Quem tem medo dos cientistas?

Em um recente artigo na folha de São Paulo, o cientista Marcelo Gleisser fala de todos os riscos das invenções tecnológicas propiciados pela ciência. Em um artigo da revista “Nature” dessa semana, um outro cientista fala como o trabalho da ciência com armamentos (químicos, biológiocs e nucleares) tem afastado jovens da carreira acadêmica e prejudicado a credibilidade da ciência junto a sociedade. Em seu livro ‘O mundo assombrado pelos demônios’, Carl Sagan fala do aumento de responsabilidade dos cientistas para com as novas descobertas, já que aumentou em muito a capacidade do homem de destruir a si mesmo e ao planeta, seja pelo meio de armas nucleares, seja por microondas, seja por destruição da camada de ozônio, desmatamento da Amazônia ou por acúmulo de lixo até a estratosfera.

Mas existe realmente razão para a sociedade ter medo dos “cientistas loucos” e seus brinquedinhos perigosos? Pego emprestada uma história contada por Sagan, mas relatada também por muitos outros cientistas que viveram o pós-guerra/fria nos EUA.

O físico húngaro Edward Teller, ainda jovem, fez grandes contribuições na mecânica quântica, física do estado sólido e na cosmologia. Em 1931, Teller levou o também físico Leo Szilard até a praia onde Albert Einstein tirava férias, propiciando o encontro que gerou a histórica carta de Einstein pra o presidente Roosevelt, sugerindo enfaticamente, em função dos recentes acontecimentos políticos, que os EUA montassem uma bomba de fissão nuclear (ou atômica) antes que os alemães o fizessem.

Os EUA juntaram a elite mundial da física e montaram o projeto Manhatan que construiu as duas bombas que foram detonadas em Hiroshima e Nagazaki. Apesar de sua participação no encontro histórico e do convite posterior para integrar o projeto Manhatan, Teller recusou. Não por que fosse contra as possibilidades da destruição atômica, e sim pelo contrário. Teller queria construir uma bomba de fusão atômica, ou bomba termonuclear, ou a bomba H (de hidrogênio). Quando os átomos de H se fundem formando o Hélio, liberam enormes quantidades de energia.

A capacidade destrutiva da bomba H é muitas vezes superior a bomba atômica, e enquanto existem limites para a potencia de uma bomba atômica, não existem limites para a de uma bomba H.

Apesar de ter sido a URSS a primeira potência a construir uma bomba termonuclear com eficiência (as idéias iniciais de Teller estavam bastante equivocadas, e o trabalho de muitos físicos foi necessário para corrigi-las, mesmo assim ele é considerado o Pai da bomba), os EUA ainda construíram MUITAS bombas H. Teller foi uma figura política importante para fomentar a corrida armamentista e a guerra fria. Ele gerou intrigas e minou a influência de Oppenheimer, o brilhante físico que comandou o projeto Manhatan e que no pós-guerra comandava a comissão de energia nuclear americana, e que era contra a chamada “Super”.

Em 1983 foi descoberto que os incêndios causados nas cidades pelas armas nucleares gerariam enormes quantidades de fumaça, que ficariam presas na atmosfera e poderiam abaixar a temperatura da Terra em uma média de 15 a 20 oC (as estimativas atuais mais precisas colocam entre 10 a 15 oC). Era o inverno nuclear, que destruiria qualquer nação que lançasse armas termonucleares, mesmo sem revide do adversário.

Teller chegou a declarar na revista “Time” sua “determinação quase fanática” em construir a “super”. Para justificá-la ele sugere que são as bombas termonucleares que mantém a paz, através da ameaça da sua utilização (ainda não tivemos uma guerra mundial não é mesmo). Ele propõe a utilização de bombas H para dragar portos (propôs isso a rainha da Grécia que respondeu que o pais dela já tinha numero suficiente de ruínas exóticas) e para estudar a composição química da Lua (estudando o espectro do clarão de da bola de fogo formado por uma explosão termonuclear). Ele tem sido o maior obstáculo para a assinatura de um amplo tratado de fim dos testes com armas nucleares, e foi ele quem propôs ao presidente Reagan a construção de um escudo no espaço formado por lasers de raio X impulsionados por bombas H. O polêmico projeto “Guerra nas estrelas”. Depois das guerras não parecerem mais uma ameaça para a humanidade, Teller tem defendido a explosão de uma nova geração de bombas super potentes no espaço para desviar ou destruir possíveis asteróides em rota de colisão com a Terra.
Enquanto Teller fazia todos os esforços para que o mundo reconhecer as bombas H (e ele) como salvadores da humanidade (ao invés de carrascos), ele foi o cientista que mais teve poder e responsabilidade sobre os riscos que a humanidade correu. Jeremy Stone, então presidente da federação de cientistas americanos escreveu que “com sua fixação pela bomba H, Edward Teller pode ter sido o ser humano que, mais que qualquer outro da nossa espécie, contribuiu para colocar em risco a vida no planeta Terra”.

A verdade é que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Mas como disse o chefe da CIA uma vez, “o sigilo absoluto corrompe de forma absoluta”. Não precisamos de governantes que decidam com quais temas devemos ou não nos preocupar, quais conhecimentos são perigosos e quais não, e de quais verdades temos de ser “protegidos”. Apenas a ampla discussão das idéias, o desenvolvimento da consciência critica, a alfabetização literária, política e científica podem fazer isso, libertando o povo da ignorância que permite que tipos como Teller influenciem na política de uma nação inteira e no destino do planeta por mais de 5 décadas. Teller quase destrói o mundo com sua POLÍTICA e não com sua CIÊNCIA.

Depois de um século onde tivemos tipos como Stalin e Hitler e começando um outro com outros tipos como Bin Laden e Bush, é em nossas lideranças políticas que não podemos confiar cegamente.

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