Quando o homem começou a falar?

“Acredita-se que o homem tenha começado a falar – ou começado a tentar falar – cerca de 60 mil anos antes da Era Cristã. Essa possibilidade foi levantada após a descoberta de um osso hióide – situado na base da língua – em uma caverna do Monte Carmelo, em Israel.”

É impressionante a quantidade de vezes que o texto acima, exatamente como está, aparece na internet. O Google virou realmente um oráculo. Basta estar ali para ser “verdadeiro”. Ninguém mais se dá ao trabalho de verificar as informações. Bom, eu pesquisei pra contar pra vocês.

A fala nos humanos é permitida por uma intrincada articulação entre o cérebro, a laringe, as cordas vocais e a língua. Os elementos necessários para essa que ela pudesse acontecer foram aparecendo ao longo da evolução dos hominídeos. Dê uma olhada no texto sobre a origem do homem para ver a cronologia das diferentes espécies que antecederam o Homo sapiens.

A maior parte dos autores concorda que a adoção da posição bípede tenha sido fundamental para liberar as mãos e a boca dos hominídeos e permitir os dois processos fundamentais para o aparecimento da fala. O primeiro foi o uso das mãos para a construção de ferramentas. As ferramentas rudimentares apareceram entre 2,5 e 2 milhões de anos atrás como o Homo habilis. Segundo alguns autores, seria impossível a criação de utensílios sem a existência das capacidades intelectuais que acabam por definir a própria condição humana: o processo seqüencial mental, a associação de eventos em uma determinada ordem de acordo com uma determinada lógica. As capacidades de abstração, previsão, imaginação e a noção de símbolo.


Os hominídeos desenvolveram processos de reconhecimento de padrões, classificação em categorias e interpretação ordenada do mundo. Processos esses que são, ao mesmo tempo, que estabelecem a base de uma linguagem, necessitam de um mecanismo de transmissão e compreensão de mensagens mais longas e complexas que caracterizam a própria linguagem. A utilização de sinais necessitava da proximidade entre os indivíduos entre eles e entre o objeto discutido. Apenas uma linguagem oral (e depois escrita) permitia transmitir mensagens que não tivessem correspondência com a realidade percebida através dos sentidos (sentimentos, desejos e outros pensamentos abstratos). A partir daí o grupo humano pode passar a se beneficiar das experiências de um individuo e o indivíduo das experiências alheias. O desenvolvimento da fala e das tradições orais foi fundamental para a natureza aditiva do conhecimento humano e para a formação da cultura.

Tão importante quanto o desenvolvimento do cérebro e da inteligência, foi o desenvolvimento do aparelho buco-faríngeio. A maior parte dos cientistas acredita que o Homo habilis, mas principalmente o Homo erectus, possuía algum tipo de vocalização rudimentar. O basicrânio arqueado dos humanos modernos (essencial a fala) começou a aparecer nessa espécie cerca de 2 milhões de anos atrás e ele já poderia produzir certas vogais, como u, a, e, i.


Também a Laringe, que nos primatas é curta e alta, se desenvolveu nos humanos até ficar longa e baixa, funcionado como um órgão de sopro. Curiosamente os bebes humanos, até os dois anos de idade, não possuem a laringe baixa e só por volta dos 14 anos a nossa laringe se estabelece na posição “adulta”. Deve ser por isso que praticamente ninguém aprende a falar antes dos dois anos de idade. Essa laringe mais baixa permitiu, agora sim, o aparecimento do osso hióide, outra adaptação anatômica fundamental para a fala.

O hióide é um pequeno osso em forma de U que segura e permite a articulação da língua e foi descoberto nos Neandertais. Ao contrário do que o texto do início sugere, não é isso que marca o aparecimento da fala. Apesar de ser um pré-requisito importante, o hióide está longe de ser o único ou o mais relevante. Apesar do hióide, nos Neandertais, a base da língua era muito acima da garganta deixando a boca, literalmente, “cheia”. Com isso os sons emitidos por eles deveriam ser muito anasalados, lentos e de difícil compreensão. Muitos antropólogos acreditam que a fala pouco desenvolvida foi a razão da extinção dos Neandertais. “Quem não se comunica, se trumbica”, já dizia o velho guerreiro.


Uma peça chave no enigma é o nervo hipoglosso, que controla os movimentos da língua. Esse nervo se insere no crânio através de um orifício e é duas vezes maior nos humanos modernos que nos chimpanzés. De acordo com esse critério as formas mais primitivas de Homo não poderiam ter falado, o que coloca o início da fala realmente com os Neandertais em torno de 400.000 anos atrás. No entanto, algumas evidências sugerem que o Homo habilis já se comunicava com um repertório de sons maior que o arfada-apupo-grunhido dos chimpanzés modernos.

Uma coisa é certa, a reorganização do cérebro e as mudanças anatômicas necessárias ao aparecimento da fala só apareceram com o surgimento dos Homo e eram inexistentes nos Australopithecus. O que a história não conta é que, certamente, quem começou a falar, foi uma mulher! 😉

Uma breve história do homem

Entrar no campo da paleontologia, e especialmente na origem do próprio homem, é complicado. Como vocês pode imaginar, o tema tem uma carga emocional maior que a quantidade de evicências científicas. Alem disso, muitos paleontólogos forjaram evidências de fósseis humanos querendo os louros de terem descoberto o “Elo Perdido” e os poucos fósseis confiáveis que temos não são suficientes para estabelecer consenso científico. Mas precisei faze-lo para depois falar da origem da fala.

Crânio de Sahelanthropus tchadensisA espécie mais antiga de hominídeo é o Sahelanthropus tchadensis e data de 6 à 7 milhões de anos atrás. Os Australopithecus viveram entre 4 e 2 milhões de anos atrás.

O exemplar fóssil mais famoso do mundo é a Lucy, uma fêmea da espécie Australopithecus afarensis com Esqueleto fóssil do Australopithecus afarensis Lucyaproximadamente 25 anos, 28 kg e 1,07 m; descoberta por Johanson e Gray em 1974 em Hadar na Ethiopia (eles estavam escutando “Lucy in the Sky with diamonds” dos Beatles quando descobriram o joelho do esqueleto). Para muitos os Australopithecus ainda viviam em árvores, apesar de serem capazes de pequenas incursões bípedes por terra.

A grande controvérsia começa com o aparecimento do Homo, provavelmente o Homo habilis, que recebeu esse nome por que apareciam muitas ferramentas junto aos fósseis e que viveu de 2,5 a 1,5 milhões de anos atrás. Logo depois apareceu o Homo erectus, encontrado em boa parte da África, Europa e Ásia e com muito mais capacidade craniana, habilidades manuais e capacidade de caminhar em pé. O Homo sapiens neanderthalensis, ou homem de neanderthal, viveu entre 300 e 30 mil anos atrás.

Crânio do Homem de Cro-MagnoO primeiro Homo sapiens moderno apareceu 200.000 anos atrás. O Homem de Cro-Magnon (5 esqueletos descobertos em Cro-Magnon, na vila francesa de Les Eyzies) viveu na Europa entre 30 e 10 mil anos atrás e eram caçadores hábeis, faziam kits de ferramentas e foram os famosos artistas responsáveis pelas pinturas ruprestes em cavernas de francesas de Lascaux, Chauvet e Altamira.

Atualmente não acredita-se mais que os homens vieram dos macacos, mas que homens e macacos se originaram de um ou mais ancestrais comuns como os Australopithecus.

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM