23 de Outubro de 4004 A.C. (Da série: Minha mãe, a Chita, ou o que é a Seleção Natural?)

“No princípio Deus criou os céus e a Terra […] Criou, pois, Deus […] todos os seres viventes […] Então formou o senhor Deus ao Homem do pó da Terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser a alma vivente”. (Gênesis)

Estou convencido de que a Seleção Natural é a descoberta mais importante de toda a biologia e muito possivelmente de toda a ciência. Claro, que as leis do movimento de Newton, o já descrito eletromagnetismo de Maxwell e a relatividade especial de Einstein foram feitos quase inacreditáveis, mas nenhum deles mexeu tanto com nossa emoção, e nos impeliu um sentimento de humildade quanto à descoberta de que evoluímos dos macacos e esses de algum outro animal, vindo todos nós de uma única célula que emergiu de uma lama pútrida quando a terra não era um lugar muito agradável de se viver.

Em tempo: Nesse contexto, talvez a descoberta de Hubble (que hoje empresta o nome ao poderoso microscópio que flutua no espaço) de que as galáxias estão se afastando (ou seja, que o universo esta em expansão) tenha sido mais importante para mostrar que, em resumo, somos o cocô do cavalo do bandido. Estamos em um sistema solar no canto extremo esquerdo do braço do redemoinho do conglomerado de estrelas que é a via Láctea, com a estrela mais próxima a 37 trilhões de km de distância, sendo está apenas uma dentro de um conglomerado de 20 galáxias, dentro de um universo observável com aproximadamente 100 bilhões de galáxias, com, mais ou menos 100 bilhões de estrelas cada uma, distante 15 bilhões de anos luz da galáxia mais distante e cerca de sessenta vezes menor do que a maior galáxia conhecida, que tem 100 trilhões de estrelas.

No entanto, a idéia intuitiva que a maior parte das pessoas tem sobre a seleção natural é justamente o oposto do que ela prega, tendo maior semelhança com o Lamarkismo e o princípio do Uso e desuso. Mesmo a maior parte dos estudantes de biologia pra quem tenho lecionado nos últimos anos, trás idéias equivocadas sobre como procedeu a evolução. Por isso resolvi dar uma luz nesse tema com uma série (ou uma saga, nesses tempos de Guerra nas estrelas) de dois ou três textos, começando pelo de hoje, pra explicar quando, como, onde e por que da evolução.

Até a renascença, acreditava-se que a reprodução fosse um evento sobrenatural, alem das capacidades descritivas da ciência, como a descrição acima do Gênesis. Nesse contexto, reinava a teoria da “Geração espontânea” segundo a qual formas de vida inferiores apareciam espontaneamente a partir da matéria não viva, como larvas na carne, besouros no esterco e camundongos no lixo.

Foram o fisiologista inglês Willian Harvey e o biólogo italiano Francesco Redi, que no Séc XVII mostraram a inviabilidade dessa teoria, o primeiro provando que todos os animais provinham de um ovo, e o segundo que as larvas da carne eram originadas por minúsculos ovos depositados por moscas.

Mas até 1830 a idéia era que vivíamos em um planeta estável e imutável, povoado por espécies imutáveis que permanecem exatamente como Deus as criou, juntamente com a Terra para ser o lar do homem. A Bíblia era interpretada ao pé da letra e ainda em meados do Séc XVII, o bispo Irlandês James Ussher, escreveu uma cronologia do velho testamento, onde compilou todas as gerações de homens e mulheres mencionados na bíblia até chagar a Adão e Eva e fixou o momento da criação ás 2:30 h de domingo, 23 de outubro de 4004 a.C.

A primeira teoria da evolução, se é que pode ser chamada assim, foi, como tantas outras, descrita por Aristóteles. Na sua época, não existia método científico ou experimentação, e se uma teoria fosse “bonita” ou “lógica” então era verdadeira. Apesar do seu louvável esforço e dedicação em compreender a natureza, ele foi responsável por grande parte dos absurdos que permaneceram por toda a idade média. Sua teoria dizia que todas as espécies buscavam a perfeição, sendo que apenas os humanos alcançaram, e montou uma escala com os minerais na base e o homem no alto, sendo todas essas posições (assim como as intermediárias) imutáveis.

Era importante, pois, classificar todas as espécies, e dentro desse contexto, o sueco Carl Lineu foi a figura mais significativa. Ele publicou no Séc XVIII seu Systema Naturae onde criou um método claro e eficiente de nomear todos os animais e plantas, e que persiste até hoje.

Nas primeiras edições de seu sistema de classificação, estavam mantidas as idéias de que as espécies eram fixas. Porem, com a observação de híbridos em animais de fazenda, e de mutações, ele começou a questionar se as espécies eram imutáveis desde a época do criador, e tirou essa afirmação do seu livro.

Mais ou menos por essa mesma época (meados do séc XVIII) diversos estudos de um misto de biologia e zoologia, digamos os primórdios da Paleontologia (o estudo dos fósseis) começaram a questionar a idade da terra. O ponta-pé inicial foi dado pelo naturalista Francês De Buffon. Ele propôs que boa parte dos animais estava extinta, que os animais sofriam algum tipo de mudança evolutiva, que os mamíferos tinha um ancestral em comum e que sugeriu uma escala geológica de 35 mil anos para explicar a estratificação da Terra. Obvio que ele, como Galileu, também teve de se retratar perante a Igreja “Abandono tudo que meu livro diz com respeito a formação da terra […] e tudo que possa ser contrário a narração de Moisés”. Até então, a explicação para as formações geológicas era o catastrofismo, em voga desde que o filósofo grego Xenófanes de Cólofon encontrou, em 560 a.C., conchas marinhas incrustadas em rochas no alto de uma montanha. Segundo ele, as conchas teriam sido lançadas ali por um dilúvio catastrófico.

Sem se conhecer o tempo geológico, o catastrofismo era a única forma de se explicar todos os eventos geológicos no curto período de tempo proposto pela bíblia. E eventos com probabilidades de 1/1.000.000 de acontecer, ou algo movimentos com velocidades de 1 cm/1000 anos, não eram considerados. No entanto, a partir de meados do Séc XIX, emerge uma revolução na geologia e na biologia, que leva a uma compreensão da idade da Terra, da Natureza e da origem dos seres vivos. Eventos com probabilidades baixíssimas passariam a ter tempo para acontecerem não uma, mas diversas vezes, e assim realizarem os feitos anteriormente explicáveis apenas pela “Intervenção Divina” ou pelas catástrofes. E estaria extinta para sempre a ilusão infantil de uma humanidade no centro das atenções do universo.

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