Emoções e a Vacina da Gripe A H1N1
O inverno foi turbulento no hemisfério norte. Não pelas nevascas, nem pelas alterações de temperatura, mas muito mais no que concerne às políticas relacionadas à pandemia da gripe suína. A OMS, em meio a acusações de interferências da BigPharma em suas decisões “pandêmicas”, prepara um pronunciamento cuidadoso sobre a “segunda onda” para não “baixar a guarda dos governos” (sic). Vacinas sobram nos países e os governos não sabem o que fazer com elas. Alguns doam. Pouca gente fala da “nova” gripe e a sensação é de “fim-de-festa”.
O argumento é que a epi(pan)demia não foi o que esperávamos, principalmente no que se refere à letalidade. Como não foi? Caríssimos leitores, o inverno de 2009 foi um dos períodos em que mais trabalhei na minha vida! Eu vi o bicho de frente. Insisti nas hipóteses não catastrofistas por acreditar (e saber) que gripe sazonal mata pra caramba também, além de dengue, febre amarela, malária e outras cositas desse meu Brasil varonil. Mas o negócio não foi brinquedo, não! Gente doente + Paranoia = Caos! Tentativas de respirar e pensar com calma foram vistas como peleguismo a favor do ministério da saúde. Teorias conspiratórias, informações desencontradas, médicos, autoridades e pessoas batendo cabeça, formaram um cenário patético com uma real sensação de fim-de-mundo! Apesar da letalidade da nova gripe não ser comprovadamente maior, sim, existiam perguntas que ainda precisariam ser respondidas. A principal delas é que trata-se de um vírus desconhecido ao qual os seres humanos são extremamente suscetíveis. E assim terminamos 2009.
E eis que surge a vacina. Não que eu esperasse fogos de artifício, banda na rua, feriado nacional, mas também não precisava ser surpreendido por uma enxurrada de questionamentos sobre “quais os argumentos racionais temos para se tomar a vacina contra gripe A H1N1”! Descobri que médicos de outros países passaram pelo mesmo problema. Fiquei pensando bastante sobre isso e conclui que: o principal argumento racional para se tomar a vacina é a própria irracionalidade com que a epidemia foi enfrentada no inverno passado! Ou as pessoas vão querer passar pelas mesmas aflições? A vacina tem problemas? Tem. Como qualquer vacina! Ou vamos deixar de tomar a dupla adulto a cada 10 anos ou parar de vacinar os pequenos em função de seus efeitos colaterais? Mas que raio de raciocínio é esse? “Não vou tomar a vacina porque é nova e não sei exatamente de seus efeitos”. Mas essa é a mesma razão do porque a gripe A H1N1 é perigosa”: é nova e não sei de seus efeitos! Talvez a médica americana que escreveu isso tenha mesmo razão: “The dramatic shift in public sentiment over the course of this H1N1 epidemic is both fascinating and frustrating. It is clear that there is a distinct emotional epidemiology and that it bears only a faint connection to the actual disease epidemiology of the virus.” Epidemiologia emocional diferente da real. Nem desespero na época da epidemia, nem descaso agora, por favor! Um pouco de temperança (à época da epidemia) e de prudência (agora) não fariam mal.
Volta e meia, alguém me chama de “véio” carinhosamente no Twitter. Se ser velho é ficar, um pouco que seja, intolerante, acho que eles têm razão. Eu vou tomar vacina e dar aos meus filhos.
Para ler mais:
1) Portal da Bireme sobre H1N1.
2) Portal da OMS. (inglês)
3) FAQs do CDC sobre vacinação da gripe suína. (inglês)
4) Sobre a utilidade da vacinação (em francês).
5) Informações do Ministério da Saúde.

Balanço da Gripe Suína
Aproveitando um puxão de orelha de um leitor, a declaração de emergência de Obama de hoje e um sábado meio mortão, resolvi publicar as coisas que tenho acumulado sobre a gripe H1N1. Então, mãos a obra.
Tentarei agrupar o texto de acordo com as perguntas de importância (aprendi com o Átila Rainha Vermelha):
1) Nossos kits de diagnóstico são os mesmos que os do resto do mundo?
Resposta de quem é do ramo: “Só a título de informação, o Kit que temos aqui que é o mesmo que está sendo usado mundo a fora, foi distribuído pela OPAS e foi desenvolvido pelo CDC. Ele é um Primer específico para amplificação deste novo H1N1, chamado H1N1 Sw, tem especificidade de 100% para diferenciar do H1N1 sazonal.”
2) Nunca antes tivemos tantos casos de gripe, sazonal ou suína, internados em unidades de terapia intensiva. Verdadeiro ou Falso?
Verdadeiro. Entretanto, algumas considerações têm que ser feitas. Um estudo da UTI Respiratória do Hospital das Clínicas (comunicação pessoal do prof. Carlos Carvalho) de uns 4 ou 5 anos atrás, avaliando os casos de insuficiência respiratória grave – aqueles que necessitaram de ventilação mecânica – fez uma estimativa do número de casos decorrentes de infecções pelo vírus da gripe sazonal. Conclusão: Zero! Desta vez, tivemos inúmeros casos de gripe sazonal com insuficiência respiratória, o que não é comum! Isso levanta algumas questões. Primeira, é possível pensar em falsos negativos de gripe suína? Parece que, pelos nossos kits, não. Então como explicar o número maior de casos? Eu não tenho essa resposta. Segunda, não raramente, internamos pacientes jovens com insuficiência respiratória grave nos quais todas as sorologias disponíveis são negativas. Antes dessa epidemia, não pedíamos sorologia para H1N1, nem entrávamos com oseltamivir empiricamente como fazemos com vários outros antimicrobianos. Pode ser então, que a epidemia tenha nos despertado para a gravidade da gripe, seja sazonal ou não.
A Tabela acima mostra a casuística do HCFMUSP.
3) Por que a gripe suína acometeu mais pessoas jovens e sem comorbidades?
Há um certo consenso de que uma mistura de imunidade antiga (33% dos pacientes com mais de 60a têm imunidade natural ao H1N1); vacinação para influenza sazonal (há no pool da vacina, vírus H1N1, mas que são diferentes desse que está causando a epidemia, entretanto, o papel que a vacinação contínua tem na imunidade ao novo vírus não foi estabelecido e não sabemos se é desprezível) e finalmente, a maior infectividade do vírus novo. Explico. Um vírus com maior infectividade acometerá mais e primeiro a população exposta ou seja, pessoas que se aglomeram em ônibus, bares, baladas, escolas, etc, que são as pessoas com maior mobilidade e portanto, jovens. Há um outro pico entre 0 – 9 anos como mostra a figura abaixo, talvez explicado pela imunidade deficiente dos pequenos.
4) Essa gripe é mais grave?
Comparando os dados de 3 estudos, Canadá (JAMA), EUA (NEJM) e o da Clínica Mayo (JCV), vemos mortalidades entre os internados na UTI de 17,3%, 28,3% e 18,9% respectivamente. Sendo que os dois primeiros são de H1N1 e o último de Sazonal. A mortalidade dos pacientes que necessitam UTI é de aproximadamente 20%, mortalidade semelhante aos casos de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), doença pulmonar gravíssima que pode ser desencadeada por várias causas como politraumatismos, grandes cirurgias, transfusões sanguíneas e infecções.
Esse filme foi feito a partir de tomografias de um paciente que tive oportunidade de assistir. Chama a atenção a heterogeneidade da doença. As partes mais brancas dentro do parênquima pulmonar são áreas “inflamadas”. Esse paciente, muito jovem, foi submetido até a circulação extracorpórea como tentativa de tratar sua hipoxemia gravíssima mas, não resistiu, vindo a falecer. Nos estudos internacionais não é fato que a maioria dos óbitos não tinha comorbidades. Comorbidades estavam presentes em 84,5%, 98,2% e 73% dos casos graves nos pacientes nos estudos mexicano, canadense e americano. Sobre a mortalidade no Brasil algumas considerações de um especialista “Obviamente deveriamos ter o maior número de óbitos do mundo, afinal somos o 5o país mais populoso do mundo e o único dos 5 no hemisfério sul, onde foi inverno. Nossos maiores ” concorrentes” no hemisfério tem 10-15 % da nossa população. Epidemiologicamente falando, o correto é mesmo falar em mortalidade ( número de óbitos/sobre a população geral ) e não em letalidade, pois os casos leves nunca procuram o serviço de saúde e este segundo cálculo seria enganosamente superestimado e não comparável com outros países”. Houve uma dificuldade no acesso ao exame diagnóstico e isso faz com que a mortalidade seja bastante diferente da letalidade ( número de óbitos/número de casos). Considerando a mortalidade que tivemos e as condições da saúde pública do país acho que nos saímos muito bem. Conclui o infectologista: “Mesmo com uso indiscriminado do Tamiflu a Australia teve mortalidade maior que a do Brasil de 0,80/100.000 contra 0,46/100.000 habitantes segundo últimos dados. O Chile, nosso vizinho, onde o protocolo do MS é Tamiflu pra toda síndrome gripal nas 1as 48 horas, teve 0,77/100.000”. O que nos leva a próxima pergunta.
4) Qual o papel do oseltamivir (Tamiflu)?
A maior eficácia do Tamiflu é nas 48 horas, mas há de se lembrar que grande parte dos óbitos recebeu Tamiflu nas 1as 48 horas. Casos com Tamiflu nas 1as 24 horas evoluiram a óbito nas séries do México. No estudo americano, 23% dos pacientes que evoluiram para UTI ou óbito receberam Tamiflu nas 1as 48h. A gripe H1N1 tem um ponto da gravidade tardia pois a síndrome respiratória aguda grave (SRAG) é muito rara nas 1as 48 horas e depois disso a eficácia do Tamiflu diminui. Isso é um problema ainda não resolvido, para mim um dos mais cruciais. Mas o fato é que a recomendação brasileira de só tratar precocemente que tem fatores de risco ou sinal de alerta é idêntica à recomendação da OMS. Não dá pra falar que é uma recomendação política por falta de remédio.
5) Sobre a segunda onda no ano que vem
No momento em que atingimos 5000 mortes em todo o mundo, a situação é de preocupação. Eu não sei se a doença é mais grave ou não que a gripe sazonal. Com certeza, é diferente. Há um maior tropismo pelo sistema respiratório. O quadro de insuficiência respiratória é realmente dramático, dura 2 semanas, e quando conseguimos ventilar o pulmão por esse período, o paciente se recupera. Os médicos se dividem em quem acha que estamos dentro do esperado e naqueles que acreditam em uma catástrofe no ano que vem, em função da falta de leitos de UTI. A vacina é a melhor forma de prevenção e combate à doença. Os dados são animadores. A maioria dos países desenvolvidos do hemisfério norte começou programas de vacinação. Aguardamos a vacina brasileira, com ansiedade. É isso.
