O carnaval do século XVIII – parte 2

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(Os amantes do século XVIII brincavam de encher as camisinhas com ar para verificar o seu tamanho, resistência ou só para se divertirem)
Se o século XVIII foi o século dos libertinos como conta o livro ‘Casanova, muito além de um grande sedutor’,, com grande flexibilidade dos valores morais que regiam o sexo, assim como é o carnaval do Brasil, então a única coisa que poderia estragar a folia eram as doenças venéreas; ou DST, doenças sexualmente transmissíveis, como são conhecidas hoje.
E o remédio naquela época era o mesmo de hoje: a camisinha!
“As doenças venéreas eram o grande flagelo de um viajante como Casanova, que conhecia os detalhes da fabricação e a etiqueta do uso dos preservativos, que eram o único recurso para a proteção dos promíscuos.”
Parece que os chineses, assim como os japoneses e egípcios utilizavam envoltórios de papel de seda untados com óleo, que seriam os percussores da camisinha, inventada oficialmente pelo cirurgião Gabrielle Fallopio em 1564: uma “bainha de tecido leve (linho), embebido em ervas, feita sob medida, para proteção das doenças venéreas” denominada De Morbo Gallico”, descreve ele em seu artigo.
Foi Shakespeare quem deu o nome de ‘Luva de Vênus’, que depois passou a ser chamado de ‘casaco de montaria inglês’, que era como Casanova se referia a elas (além de ‘profilático contra ansiedade’ e ‘casaco que proporciona paz ao coração’)
Nas aventuras de Casanova, “M.M., a freira de Murano, tinha seu próprio suprimento de preservativos (…) tripa de carneiro e amarrados na ponta com fitinhas, em geral rosa, (…) [que] se tornavam maleáveis quando umedecidos com água que podiam ser usados várias vezes”.
Os de Casanova eram tão elaborados que não precisavam de lubrificação e tinham entre 15, 16 e 20 cm de comprimento por 4 até 15 cm de largura (não, não digitei errado, mas não me perguntem o que ele fazia com uma camisinha de 15 cm de largura).
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No início do século XVIII o preservativo ainda era algo chocante e degradante: “ainda que seja a única defesa que nossos libertinos têm…muitos homens reconhecem o risco de fracassar ‘com a espada na bainha’. Mas na metade do século ela era considerada “comoda, apesar de tudo”, e particularmente adaptada a ‘Terra da Felicidade’ (a vagina). Mas mesmo assim, não deveriam ser mostrados a uma dama.Se ele insinua certa reserva sobre “proporcionar felicidade… enrolado em uma pele morta”, reconhece a utilidade deles na prevenção da gravidez e também das doenças venéreas: “esses preservativos que os ingleses inventaram para colocar o belo sexo longe do medo”, “tão preciosos para uma freira que deseja sacrificar-se pelo amor”,
Aqui aparece uma outra curiosidade. Casanova também acreditava na camisinha como “de importância vital para evitar aquela ‘barriga fatal’. Uma vez chegara a propor a ele o uso de um outro contraceptivo, uma esfera de outro de 18mm que as mulheres usavam como um tipo de diafragma, mas que ele não gostou por dois motivos: eram caríssimas e impediam uma série de posições. Mas por outro lado, quando estava apaixonado, Casanova não tinha pudores em dar o ‘golpe da barriga’.
“[Ele tinha] considerado a possibilidade de se casar com Caterina. Tramou o plano de engravidá-Ia, forçando assim os pais dela a lhe concederem sua mão, junto com um dote generoso. A intenção de ambos, diz Casanova, era chegarem juntos ao orgasmo, o que se acreditava assegurar a gravidez, e tentavam isso com grande assiduidade.”
Talvez intuitivamente, mas Casanova estava correto: “o orgasmo influencia diretamente no sucesso reprodutivo da mulher, dependendo da altura em que ele ocorre” diz o prof. Robin Baker, autor do estudo “Competição de Espermatozóides Humanos: Cópula, Masturbação e Infidelidade”, publicado na Inglaterra em 1995.
“uma microcamera inserida na vagina da mulher mostram que, durante a masturbação, quando ela atinge o clímax, o seu cérvix se abre, mergulhando dentro da vagina. Esses chamados ‘movimentos em tenda’ podem acontecer várias vezes durante um simples clímax. (…) A mulher não precisa atingir o clímax durante a relação sexual para que os espermatozóides penetrem no cérvix. Mesmo sem atingir o clímax, o sêmem é coletado no topo da vagina, formando uma poça na qual mergulha o cérvix e passando espermatozóides através dele para o muco cervical. O orgasmo vai determinar quantos espermatozóides penetram no cérvix. (…) A grosso modo, a retenção de espermatozóides situa-se entre 50-90% com orgasmo e 0-50% sem orgasmo. (…) o momento que a mulher identifica subjetivamente como orgasmo, é apenas o início de uma série de acontecimentos no útero e no cérvix, os quais ela não consegue perceber, mas que se prolongam por vários minutos. O pico dessa atividade acontece 1 a 2 minutos após o clímax subjetivo. (…) Enquanto a poça seminal permanecer, um novo clímax que tenha lugar, passada uma hora, pode ainda afetar a passagem de espermatozóides através do cérvix.(…) não há qualquer diferença quanto a origem do estímulo que desencadeia o orgasmo pós-coito: pelo homem ou auto-estimulação”.

Para o autor Ian Kelly, a auto-biografia de Casanova “A minha história” fornece “um dos relatos mais plenos, sem disfarces ou desculpas de uma vida sexual, seja de sua época ou de qualquer outra. (…) Seja lá o que tenha feito Casanova dedicar tanta energia na busca de um estilo de amor segundo o gosto do século XVIII, isso não é necessariamente tão interessante quanto o seu testemunho da importância central do sexo e da sensualidade na construção da personalidade e na apreciação da vida.”

O carnaval do século XVIII – parte 1

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“Foi a grande época do carnaval veneziano, que era o mais longo e teatral de toda a europa. O uso das mascaras era obrigatório em toda a cidade, de dia e de noite.. a partir de outubro até a 4a feira de cinzas, com um breve intervalo para o Natal. Mo início do século XVIII foram acrescentados mais 15 dias ao carnaval, próximos ao dia da ascensão. (…) As máscaras emprestavam uma pretensão aceitável de anonimato, em uma cidade que unia um drama intenso a uma grande falta de privacidade pessoal. As máscaras alteram os códigos de qualquer interação humana, amarrando os significantes habituais do entendimento , da aceitação, do desdém ou da desconfiança. Nada é certo, e assim tudo parece ser permitido.”

Depois de ler ‘Casanova, muito além de um grande sedutor’, tive que repensar minha opinião sobre a mais particular das cidades do mundo. Veneza para mim sempre foi sinônimo de pombos e sujeira, diferente da imagem romântica das gôndolas que a maior parte das pessoas tem. Mas uma cidade que faz quase 6 meses de carnaval por ano? Merece todo o meu respeito.
Quem nunca ouviu falar de Casanova? Acontece que o livro foge ao clichê, não se limita as façanhas amorosas do conquistador e dá uma aula de história e psicologia. Pra começar, ele nem teve tantas mulheres assim:

“Casanova recorda ter tido experiências sexuais com muito mais do que 100 mulheres – algo entre 122 e 136, a depender de como se conta determinado grupo, e também das experiências consumadas pela metade – além de um punhado de homens. A história da sua vida sexual vai desde o dia em que perdeu a virgindade, aos 17 anos, e continua pelos outros 35 anos que abrangem suas memórias”
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Se você acha esse número impressionante, poderá se surpreender com os números disponíveis em trabalhos científicos dessa área. Casanova era antes de tudo, e principalmente, um apaixonado:

“De todos os aspectos sensoriais de seus escritos, foi o romance o que mais o divertiu, confundiu e enervou. Para meros números, para a pornografia ou o avesso do bom gosto, deve-se procurar em outras bandas, em Sade ou nos infatigáveis lordes Lincoln e Byron”


“Uma vez mais, Casanova insiste que se tratava de amor verdadeiro, e não só de desejo: ‘Pobre de quem pensa que os prazeres de Vênus muito valem, a menos que venha de dois orações que se amam e estejam em perfeita harmonia'”

Casanova_ritratto_blog.jpgAlém das mulheres, Casanova se interessava por viagens, política, dinheiro e… comida.
“O sentido do olfato, desempenha um papel nada pequeno nos prazeres de Vênus. Para os homens [humanidade], fazer sexo é como comer, e comer é como fazer sexo: é nutrição… e da mesma forma como sempre existe um prazer diferente quando se experimenta diversos molhos [ragoûts], o mesmo acontece com o jogo do amor/orgasmo [la jouissance amoureuse]. Embora o efeito possa parecer o mesmo no início, aprende-se que toda mulher é uma experiência única”
Para a neurocientista Marília Zaluar, essa aproximação com a comida faz sentido: “Comparar as mulheres a molhos, mesmo que franceses, me parece meio grotesco. Mas pensando no ponto de vista biológico ele está coberto de razão. Ambas atividades utilizam os mesmos circuitos neuronais ligados à recompensa e ao prazer”.
Toda a sedução começava com um jantar. “M.M. serviu-lhe uma refeição, acompanhada de champanhe rosé oeil de perdrix, em pratos mantidos quentes sobre água fervente”
O detalhe é que M.M. era uma freira: “Uma religiosa (…) gostaria que o senhor a conhecesse… ela não deseja obrigá-lo a falar com ela antes de vê-la, por isso vai dar-lhe o nome de uma dama que poderá acompanhá-lo até a sala de visitas [para ser apresentado a ela]. Então, se [o senhor quiser], esta mesma religiosa lhe dará o endereço de um cassino aqui em Murano; onde poderá encontrá-la sozinha, na primeira hora da noite, na data que o senhor indicar. O senhor poderá ficar e cear com ela ou então sair um quarto de hora depois, caso tenha compromissos.”
Parece que freiras libertinas era algo comum naquela época. Os conventos de Veneza que incluíam escolas, academias de música e hospitais de internação (assim como ordens contemplativas confinadas), eram muito diferentes do conceito moderno de convento. “Essas mulheres eram primeiro lugar venezinas; em segundo, cristãs.” M.M. era uma mulher politicamente forte e seu padrinho era o embaixador da França. Que, criam, era um cardeal.
O século XVIII me pareceu, apesar das máscaras 6 meses por ano, mais honesto. O hipocrisia visava atender aos nossos instintos animais, não ao contrário (fingir não ter instintos para acatar uma vida moral e altruísta).
“O Cicisbeo, ou ‘cavaliere servente‘, na tradição dos cavaleiros medievais, cortejava uma dama de mais idade, normalmente de alta posição social. Alguns consideravam isso coma a proteção de sua honra, e dizia-se que as mulheres tratavam aqueles homens como a seus cabeleireiros: eles tinham acesso privilegiado aos seus boudoirs, aos mexericos e também a um pouco mais. Outros eram aceitos pelos maridos e pela sociedade veneziana como parceiros sexuais e românticos das mulheres envolvidas. Casanova foi criado em uma cidade onde muitas mulheres desfrutavam certa liberdade sexual, e por isso bem à frente de seu tempo. (…) uma época que deu maior ênfase à ideia da sexualidade feminina do que aquela que a sucedeu. E as mulheres de toda a Europa ficavam alertas (…) diante de um viajante veneziano como Casanova, com todo o seu saber e experiência em questões de sexo: ele seria considerado mais cortês, galante e sexualmente eficiênte do que seus pares”.

E não apenas os modernos P.A. eram permitidos, como o conceito de prostituição era, digamos, flexível.

“(A mãe de Casanova) Zanetta Farussi, uma comediante pequena, orgulhosa e de uma beleza nada convencional, segundos os críticos da época, trabalhava profissionalmente com teatro numa época em que isso significava, para uma mulher, ter uma carreira dupla. Embora nem todas as atrizes fossem prostitutas ou cortesãs, não se tinha dúvida de que as mulheres dispostas a se submeter aos olhares voyeurísticos no palco também haveriam de favorecer seu público em recintos mais íntimos, em troca de bons contratos e do nome em destaque no programa.”

Para Robin Baker, “a prostituição feminina é quase uma marca universal das sociedades humanas. Antropologicamente, só 4% das sociedas diz não a prostituiçãos. As restantes reconhecem que ela existe. É difícil, porém, mesmo nestas sociedades, estimar o número de mulheres que em alguma época da sua vida se prostituiram. As estimativas existentes (há 10 anos) apontam para menos de 1% na Grã-Bretanha no fim dos anos 80, e para 25% em Adis-Abeba, na Etiópia, em 1974. Tais estimativas, porém, não são fiáveis e pecam por defeito. Mais mulheres que essas praticaram algumas vezes a prostituição. (…) Na realidade, há vários graus de prostituição. Em princípio, é difícil traçar a linha divisória entre a tradicional prostituta que se vende por dinheiro e uma mulher comum vivendo uma relação permanente que se deixa inseminar a troco de ajudas, proteção e presentes”.
A prostituição também está disseminada por todo o mundo animal: “Para que a Borboleta macho tenha oportunidade de acasalar, tem de encontrar primeiro um exame de mosquitos, de apanhar um, de o envolver na seda das suas glândulas salivares, e depois de encontrar uma fêmea e oferecer-lhe o presente. Se encontrar, enquanto ela desenrola o presente e come o mosquito, permite que ele acasale. Quanto maior for a prenda, o mosquito, mais tempo ela leva a comer, mais tempo tem o macho para inseminar, maior é o número de espermatozóides que ele introduz, e, consequentemente, mais óvulos fertiliza. Acabada a sessão, a fêmea espera que um novo macho a venha alimentar e inseminar. Em algumas espécies as fêmeas são tão bem sucedidas como prostitutas, que nunca precisam ir a procura de alimento”.
Além de ser um modo de vida, a prostituição também é uma estratégia reprodutiva muito bem sucedida. Nenhuma outra atividade expõe a mulher a uma quantidade tão grande de espermas competidores, o que garante que o vencedor do premio da fecundação, era possuía um esperma altamente especializado para a ‘guerra’, característica que seria transmitida a todos os seus descendentes machos.
Mas quer ver o mais curioso? Faça as contas e se considerarmos os valores conservadores de que 1% da população mundial nasce de prostitutas, então precisaríamos recuar na nossa árvore genealógica em torno de 7 gerações para encontrarmos um parente que tenha sido gerado por uma delas. E isso poderia muito bem ter sido no século XVIII de Casanova.
Se a fofoca é uma estratégia de ensino, como eu publiquei no texto anterior, então o livro de Ian Kelly sobre Casanova é uma ótima oportunidade para aprender psicologia e história.

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