas digitais
    2 - Lógica da Ação Coletiva: o comportamento coletivo - cooperativo ou nao é tema das ciências sociais e não poderia ser tratado somente a partir do viés da efetividade histórica da greve.

  12. Luiz disse:

    Muito bom!
    Estou pensando ...
    - Por que temos esta quantidade enorme de Universidades publicas?
    - Por que eh dificil encontrar (mas existem varias, ok!) uma faculdade ou departamento nestas Universidades que nao estejam inchados.
    - Por que as Universidades, as vezes (ou muitas), sao verdadeiras sinecuras?
    - Escolha 1 departamento qualquer de uma Universidade, vale a UFRJ, e veja se Profs 40 DE realmente sao 40 DE. Vc vai ver cada coisa...
    - Tenure? Meritocracia?
    - Percebe-se que Universidades publicas estao virando a Telebras antes da privatizacao
    Fim do sistema publico de administracao direta de Universidades. Dinheiro publico apenas atraves de investimento em pesquisa e bolsa de estudos ou subsidios.
    e assim vai, mas o sono chega
    abs e parabens!

  13. Milena disse:

    Olá, li a matéria e achei pouco científica, pois já vi bastante greve de professores ter resultado, acho que o autor não se deu o trabalho de pesquisar sobre isso, não sei em que área você é pesquisador mas acho que da humanas você passou longe...
    Achei até contraditório cobrar no fim do texto um outro método mais eficiente para ter ganhos reais que não seja a greve, se todos nós sabemos que apesar das mudanças que o sistema capitalista sofreu, uma ainda não foi superada que é a exploração do trabalho humano... Portanto acho que se isso um dia mudar, poderemos recorrer a outras formas de mobilização.
    Interessante é a arrogância quando escreve: "Se os professores universitários que estão sendo solicitados a fornecerem a inovação que o Brasil tanto precisa, não conseguem sequer bolar uma forma nova de protesto que não seja uma greve, talvez não mereçam reconhecimento mesmo." pelo que entendi, você também é professor, mesmo se não for, afirma que é um cientista, porque você mesmo não faz essa descoberta, se é tão capaz?
    A internet ainda não chegou a ser um meio democrático para os mais interessados numa educação pública, gratuita e de qualidade que é a classe trabalhadora. No mais, só lamento por você está furando greve e educando mal seus alunos, ou melhor, os deixando bastante adestrados a vender sua força de trabalho sem ter uma consciência crítica.

  14. Angel disse:

    Como todo pensamento divergente, incomoda; Estes pensamentos não cabem em uma assembleia... São calados ou desqualificados... A verdadeira democracia deixa os ventos da liberdade passarem entre as pessoas. Nem todos que estão em greve são antenados e lutadores políticos. Muitos postam suas fotos de viagens em baixa estação no orkut (inocentemente), já que calendário de professor se chama 200 dias de aula. Mas outros lutam de verdade, e acreditam nisso. Eles fazem a força, sim.
    Assim como colegas que estão em sala de aula, alguns se preocupam com os alunos e outros, não.
    Não precisa ser Einstein, para saber que a verdade é relativa.
    O movimento de arrastamento sindical é legítimo. O pensamento divergente deveria ser também, deveriam ter espaços em seus sindicatos para suas formas alternativas... Porque sim, a união faria a força, já que a sociedade usuária dos serviços ainda não despertou para seus prejuízos. Tem gente que acha que a greve é a consequência de estudar escola pública. Então a banalização acontece, e a força do instrumento esvanece.
    Como disse um aluno meu, muito esperto, e se conseguissemos que os operários da Copa aderissem ao nosso movimento?
    Aí, sim, que cabeça pensante! Deu orgulho.

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