Bio- o que?!?
Da mesma forma que ajudam, as metáforas também podem atrapalhar (é tudo uma questão da dose). Uma metáfora não pode ter muita especificidade e justamente pode ser utilizada para explicar outro fenômeno. Então, as pessoas podem escolher metáforas diferentes para explicar uma mesma coisa. E resultado pode ser uma confusão de termos.
Esse problema é muito bem ilustrado na biologia. Basta colocar o prefixo ‘bio’ antes de uma palavra qualquer para termos uma metáfora.
Vejamos, o que faz um biomonitor?
Bem, vamos começar pelo que é um monitor. Hoje em dia quase todo mundo tem um em casa, mas até 20 anos atrás, monitores apareciam apenas em laboratórios médicos ou de eletrônica, acompanhando a freqüência cardíaca ou os pulso elétricos . É bem verdade que sempre tivemos outros monitores em salas de aula. São aqueles caras ainda mais mal pagos que os professores para ajudarem a tomar conta de turmas muito grandes. De acordo com o Michaelis, Monitor é: mo.ni.tor, sm, lat. monitore. 1 – Aquele que admoesta, adverte ou dirige. 4 – Aparelho comum de televisão, instalado para controle das transmissões em qualquer ponto da estação emissora. Tem mais um monte de outras variações sobre o tema, mas essas duas definem uma ambiguidade importante do termo. Monitor pode ser tanto aquilo que dá a informação, o mecanismo de transdução de um sinal, quanto aquilo onde a informação aparece, o mecanismo de exposição do sinal.
Com o avanço da tecnologia, temos uma mecanização de um monte de processos na ciência e hoje em dia tudo aparece em um monitor de computador. Mas podemos usar outros monitores que vão além das telinhas. Um organismo pode dizer muita coisa para quem sabe sabe ouvir. Ver nas linhas ou nas entrelinhas. São os biomonitores.
Assim como os monitores, os biomonitores sofrem da mesma ambiguidade. Ora eles próprios são o mecanismo de transdução, ora são o mecanismo de exposição da informação. E nem sempre é fácil diferenciar. Na verdade, nos biomonitores os mecanismos de transdução e de exposição do sinal estão sempre integrados, juntos, na mesma unidade, no mesmo organismo. Febre indica infecção, sendo que o aumento de temperatura e o agente infectante tem de estar no mesmo organismo.
Os organismos podem dizer muitas coisas pra gente. Sobre eles, mas especialmente sobre o meio em que eles vivem. E dentre estas, tem coisas que sé eles podem dizer, porque não existem análises físicas ou químicas (ou físico-químicas) substitutas. São processos globais que envolvem a presença de agentes e (as vezes múltiplas) causas. A toxicidade é um deles.
Me lembro de anos atrás, ainda estudante de biologia, ficar chocado quando li que “não existe nenhuma máquina que possa avaliar toxicidade. Concentração química pode ser avaliada por uma máquina, mas apenas seres vivos podem informar sobre a toxicidade de uma substância” e realizei que sempre precisaremos utilizar animais em pesquisa.
Podemos avançar em níveis de organização biológica acima do organismo: populações, comunidades, ecosssitemas; e temos então o monitoramento ambiental. Aqui os métodos abióticos e bióticos são utilizados para mostrar as variações que ocorrem no ambiente. Os organismos tem grande importância no monitoramento ambiental: como bioindicadores, biomarcadores ou (bio)sentinelas.
Os bioindicadores não realizam completamente o seu potencial de monitor, sendo eles próprios a informação. É como se ao invés de números aparecessem na tela do monitor, os monitores se multiplicassem ou desaparecessem. São aquelas espécies que pela sua presença ou abundância informam a variação do ambiente. Em um ambiente poluído, uma espécie sensível desaparece. Uma espécie resistente se torna dominante. Gosto de usar sempre o exemplo da alga Sargassum sp. que é bastante sensível a poluição marinha e desapareceu há algum tempo das praias do Rio. Ou da alga Ulva sp. que é bastante tolerante a eutrofização e domina os costões rochosos de praias poluídas.
Os biomarcadores são os mecanismos de transdução. Em geral os mecanismos moleculares ou bioquímicos, mais do que os fisiológicos (respiração, crescimento, reprodução). A atividade de uma enzima, a quantidade de uma proteína, a sequencia de um gene. Aquelas coisas bem invisíveis aos olhos. Os biomarcadores também são a informação: os números que aparecem na tela do monitor.
As espécies sentinelas acumulam em seus órgãos e tecidos alguma substância que esteja contaminando o ambiente. Um contaminante, como um metal pesado ou um hidrocarboneto poliaromático, ainda que em pequenas concentrações no ambiente, pode causar um estrago grande na biota. Porém, tão importante quanto a quantidade desse contaminante, é a biodisponibilidade dele.
A disponibilidade depende ‘espécie química’. Íons livres e cloretos são mais solúveis em água e reativos que os sulfetos, que tendem a se precipitar. Compostos orgânicos apolares são mais lipossolúveis e ultrapassam com mais facilidade as membranas biológicas. Mas a disponibilidade biológica depende, em última instância, do organismo. Afinal, tem organismo pra tudo. Bactérias que vivem em fontes hidrotermais, que ‘respiram’ H2S, que comem petróleo ou mercúrio. Como diz o ditado: “tem sempre um chinelo velho para um pé doente”. Então usamos as espécies sentinelas pra avaliar o quanto daquela substância contaminante do ambiente pode ser capturada pelos organismos.
É verdade que as vezes as concentrações no ambiente são baixas, o que torna a análise química muito difícil (sinônimo de cara), e utilizar organismos sentinelas pode ser uma ‘mão na roda’. Como os sentinelas acumulam essas substâncias no organismo, é mais fácil (e mais barato) analisar a substância no sentinela do que diluída na água do mar ou no sedimento. E ainda por cima, temos a informação da biodisponibilidade.
Os organismos sentinelas se encaixam mais na descrição de monitores. Os números na tela são as concentrações dos contaminantes. O organismo em si é o monitor.
Tem sempre uma definição, e uma metáfora, para o que queremos saber, ou explicar. Para escolhermos a definição ou a metáfora corretas, precisamos ter claro o que queremos saber, ou explicar. E as vezes é essa a grande dificuldade.