Ciência e Deus
Uma vez fui convidado para dar uma palestra na Vale do Rio doce sobre ‘O que é ser Biólogo’. Fui com muito prazer, por que, vaidoso como sou, adoro falar de mim e da minha profissão. Era um seminário para filhos de funcionário, em idade de vestibular, um tipo de teste vocacional.
Depois da minha apresentação uma menina me perguntou sobre direito ambiental, outro rapaz sobre os trabalhos de campo. Mas um especial me chamou atenção. Depois de todos irem embora ele se aproximou e disse que gostaria de fazer uma pergunta em particular, pois não queria me intimidar. Perguntou como eu poderia acreditar que o mundo tivesse realmente começado de uma explosão, e que Deus não havia criado Adão e Eva. Nem na defesa da minha tese de doutorado eu acho que tive uma pergunta tão difícil pra responder.
Minha primeira tendência seria de identificar que se tratava de um seguidor de uma dessas religiões evangélicas as quais eu não dou o menor crédito ou atenção, com uma leve tendência, não ao total descrédito, mas a verdadeira ridicularização.
No entanto, tenho uma preocupação de não me tornar preconceituoso. Carl Sagan chama a atenção para a polarização do movimento cético. Um Nós contra Eles. Um sentimento de que nós céticos temos o monopólio da verdade e que todas as outras pessoas que acreditam em doutrinas estúpidas são imbecis. Que se elas tiverem bom senso vão nos escutar, e se não o fizerem, pobres miseráveis, nunca alcançaram a verdade. Isso condena os céticos a uma situação sempre de minoria. É importante reconhecer as raízes humanas da pseudociência e da superstição. Quase todas as sociedades humanas acreditam em um mundo de Deuses e Espíritos, mesmo que algumas não valorizem nenhum dos 10 mandamentos cristãos. E sempre existe uma tentativa de conciliar um mundo de mito e metáfora com um mundo prosaico, sendo as arestas dessa união consideradas “fora do nosso alcance ou compreensão”. Muitos cientistas fazem isso. Compartimentalizam os dois mundos e conseguem movimentar-se sem esforço entre o mundo cético da ciência e o mundo crédulo da crença religiosa sem perder o compasso.
Lembro também de uma festa, já cursando biologia, quando um amigo totalmente ateu e cético falava da inutilidade de acreditar em Deus. Eu achava absurda a idéia de uma existência sem propósito nessa vida. Sem missão. Descordava veementemente dele. No entanto, com o passar do tempo, fui conhecendo o mundo natural, A idéia de um Deus que se preocupasse apenas com os homens me parecia mais e mais distante. Deus deveria se preocupar tanto com os homens quanto com os animais. O que dizer então das almas das moscas e formigas? Um vez, em um congresso um ser da sociedade protetora dos animais alemã falava da necessidade de controlar o numero de peixes utilizados em experimentos, quando um outro pesquisador perguntou quem se preocupa com as Salmonelas (bactérias também utilizadas em experimentos)? Foi aclamado por algum tempo. Mas continuando, a questão das almas de moscas e formigas começou a me entrigar. De onde viriam tantas almas?Para onde iriam? Bastou um pouco de estudo de psicologia para começar a considerar as sessões de Umbanda grandes rituais de Hipnose coletiva (tambores, palmas, velas) onde seções escondidas dos sub conscientes das pessoas se manifestam. Com um pouco, realmente muito pouco, de história, se desacredita em qualquer religião. As atrocidades cometidas pela igreja católica (certo, em outro contexto cultural e social, que impossibilita seu julgamento atualmente) ou descritos na Bíblia e no Alcorão.
Estudando um pouco de filosofia, realmente muito pouco, cheguei na metodologia cientifica. A diferença entre o conhecimento religioso, baseado na fé, o filosófico, baseado na lógica do pensamento, e o científico, baseado em evidencias, foi o argumento definitivo para eu me tornar um exemplo de ceticismo. Depois me lembrem de contar sobre o curso de historia e filosofia das ciências, e a geração de padrões pelo acaso. (uma historia interessante pra responde aquele adesivo absurdo que se lê nos carros “O acaso não existe. Leia Kardek”.)
Desde então só tenho ouvido, de amigos queridos e pessoas que considero muitíssimo, como meu pai e minha mãe, que é altamente religiosa, mas não duvida do DNA, baboseiras sobre todo o tipo de fenômenos sobre naturais. Uma menina tentou vender no sinal a um grupo de amigos (incluindo eu) que iam a um congresso, um conjunto de canetas. Ela começou dizendo: “Oi… Eu faço parapsicologia”. Meu amigo ao volante disse…: “Começou mal…”E seguimos viagem sem comprar nada. Minha irmã, a do meio, foi curada de um tumor na bexiga por uma suposta cirurgia mediúnica. Ainda acho que alguém errou violentamente na ultra-sonografia que mostrava o pólipo. Meu amigo relata ter visto uma entidade que recebia Picasso e pintava como ele, mas um especialista disse que os quadros eram falsificações etc etc etc.
Hoje eu não acredito em alma, espírito, força suprema, diabo ou Deus (mesmo que evite ver filmes de terror 🙂 Não acredito em moral ou no bem e no mal. O que existe, para mim são estratégias que funcionam a curto e longo prazo. Minha avó tem 82 anos. Vocês conhecem algum traficante de drogas com 82 anos? Não é que Deus ou qualquer força o castigue e o mate antes disso, mas se você usa a violência como estilo de vida, então aumenta as chances dela ser a única forma com que os outros lidem com você.
Mesmo assim eu não fui capaz de dizer a mãe de meu amigo de infância que morreu em um acidente de carro aos 19 anos que Deus e vida após a morte não existem, e que naquele momento os fungos e bactérias da espécie X estavam degradando o corpo dele. A ciência trás esclarecimento, mas nem sempre consolo. Especialmente para quem não está preparado.
Pegando emprestado mais uma vez de Sagan: “Em uma vida curta e incerta, parece cruel fazer qualquer coisa que privar as pessoas do consolo da fé, quando a ciência não pode remediar suas angustias. Aqueles que não conseguem suportar o peso da ciência tem liberdade para ignorar seus preceitos. Mas não podemos fazer ciência aos pedacinhos, aplicando-a quando nos sentimos seguros e ignorando-a quando nos sentimos ameaçados. Provavelmente não temos a sabedoria para caminhar nessa estrada tortuosa”.
Eu disse ao rapaz que sua crença em Deus ou na religião necessita apenas de fé. Que acreditava que a fé trouxesse conforto, e por isso, muitas vezes fosse boa. Mas que evidências tem uma força muito grande, e que ele não deveria levar tudo que está escrito na bíblia ao pé da letra. O mundo realmente nasceu de uma explosão e nos realmente descendemos dos macacos e a vida realmente começou de um acaso químico. Ele não deu muita importância ao que eu disse e foi perguntar a fonoaudióloga se o Axel Rose voltaria a cantar novamente.