O Sopro Divino
O que Deus fez quando resolveu dar vida ao amontoado de barro que moldou e batizou de Adão (lembrar que adamah é argila em hebraico)? Massagem cardíaca seguida de choques no tórax de 200 joules? Alimentos de alto valor protéico? Enteroclismas? Transfusões de sangue? Plasma? Hemoderivados?
Não. Nada disso. Como mostra a figura acima, Deus simples e majestosamente soprou vida em Adão. Adão ganhou vida através de seu sistema respiratório e não através do coração, intestinos ou mesmo do sangue, tão simbólico! Essa alegoria do mito da criação dá bem a dimensão do que representa a respiração na antiguidade (ver também Shakespeare, Rei Lear). Por milhares de anos, respirar foi o mesmo que viver. (Apenas recentemente, com a necessidade de se definir tecnicamente a vida com objetivo de transplante de orgãos sólidos é que criou-se a figura da “morte cerebral”).
Tudo isso para dizer que através dos séculos, a respiração pode ser considerada a mais divina das funções fisiológicas. Sob uma perspectiva creacionista na qual somos seres perfeitos criados a partir da imagem divina, a mais divina das funções deveria sobressair-se sobre outras criaturas. Nosso sistema circulatório é muito bem adaptado ao que fazemos; não há absolutamente nada igual a nosso sistema nervoso; que dizer da maravilha de nosso aparelho locomotor? – e assim por diante. Mas, creiam-me, perdemos na respiração. Nossos pulmões não são os mais bem projetados para uma vida terrestre. Perdemos porque temos um “erro de projeto” que eu considero mais ou menos sério. Erro esse que rende milhares de publicações médicas anualmente, consome milhões de dólares em recursos de pesquisas, além de estimular a produção de equipamentos médicos altamente sofisticados cujo custo está na ordem de centenas de milhares de dólares por aparelho. Todo esse dinheiro e tempo seria economizado se fôssemos aves. Sim, é delas o sistema respiratório mais sofisticado, pelo menos do ponto de vista médico. É o que tentarei demonstrar nos próximos posts.
Parabéns ao Hotta que além de matar a charada, ainda adiantou o tema.
A foto é do Caapora. Pássaros são mesmo incríveis, Luciano. Obrigado.
Brócoli e Helicobacter
Talvez pensando nesse tipo de comportamento preconceituoso por parte da humanidade, não é de hoje, cientistas começaram a procurar utilidades para a famigerada verdura. E acharam.
O Helicobacter pylori é uma bactéria que resiste ao pH extremamente baixo do suco gástrico (aproximadamente 2). Recentemente, foi vinculada ao aparecimento de úlcera péptica e também do câncer gástrico. Por incrível que possa parecer, a úlcera, que num passado recente era tratada com a retirada cirúrgica do estômago, passou a ser tratada com antibióticos. Isso foi tão surpreendente que seu descobridor ganhou o Nobel de Medicina em 2005. O complexo e engenhoso mecanismo de ação da infecção pelo Helicobacter é esboçado na figura abaixo retirada da Nature Pois bem, brotos de brócoli podem minimizar os efeitos da infecção do Helicobacter nas mucosas gástrica e duodenal. Alguns exagerados, já afirmam que pode prevenir o câncer, mas daí a isso ocorrer de fato, ainda é um caminho longo.
O cidadão da foto acima é Jed Fahey, cientista da Johns Hopkins que descobriu em 2002 que brotos de brócoli contém uma substância chamada glucorafanina, precursora de um potente bactericida chamado sulforafano. Em ratos, a substância bloqueia o mecanismo responsável pela inflamação. Um pequeno estudo piloto com 48 pacientes foi conduzido com intuito de demonstrar que a ingestão de aproximadamente 70 g diários de broto de brócoli poderia reproduzir esses efeitos em humanos. Através de medidas indiretas de quantificação da infecção, foi possível demonstrar uma redução da quantidade de bactérias e de seus subprodutos metabólicos.
A infecção por Helicobacter pylori afeta um número de pessoas que está atualmente na casa dos bilhões ao redor do mundo. Se tal estudo de fato se consolidar como uma alternativa às terapias atuais (inibidores da bomba de próton e antibióticos) será mais uma arma na prevenção do que hoje é considerada uma epidemia de câncer gástrico. A esperança é tanta que foi criada uma empresa pela Johns Hopkins que produzirá brotos de brócoli em escala industrial. Pensando bem, dá para entender a admiração de Jed Fahey pela discriminada verdura. Ele é um dos sócios.
(Créditos: Cortesia da imagem: Johns Hopkins Medical Institutions)
Perguntinha Sufocante
É inevitável a procura humana por propósito, por sentido… Algumas respostas ajudam outras, nem tanto…
Qual é o bicho que tem o sistema respiratório mais evoluído apropriado para respirar o ar terrestre?
Medicina Baseada em Filantropia
São vários os critérios de escolha de um consumidor por um produto desta ou daquela indústria. Um dos critérios de importância crescente é, sem dúvida, o fato de determinada indústria ter ou não uma atuação ambiental consistente. Muitas ainda têm essa atuação vinculada a seus departamentos de marketing, mas já há ações bastante sérias e projetos interessantes. Para saber mais sobre isso recomendo a leitura do Ecodesenvolvimento e do Rastro de Carbono.
No nosso caso específico, as indústrias farmacêuticas não tem tido uma boa imagem junto aos consumidores. Isso é devido a vários fatores. Desde a retirada de medicamentos não rentáveis, até acusações de manipulação de resultados de pesquisas científicas. Mas também temos iniciativas interessantes nesse campo.
A boa notícia agora é que a britânica GlaxoSmithKline PLC ou simplesmente GSK, doou 800 patentes de medicações para o que convencionou-se chamar doenças negligenciadas. São várias doenças para as quais não há o interesse econômico nem as luzes de uma publicação badalada – o que normalmente é bem mais atraente a um pesquisador. A notícia foi divulgada por meio de uma pequena nota no Wall Street Journal e repicada em vários outros sites, sem maiores repercussões. Só fiquei sabendo por contato dentro da própria indústria farmacêutica (obrigado, Sérgio!). As patentes serão abertas a grupos de pesquisadores que se interessem em desenvolver medicações para as doenças negligenciadas.
A GSK já era considerada a primeira grande indústria farmacêutica no ranking da filantropia segundo o índice do Access to Medicine – um importante orgão internacional de monitorização do acesso a medicações por populações carentes. Com essa iniciativa deve, com certeza, ganhar muitos pontos na escala. Pena não termos acesso ainda a quais patentes foram liberadas e que a notícia não tenha ganho a mídia comum. Seria uma forma de pressionar as outras indústrias a fazerem o mesmo. Além disso, quem sabe os médicos, a exemplo do consumidor ambientalmente consciente, não se animam a trocar canetas, jantares e viagens pela ajuda humanitária às populações carentes que empresas que fabricam os medicamentos que prescrevemos possam oferecer? É sonhar muito alto?
Ver o gráfico retirado do Access to Medicine aqui View image
Nem Todo Grito de Ajuda é Aparente
Talvez a habilidade mais difícil de desenvolver em um médico seja a de identificar pedidos de ajuda. Exatamente por iniciar todo o processo. É muito fácil quando um paciente chega ao consultório e diz “Doutor, por favor me ajude!” Entretanto, há exceções importantes.
Mas o mais dramático, sensível e tenebroso pedido de ajuda é o silencioso comportamento de crianças abusadas. Tive algum contato com esse problema nos estágios de Pediatria e pude acompanhar um caso depois de formado. São bastante sutis as mudanças de comportamento e os pais devem estar atentos.
É isso que os cartazes da agência Kinetic Design and Advertising para campanha de abuso infantil desse site, passam de forma brilhante. O texto que os acompanha é “Lenticular posters designed for child abuse awareness. From certain view the kids might look perfectly normal, but from another view you will realize they are actually suffering in pain.”
O cartaz ao lado mantem a mesma expressão inespecífica no rosto do primeiro, porém, com um efeito “raio-x”, podemos perceber o cérebro sangrando, uma lágrima escorrendo e o coração partido.
É exatamente isso. Sentimentos ocultos. Mais que sentimentos, sofrimentos ocultos. Muitas pessoas sofrem em silêncio sem que saibamos. Muitas vezes, elas conseguem, de fato, esconder muito bem. Mas a grande maioria passa despercebido por falta de atenção das pessoas, médicos inclusive, que as circundam. Muitas vezes, basta uma pergunta para que se destampe a garrafa e a vida real comece a jorrar.
Como seria bom uma visão de raio-x como essa! Ver o sofrimento! Tenho certeza que alguns prefeririam não ver o que vêm. Como no caso do abuso de crianças. Entretanto, por razões profissionais, eu não tenho direito ao benefício da ignorância. Apenas preciso tomar extremo cuidado para não substituir essa visão de raio-x por exames de raio-x, de sangue e outros exames.