Diário de um Biólogo – 2a Feira 13/08/2012 – As invasões bárbaras

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“Também estaremos em ‘Tara’ nesse final de semana. Vamos fazer um ‘barbecue’ no Domingo. Venham encontrar a gente!”
E foi assim, facinho, facinho, que meu amigo Lazar Obradović nos convenceu a ir ao Lago Zaovine no meio do no parque nacional das montanhas de Tara, na fronteira da Sérvia com a Bósnia-Herzegovina.
Estou em merecidas ferias pelo leste europeu e depois de um final de semana no barulhento festival de trompetes de Guča, uma noite na tranqüilidade da montanha não seria nada mal.
Passamos Mokra Gora, a cidade que Kusturica (pronunciado como zz onde se lê c) construiu para um de seus filmes muito doidos, passamos pela simpática Mitrovac (novamente com zz) e chegamos ao lago no cair da noite. Lazar, a mulher Nevena e uma trupe de amigos mergulhadores nos esperavam com a carne de porco na brasa e Slivovica (sempre zz), a Rakja feita de Marmelo e “engarrafada com trovão” como eles dizem aqui.
Lazar é fanático por mergulho e enquanto comíamos um Croassant no aeroporto de Paris, naquelas 32 h de espera por um vôo que torna duas pessoas amigas pro resto da vida, ele descobriu que eu era biólogo marinho e me perguntava tudo, sobre todos os bobos e plantas que já havia visto embaixo d’água, em todos os mergulhos que já havia feito na vida. Eu levei um tempo até convence-lo que era biólogo marinho e não um atlas da vida marinha (ou foi ele que parou de perguntar quando descobriu que sabia mais sobre peixes e invertebrados do que eu – que hoje estou mais para biólogo molecular do que marinho).
O assunto veio a tona naquela noite, quando a instrutora croata de mergulho, Tanja, comentou sobre a enorme quantidade de moluscos que tinha visto mais cedo: “Pergunta pra ele que é biólogo!”
Ao que parece, uma grande quantidade de moluscos mortos, seguida por uma quantidade maior ainda de moluscos vivos, tinha chamado atenção dos mergulhadores.
Eu falei que a minha especialidade eram os bivalves marinhos. “Ah… Bi-valves. Com duas conchas?” Respondi que sim e eles confirmaram então que era realmente um bivalve no fundo do lago. Continuei dizendo que minha experiência com bivalves de água doce era com o Mexilhão Dourado, Limnoperna fortunei, o qual estamos seqüência do o DNA em nosso laboratório. Expliquei que era uma espécie invasora, que havia chegado no Brasil trazida por água de lastro e que além dos prejuízos econômicos por entupimento de tubulações industriais e fixação em embarcações, ameaçava a diversidade de toda fauna aquática brasileira: do pantanal e até da Amazônia. As pessoas ‘normais’ se preocupam com a poluição aquática, mas a invasão biológica é um risco muito, muito maior para a diversidade de qualquer ecossistema.
A curiosidade de ambos os lados foi aumentando até o momento que eu perguntei se poderia mergulhar com eles no dia seguinte. Ficou combinado que eu iria com Bojidar, o instrutor Sérvio, casado com a instrutora Croata, que parece um daqueles fuzileiros-mergulhadores SEAL de filme americanos, mas que é um doce de pessoa.
O dia seguinte foi uma aula prática de limnologia. Igualzinho eu ouvira falar nas aulas de ecologia da faculdade, onde os exemplos de livros são quase todos de ambientes temperados.
Eu estava super excitado porque seria o meu primeiro mergulho em água doce, ainda por cima em um lago de altitude e em um lugar belíssimo. Mas o pessoal logo me desanimou: a visibilidade era super baixa por causa da eutrofização e não mergulharíamos no lado onde uma vila inteira foi alagada. Veríamos apenas muitas pedras e muitos bivalves.
Entramos na água e quando passamos de 8 m de profundidade, a temperatura passou de 22oC para 13oC! T-R-E-Z-E! Milhares de agulhas pareciam espetar os poucos centímetros quadrados de rosto fora do neoprene de 7mm de espessura. “Lagos profundos de ambientes temperados se estratificam durante o verão, quando a água quente se ‘acumula’ na superfície” parecia que eu estava ali ouvindo o professor Chico Esteves. Maldita termoclina! Pobres fitoplânctons.
E aí então eu os vi… Um mar de mexilhões! E não é que… Nossa, como não pensei nisso antes… Mas é claro… As conchas listradas não deixavam duvida.

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O ‘molusco’ do Lago Zaovine era Dreissena polymorpha, o “mexilhão zebra” a mais notória das notórias espécies invasoras, o mexilhão do sudoeste da Ásia que invadiu e reinvadiu as águas da Europa ocidental e América do Norte, reestruturando ecossistemas inteiros como o dos ‘grandes lagos’ dos Estados Unidos e Canadá e causando bilhões de dólares de prejuízos para a industria de tratamento de água e produção de energia.
Só um NERD como eu para, no meio de uma viagem maravilhosa, me emocionar de ‘mergulhar com o inimigo’.

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