Comigo ninguém pode
Eu nunca fui muito de flores, apesar de ter uma tatuada no braço. Sempre gostei mais de plantas, ainda que eu seja uma negação em botânica. A razão é simples: as flores sempre murcham depois de uns dias, enquanto as plantas, se cuidarmos com um pouco de água e carinho, conseguimos manter por muito, muito tempo.
Por isso, quando uma namorada que eu tive, anos atrás, se mudou para sua casa nova, ao invés de flores, eu dei uma planta. Era uma planta linda, com grandes folhas verdes malhadas de branco.
O pai dela não gostou. Era uma ‘Comigo-ninguém-pode’, que, segundo ele, era planta de ‘macumbeiro’. Se essa não era realmente uma razão válida, existe a razão dele não gostar mesmo de nada que fosse dado a ela que não tivesse sido dado por ele – que, tenho de concordar, dava presentes lindos. Apesar de ter uma mãe ‘macumbeira’, eu não sabia de nenhuma propriedade especial daquela planta. Para mim era uma planta bonita, um presente que representava algo que, se cuidado, poderia durar. Mas hoje a gente sabe que existiam razões mais concretas para desmerecer aquele presente.
O Brasil tem uma grande variedade de plantas tóxicas, mas as duas espécies de Dieffenbachia spp (D. picta Schotte e D. seguine Schott) conhecidas como ‘Comigo-ninguém-pode’ são as campeãs de acidentes. Especialmente com crianças.
A ‘Comigo-ninguém-pode’ é muito enganadora. Bonita por fora mas perigosa por dentro. Seu veneno também é enganador, porque não é exatamente como um veneno. São mais como ‘espinhos’, muito pequenos, que estão do lado de dentro.
Coloco espinhos entre aspas porque não são exatamente espinhos. A seiva e os tecidos da ‘Comigo-ninguém-pode’ estão impregnados de cristais de Oxalato de Cálcio, que apesar de serem bonitinhos no microscópio eletrônico, quando entram em contato com as células, fazem um estrago enorme, ativando, na opinião dos pesquisadores do departamento de farmacologia da UFRJ, mecanoreceptores (neurônios sensíveis ao contato) e nociceptores (neurônios ligados a dor) diversos, que disparam uma resposta do tipo inflamatória, com a imediata formação de Edema (inchaço), ainda que não tenha a ver diretamente com o sistema imune.
Os acidentes acontecem principalmente com crianças, mas alguns adultos desavisados também, porque levam a planta a boca e o edema acontece na língua e na glote, impedindo a respiração. E essa é outra razão pela qual essa planta é um problema tão grande. Como o inchaço era semelhante ao de uma forte reação alérgica, como aquela desencadeada por quem não pode comer camarão mas come, os médicos tratavam como alergia. Não adiantava nada. Um dia, em alguma uma emergência, alguém, sem saber mais o que fazer, deve ter resolvido colocar um anestésico apenas para aliviar o sofrimento do pobre coitado com a língua inchada. E qual não foi a surpresa quando o edema… diminuiu!
O Eugenol, presente no Cravo-da-Índia, é capazes de reduzir o edema causado pela planta. No estudo em anexo, eles ainda acreditavam que o papel dos critais de oxalato era apenas ‘carregar’ o veneno, que seria outro. Mas os resultados mais recentes, apresentados na excelente palestra do prof. Paulo Melo (Farmaco/UFRJ) no Instituto de Biofísica, mostram que mesmo após múltiplas e diversas lavagens, capazes de remover qualquer substância aderida, os cristais continuam afetando especificamente os neurônios do local exposto a planta. O que o Eugenol faz, assim como outros analgésicos tópicos, é bloquear os canais de sódio dependentes de voltagem dos neurônios, responsáveis pela produção das correntes elétricas que permitem a comunicação com o Sistema Nervoso Central. E sem comunicação com o cérebro, termina a produção das substâncias que induzem a resposta inflamatória (como o CGRP sigla em inglês para ‘peptídeo relacionado ao gene da Calcitonina’) . E o edema diminui.
Você consegue imaginar o estrago que faria na sua língua uma lambida em um cactus? É mais ou menos o mesmo estrago que fazem os cristais oxalato de cálcio na superfície das células da língua. Um cactus pelo menos tem os espinhos a mostra, a gente tem como evitar. Mas esses ‘espinhos’ da ‘comigo-ninguém-pode’ estão escondidos dentro dela.
Se você encontrar uma “comigo-ninguém-pode” pela frente, faça de tudo para se manter afastado.
Por isso, quando uma namorada que eu tive, anos atrás, se mudou para sua casa nova, ao invés de flores, eu dei uma planta. Era uma planta linda, com grandes folhas verdes malhadas de branco.
O pai dela não gostou. Era uma ‘Comigo-ninguém-pode’, que, segundo ele, era planta de ‘macumbeiro’. Se essa não era realmente uma razão válida, existe a razão dele não gostar mesmo de nada que fosse dado a ela que não tivesse sido dado por ele – que, tenho de concordar, dava presentes lindos. Apesar de ter uma mãe ‘macumbeira’, eu não sabia de nenhuma propriedade especial daquela planta. Para mim era uma planta bonita, um presente que representava algo que, se cuidado, poderia durar. Mas hoje a gente sabe que existiam razões mais concretas para desmerecer aquele presente.
O Brasil tem uma grande variedade de plantas tóxicas, mas as duas espécies de Dieffenbachia spp (D. picta Schotte e D. seguine Schott) conhecidas como ‘Comigo-ninguém-pode’ são as campeãs de acidentes. Especialmente com crianças.
A ‘Comigo-ninguém-pode’ é muito enganadora. Bonita por fora mas perigosa por dentro. Seu veneno também é enganador, porque não é exatamente como um veneno. São mais como ‘espinhos’, muito pequenos, que estão do lado de dentro.
Coloco espinhos entre aspas porque não são exatamente espinhos. A seiva e os tecidos da ‘Comigo-ninguém-pode’ estão impregnados de cristais de Oxalato de Cálcio, que apesar de serem bonitinhos no microscópio eletrônico, quando entram em contato com as células, fazem um estrago enorme, ativando, na opinião dos pesquisadores do departamento de farmacologia da UFRJ, mecanoreceptores (neurônios sensíveis ao contato) e nociceptores (neurônios ligados a dor) diversos, que disparam uma resposta do tipo inflamatória, com a imediata formação de Edema (inchaço), ainda que não tenha a ver diretamente com o sistema imune.
Os acidentes acontecem principalmente com crianças, mas alguns adultos desavisados também, porque levam a planta a boca e o edema acontece na língua e na glote, impedindo a respiração. E essa é outra razão pela qual essa planta é um problema tão grande. Como o inchaço era semelhante ao de uma forte reação alérgica, como aquela desencadeada por quem não pode comer camarão mas come, os médicos tratavam como alergia. Não adiantava nada. Um dia, em alguma uma emergência, alguém, sem saber mais o que fazer, deve ter resolvido colocar um anestésico apenas para aliviar o sofrimento do pobre coitado com a língua inchada. E qual não foi a surpresa quando o edema… diminuiu!
O Eugenol, presente no Cravo-da-Índia, é capazes de reduzir o edema causado pela planta. No estudo em anexo, eles ainda acreditavam que o papel dos critais de oxalato era apenas ‘carregar’ o veneno, que seria outro. Mas os resultados mais recentes, apresentados na excelente palestra do prof. Paulo Melo (Farmaco/UFRJ) no Instituto de Biofísica, mostram que mesmo após múltiplas e diversas lavagens, capazes de remover qualquer substância aderida, os cristais continuam afetando especificamente os neurônios do local exposto a planta. O que o Eugenol faz, assim como outros analgésicos tópicos, é bloquear os canais de sódio dependentes de voltagem dos neurônios, responsáveis pela produção das correntes elétricas que permitem a comunicação com o Sistema Nervoso Central. E sem comunicação com o cérebro, termina a produção das substâncias que induzem a resposta inflamatória (como o CGRP sigla em inglês para ‘peptídeo relacionado ao gene da Calcitonina’) . E o edema diminui.
Você consegue imaginar o estrago que faria na sua língua uma lambida em um cactus? É mais ou menos o mesmo estrago que fazem os cristais oxalato de cálcio na superfície das células da língua. Um cactus pelo menos tem os espinhos a mostra, a gente tem como evitar. Mas esses ‘espinhos’ da ‘comigo-ninguém-pode’ estão escondidos dentro dela.
Se você encontrar uma “comigo-ninguém-pode” pela frente, faça de tudo para se manter afastado.
Dip EC, Pereira NA, & Fernandes PD (2004). Ability of eugenol to reduce tongue edema induced by Dieffenbachia picta Schott in mice. Toxicon : official journal of the International Society on Toxinology, 43 (6), 729-35 PMID: 15109894