"Levem-me ao seu lider…"

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Como em um filme B de ficção científica, a presidente se oferece para receber os ‘lideres’ dos momvimentos populares e suas reinvindicações.

Para mim, essa frase representa esperança vazia a que se apega uma geração que apesar de usar a internet não entende de verdade o que ela significa e as mudanças que causou e continuará a causar no mundo. A esperança que poderá trazer para a sua zona de conforto uma batalha que ela não sabe, não tem como vencer. Não tem como vencer porque não entende, nem ela nem seus marketeiros, o que é e como acontece a Internet.

Nessas últimas semanas ouvi de tudo: citações de Ulisses Guimarães, Maria Antonieta, gente pedindo para Brizola ressussitar e nos liderar novamente no levante popular. Generais, Hitler, Ganhdi, Che Guevara, Jesus Cristo… todos eles apareceram, como se o que está acontecendo fosse um ‘déjà vu’.

Não é! Não vai acontecer o que aconteceu na revolução francesa, nem na russa, nem na indiana, nem na cubana, nem na de 64, nem em nenhuma outra, por uma razão muito simples: não havia internet! Não haviam smartphones, Não havia comunicação instantânea e irrestrita de texto, audio e vídeo.

O mais curioso talvez seja ver essas pessoas usarem o facebook e o Twitter para mandar suas mensagens, que não poderiam ser mais anacrônicas e não poderiam criar um paradoxo maior: a busca de lideranças através da ferramenta de comunicação mais descentralizada que já existiu.
Quando eu era criança, os Jetson diziam para gente como seria o ano 2000: carros voadores, empregados robôs, pílulas alimentares. Ninguém previu a internet, ninguém conseguiu ainda entender direito do que ela é capaz para formar uma teoria consistente (talvez nunca consigam) e agora que vemos do que ela capaz, talvez possamos começar a entender o seu grande poder e como lidar com ele.

Porque me julgo capaz de falar sobre isso? Porque como ativista da educação a distância, da inclusão digital e científica, lido todos os dias com isso: pessoas que se rescindem do poder. Poder de saber como as coisas funcionavam e que agora não sabem mais, poder de saber o que esperar e agora não saberem mais, poder de saber que existia alguém para fazer as coisas por elas e que agora não existe mais. Poder se saber que se desse merda, tinha como alguém controlar a situação, e agora não existe mais. O professor não consegue se libertar (da ilusão de poder) que o atual sistema de ensino (onde ele supostamente domina o conhecimento, a sala de aula e o aluno) e o político não consegue se libertar do poder (esse não tão ilusório, pelo menos até a próxima eleição) que a estrutura politica atual lhe confere.

Dilma, os sociólogos, os antropólogos, os lideres partidários, os políticos, os sindicalistas, meus amigos… todos querem que exista um líder porque essa parece ser a única maneira que existe para que haja uma negociação. Querem encaixar o problema em uma categoria que eles ‘saibam’ como resolver. O filósofo Abraham Maslow disse “Se sua unica ferramenta é um martelo, você tende a ver todo problema como um prego”. Nossos políticos, incluindo nossa presidenta, e vários dos meus amigos gostariam disso: que nosso problema fosse um prego, para que sua unica ferramenta, o martelo, pudesse resolver. Vou dizer uma coisa: as ferramentas que temos não são suficientes para lidar com o que está acontecendo, e forçar o problema dentro de uma das categorias existentes, não vai ajudar: precisamos de novas ferramentas!

Quem inventou a internet? Quem é o seu líder? Li recentemente que mesmo se quisessem desligar a internet hoje, isso não seria possível. Alguém, em algum lugar, ligaria o plug, outro plug, novamente.

Se Dilma, ou quem quer que seja quer ter uma mínima chance de entender o que está acontecendo para criar uma maneira de lidar com isso, deve começar estudando o que é a Internet e como ela funciona, porque apesar de ser descentralizada, ela é organizada e funciona. São camadas, níveis hierárquicos, sistemas paralelos. Ninguém tem a chave, porque não existe só uma chave. Todo mundo tem uma chave. O poder individual é menor, a responsabilidade individual é maior. Estude um pouco a guerra entre o Napster e a industria fonográfica e termine com uma lição sobre Lawrence Lessig.

É um admirável mundo novo. É um movimento descentralizado e isso não o torna menos poderoso: o torna mais poderoso! Os políticos, e meus amigos adormecidos, estão insistindo em utilizar as mesmas ferramentas de antes: partidos políticos, associações de moradores, sindicatos, igrejas, assembléias, grupos, líderes… tudo isso é válido, é correto, é importante, mas não é suficiente para realizar o potencial de interação entre as pessoas desde que existe a internet.

Nossa presidente parece ir no caminho de lutar para se manter com o nariz para fora d’água nadando contra corrente desse ‘admirável mundo novo’, como fez a industria fonográfica e tantas outras (a academia é outro exemplo). Se pelo menos ela visse que existe uma oportunidade única de lutar para CRIAR esses mecanismos de representação dessa informação e energia descentralizada da internet (que não existem, em nenhum lugar do mundo) e LIDERAR uma nova forma de fazer política de maneira ainda mais democrática, aí sim, ela seria merecedora do meu voto.

Discussão - 6 comentários

  1. Chloe disse:

    Bom dia Mauro!
    Muito pertinentes as suas colocações.
    Tarefa difícil a de aprender a lidar com essa ferramenta que pode apresentar resultados tão diferentes; e, mais dificil ainda, tentar prever esses resultados.
    O que me preocupa é esse anseio popular que está se mostrando muito passional e pouco racional.
    Ontem na Globo News um comentarista falava sobre algo semelhante acontecendo na Argentina, há uns anos, e acabando na eleição de Nestor Kirchner e em seguida Crisina Kirchner, o que foi, nas palavras dele 'um suicidio politico'.
    Quando vc busca por lideres de maneira emocional, vc corre o risco de colocar todas as suas fichas no primeiro discurso salvador que aparece, sem perceber que este discurso está muito mais relacionado a um bom marketeiro unido a um meio de comunicação rápido, do que a um bom politico.
    Ainda, na última semana vi uma moça sendo entrevistada durante a manifestação e ela dizia 'protesto se faz na rua'.
    Com todo respeito a ideologia da garota, discordo!
    Protesto se faz nas URNAS. Momento em que cada um chama pra si, também, a responsabilidade por melhorar o pais, na medida em que analisa a vida pregressa e atual dos politicos, suas promessas e a viabilidade destas, ao invés de se deixar levar pelo que disseram no facebook; e que continua acompanhando de perto o seu mandato.
    Será que todos esse 'protestantes' estão realmente dispostos a isso?
    ...
    : /

  2. André Souza disse:

    "Invista em estudos de comportamentosde cardumes por exemplo...Daí você conseguirá entender a Internet"....
    Sério...Para mim, a internet lembra muito uma forma de Swarm Intelligence

  3. Fernando disse:

    Quem seria merecedor de seu voto hoje, Mauro? Tendemos a generalizar os problemas e suas soluções. Sua luta pela ferramenta tecnológica no auxílio à democratização do ensino é nobre e eu apoio, mas a analogia com a política é imperfeita.
    Você acha que com a sugestão de plebiscito, da reforma política, penas mais severas para crime de corrupção, o retorno da pauta da suplência no senado à plenária e consequente aprovação, a proposta dos cinco pactos pela presidenta, a destinação de mais recursos para a educação, o repasse de verba às prefeituras, etc. não são uma reação à força da internet? Não é uma tentativa de atender a demanda das redes?
    O que você sugere, além disso? Plataforma à distância para o povo palpitar?
    Outra: “Dilma, os sociólogos, os antropólogos, os lideres partidários, os políticos, os sindicalistas, meus amigos… todos querem que exista um líder porque essa parece ser a única maneira que existe para que haja uma negociação. Querem encaixar o problema em uma categoria que eles ‘saibam’ como resolver”.
    Mais uma vez reducionista sua sentença. Como desqualificar o papel de liderança? Eles “querem um líder”... Colocado assim, fica parecendo uma tentativa de desqualificar uma opinião.
    A massa sem um porta-voz, é uma massa amorfa, desorientada. Como se negocia com a massa, com um leque infinito de pleitos e sem conhecimento político?
    Há maneira? Será que alguém consegue “merecer seu voto”?

    • Mauro Rebelo disse:

      Fernando, o que é a Democracia, pelo menos no Brasil, senão a negociação com "uma massa amorfa, desorientada (...) com um leque infinito de pleitos e sem conhecimento político"? Para mim, essa 'negociação' era feita com 'líderes', políticos, escolhidos pelo único sistema viável até hoje: o voto. Mas só que até hoje! Agora, temos outros canais para manifestação e não legitimar esses canais pela dificuldade de legitimá-los, para mim, é um grande erro. Grande parte dos investimentos em pesquisa, hoje, no mundo inteiro, está justamente no que se convencionou chamar de 'big data': como extrair e entender padrões a partir de volumes gigantescos de informações não padronizadas. Vamos fazer o que? Nos ater a um sistema que já se mostra incapaz de representar um volume crescente de pessoas no mundo? Não pode a democracia também evoluir? Não sei, mas podemos discutir na próxima vez que sentarmos pra tomar cerveja.

  4. Fernando disse:

    Concordo com você. E não é questão de opção. A democracia, o mundo, vão evoluir.
    Só me questiono se mapear comportamento cibernético é "evolução da democracia"...
    Pode ser vinho californiano?

  5. Fernando disse:

    Aí sim!
    "as pessoas não desejam SIMPLESMENTE votar a cada quatro anos. Elas querem interação diária com os governos locais e nacionais, e participar da definição de políticas públicas. Se as instituições democráticas utilizassem as novas tecnologias de comunicação COMO INSTRUMENTO DE DIÁLOGO e não, apenas, para propaganda, elas passariam a respirar ar mais fresco" (Lula, no New York Times)

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