Dawkins, uma desilusão.

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A morte de um ídolo comove seus fãs. Mesmo que o ídolo seja Michael Jackson. Como cientista, meus ídolos não são tão conhecidos, mas nem por isso a morte de um deles me comove menos. Foi o caso da morte de Stephen Jay Gould, o grande biólogo evolucionista, em 2002.
Por isso, quando a programação da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) desse ano trouxe o nome de Richard Dawkins, sabia que não podia perder a chance de ver de perto um dos meus ídolos vivos.
Dawkins é o autor de “O gene egoísta” que foi um um livro determinante para mim quando o li pela primeira vez em 1990, então estudante dos primeiros anos de Biologia na UFRJ. Com riqueza de exemplos e grande criatividade, Dawkins sugere uma razão, na verdade uma justificativa, para a evolução das espécies (o egoísmo dos nossos genes, que nos usam como máquinas de procriação) usando nada mais que a seleção natural proposta por Darwin 150 anos atrás.
Nessa mesma época, eu tinha meus primeiros sérios embates com a religião. Eu fui criado em um ambiente politeísta, estudava em um colégio católico mas frequentava também a Umbanda com minha mãe, que sempre gostou de ‘bater tambor’. Eu já não acreditava mais em um ‘Deus tradicional’, mas ainda tinha dificuldade de abandonar a idéia do “sentido da vida”. O livro de Dawkins me ajudou a ver a beleza de uma ‘vida sem sentido’.
O livro ainda foi importante para me ajudar em outro embate (o primeiro de muitos que se seguiriam), dessa vez com um rapaz evangélico que estagiava comigo na carcinocultura (cultivo de camarões) da Fazenda Santa Helena. O rapaz (que o nome eu sinceramente não me lembro) era um abastado estudante de uma escola agropecuária e, como não tinha formação científica, nós debatíamos questões técnicas e pessoais, armados com nossos livros de cabeceira: eu com o ‘Gene egoísta’ e ele com a ‘Bíblia sagrada’. A fé do garoto era de uma irracionalidade tão forte, que ajudou a fortalecer a minha razão.
Talvez por isso, quando Dawkins lançou o livro “Deus, um delírio”, não me interessou. Sabia que o livro não era para mim, que já havia me convertido ao ateísmo com o “gene egoísta”. Sabia que o livro era para os não cientistas que, como eu, precisavam de uma boa argumentação para encontrar a beleza na vida sem razão de ser.
Mas ainda assim, como ateu, cientista, leitor e fã (não necessariamente nessa ordem), eu não poderia perder a palestra de Dawkins na FLIP. E, provavelmente, pelas mesmas razões, fiquei tão desiludido com ela.
Mesmo com o Edu avisando dos perígos da FLIP, eu tinha convicção que seria um evento imperdível. A mediação do respeitado jornalista Silio Boccanera, correspondente internacional da Globo por mais de 30 anos, parecia perfeita para introduzir a personalidade internacional ao público e a FLIP o evento mais aproximar um cientista ao público leigo.
Mas não foi.
Dawkins parecia ter pressa. Começaram a entrevista avisando que ele apenas ‘assinaria o nome’ nos livros durante a sessão de autógrafos que se seguiria (nenhuma outra fila da FLIP andou tão rápido). Assim como parecia temeroso da reação da plateia, provavelmente tão católica quanto o resto do nosso país, que é reconhecidamente um dos países mais católicos do mundo (tanto que estava circulando por Paraty com guarda-costas!). Mal sabia ele que o público de ‘descolados’ da FLIP aplaude, entusiasticamente, qualquer coisa que seus autores falem.
Silio foi conivente com esse Dawkins apressado e apreensivo. Colaborou para que ele pudesse se expressar superficialmente, no que mais parecia um FAQ (aquela lista de ‘perguntas mais frequentes’) das críticas mais comuns a ciência, ao ateísmo e as suas idéias. Só que era uma FAQ para um público de radicais de Oklahoma e ele mostrou um total desconhecimento do público brasileiro. Um daqueles ‘bonecos do posto’ faria uma mediação tão boa quanto Silio, que pra completar, resumiu e distorceu minha pergunta que, como vocês podem ver abaixo, era sobre o fim da seleção natural e não da evolução.
Abre parenteses: A pergunta, que por escrito era “A medicina cura deficiências genéticas ou causadas pelo ambiente, humanos em posições hierárquicas mais altas na sociedade estão reproduzindo menos que aqueles em posições mais baixas, porque têm menos tempo. Será o fim da seleção natural do mais adaptado como Darwin concebeu?” foi resumida como “Será que ainda estamos evoluindo?”. Essa resposta eu mesmo já sabia. Fecha parenteses.
Os aplausos entusiasmados da platéia ao final não me comoveram, nem me consolaram (eu cheguei a comentar a ba-ta-lha que foi para conseguir o ingresso?).
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Para mim, Dawkins continua sendo um gênio, mas a serviço da divulgação científica, não chega aos pés de Carl Sagan. E a serviço do mercado editorial internacional, não é mais digno da cátedra de “Compreensão Pública da Ciência”, criada para ele em Oxford em 1995 e que ele deixou em 2008.
Da próxima vez que ver o nome dele em uma palestra, seguirei o conselho do próprio Dawkins na dedicatório do livro “A grande história da evolução” (que eu comprei para depois ele acabar autografando com um rabisco) ao grande biólogo John Maynard-Smith (veja abaixo), e se o velho Maynard-Smith não estiver na platéia (o que é infelizmente impossível desde 2004) nem me disporei a assisti-la.
Se você não acredita em mim, ouça você mesmo como foi.

Dawkins na FLIP 2009. Início (25 min)
Dawkins na FLIP 2009. Meio (25 min)
Dawkins na FLIP 2009. Fim (21 min)
PS; Dawkins escreve na dedicatória: “Não ligue para as conferências e seminários, deixe para lá as excursões guiadas aos pontos turísticos, esqueça os recursos audiovisuais sofisticados, os radiomicrofones. A única coisa quer realmente importa em uma conferência é que John Maynard Smith esteja presente e que haja um bar espaçoso e acolhedor. Se ele não puder comparecer nas datas que você tem em mente, trate de remarcar a conferência […]. Ele vai cativar e divertir os jovens pesquisadores, ouvir as histórias deles, inspirá-los, reacender entusiasmos que talvez estejam arrefecendo e os mandará animados e revigorados de volta a seus laboratórios ou lamacentos campos de pesquisa, ansiosos para experimentar as novas idéias que ele generosamente compartilhou”.

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