Será que ele é?
Quando falei do gene da Cindelera, disse que a intensidade de algumas características biológicas varia de acordo com o ambiente ou o acaso e não necessariamente com a expressão dos genes.
São muitas as tentativas de encontrar uma base biológica para o homossexualismo. Existem vários autores (ver Santilla et al., 2008) que tentam responsabilizar os genes encontram relações entre o homossexualismo e fatores genéticos. Mas nenhum deles se encaixa tanto nos achados epidemiológicos como a teoria do irmão mais velho (ver Blanchard 2004). Ela explica entre 15 e 30% dos casos de homossexualismo masculino. E não tem a ver com os genes, mas sim com o desenvolvimento. Daqui a pouco eu volto a ela.
De acordo com a teoria, os irmãos mais novos, de muitos irmãos homens, tem maiores chances de se tornarem homossexuais. O mesmo não se aplica para o irmão mais novo de muitas irmãs. Também não se aplica para o sexo feminino.
Como o assunto é delicado e pode incomodar leitores queridos, eu fiz uma cuidadosa pesquisa bibliográfica antes de escrever (sim, as vezes escrevo só o que eu penso, ou o que acho lógico) e estou dando algumas referências dos estudos mais citados. Mas como sempre, os escritos não tem nada a ver com moral. O assunto é riquíssimo para estudarmos as relações entre adaptação, desenvolvimento, genes e ambiente.
Vamos começar do princípio. Dos nossos 46 cromossomos, dois são sexuais e determinam se seremos meninos (XY) ou meninas (XX). Com o que se parece um Y? Se eu colocar em Y em itálico ajuda? Acertou quem disse que se parece com um X que perdeu uma perna. Então, a teoria diz que o cromossomo masculino Y descende do cromossomo feminino X, por perda de material. (Isso e outras evidências) Sugere(m) que o sexo primordial é o feminino. Na verdade, quando começamos a nos formar, ainda cedo no estágio fetal, temos todos um corpo feminino.
Em um momento do desenvolvimento, os genes masculinos sinalizam que aquele feto é do sexo masculino e começam então a fazer as alterações no ‘molde’ feminino para que aquele corpo se torne masculino (não existem evidências de que uma célula XY não possa se tornar um corpo feminino e vice-versa; ainda que não se tornem). Talvez o termo mais correto então é dizer que somos todos ‘bipotentes’, um termo utilizado para designar a capacidade de uma célula de se diferenciar em mais de um tipo, quanto ao sexo ainda na fase embrionária.
Abre parênteses: Essa é uma possível razão pela qual existem muito mais homossexuais homens que mulheres, em uma relação de 9:1. Fecha parênteses.
Essas alterações são mediadas pelo poderoso hormônio testosterona. É ela quem determina a desfeminização do feto. Ou seja, os ovários primordiais descem pelo abdomem e vão para a bolsa escrotal formarem os testículos. O que seria a reentrância da vagina vira a protuberância do penis. Pronto, o básico tá feito.
Mas não pára por ai. Está claro desde os anos 90 que o cérebro também tem de se diferenciar para completar corpo determinado pelo sexo. E também é a testosterona (e outros estrógenos derivados da sua aromatização) que fazem a desfeminização do cérebro.
Das várias regiões do cérebro envolvidas na diferenciação sexual, o hipotálamo é provavelmente a mais importante. Existem alguns núcleos sexuais dimorficos bem documentados, como o INAH3, são claramente diferentes em homens, mulheres e homossexuais masculinos, que apresentam o volume desse grupo de células mais próximo do feminino. O curioso é que alguns desses dimorfismos sexuais no cérebro aparecem apenas depois dos primeiros anos de vida e outros, apenas na vida adulta.
A maior parte dos estudos com mamíferos mostra que o ambiente hormonal pré-natal e perinatal são importantíssimos para a diferenciação sexual do cérebro e do comportamento. Eles sugerem que um macho recebe durante a fase pré-natal, 4 ‘doses’ de testosterona. A primeira, determina os caracteres sexuais primários. As outras, ‘formatam’ o cérebro. Se faltar matéria prima, o cérebro pode não acompanhar o corpo, gerando os conflitos de identidade e orientação sexual. Os estudos em humanos mostram uma influencia também, mas que são insuficiente para estabelecer conclusões definitivas.
O problema é que não dá para fazer experimentos de laboratório em humanos. Então temos que esperar que a natureza, aética, faça eles para nós. Existem várias doenças que afetam os receptores de hormônios andrógenos levando a uma hipo-exposição a testosterona. E outras como a hiperplasia adrenal congênita, que leva a uma exposição fora de hora aos hormônios. O problema, de novo, é que não se pode estudar o cérebro dessas pessoas (e claro, isolar os efeitos da influência de ter uma genitália deformada na sua identidade sexual). No entanto, todos os resultados apontam para uma forte tendência entre a exposição pré-natal a hormônios esteróides e a opção pode uma identidade sexual masculina (ainda que esse fator não seja decisivo). No caso das fêmeas, a importância da exposição aos hormônios estrógenos é menos conhecida.
Como médicos americanos adoram encontrar estatísticas significativas, acabam encontrando qualquer coisa. Parece que o comprimento do dedo anular da mão esquerda de homens pode ser indicador da exposição pre-natal a hormônios andrógenos, tendo importante consequencia no comportamento dos meninos. Ou seja, meninas, fiquem ligadas! Quando forem trocar as alianças, se o cara tiver o ‘seu vizinho’ pequeno… considere se ainda há tempo de cancelar a cerimônia. Mas como eu disse, muitos estudos mostraram que existem diferenças na razão entre os tamanhos dos dedos por motivos variados, indicando que esse não é um marcador robusto.
A maior parte dos estudos genéticos que tentam ligar o homossexualismo aos genes é questionável. Ou pelo menos questionada por mim. Alguns estudos mostram que homossexuais homens tem mais irmãos também homossexuais que os homens hetero. E que mulhere homossexuais tem mais irmãs homo do que as hetero. A análise das árvores genealógicas desses indivíduos sugere um agrupamento familiar de
genes que pode ser responsável pelas evidências. Mas o número de estudos, principalmente aqueles envolvendo gêmeos, que eu sempre desconfio enormemente (já que quase todos os grandes estudos com gêmeos da história foram manipulados e falseados), não trazem grandes contribuições.
Voltamos então a ‘Sindrome do Irmão mais Velho’. Essa é quente, porque em um número grande de estudos independentes e replicados, homens homossexuais apresentam mais irmãos mais velhos que homens heterosexuais (Blanchard e Bogaert, 1997). Estima-se que cada irmão mais velho aumente a chance do próximo ser homossexual em até 50%. Mas em termos de população, isso representa apenas um pequeno percentual. A maior parte dos homossexuais não pode ser explicada por esse fenômeno e não se encaixa nesse modelo. De acordo com Blanchard, a teoria mais aceita para explicar esse fato é uma resposta imune da mãe a antígenos masculinos,desenvolvida ao longo de muitas gestações de meninos, gerando anticorpos anti-macho, ou anti-testosterona, ou anti-andrógenos que poderiam passar através da placenta para o bebe e afetar o desenvolvimento do cérebro do irmão mais novo. Mas faltam evidências experimentais para essa explicação. Ela também não explica porque esses anticorpos não afetariam os caracteres sexuais primários, ou porque não existem na maior parte dos irmãos mais novos.
E terminamos não muito diferente do que começamos, pra frustração daqueles que gostam de conclusões absolutistas. A identidade e orientação sexual tem sem dúvdia uma base biológica, mas ainda é possível afirmar pouco sobre como ela funciona. Os estudos de sexologia com com hetero, homo e transexuais foram importantes até a metade do século passado, quando o advento das dosagens de hormônios permitiu que a ciência exata dominasse área. Atualmente esses estudos mais psicológicos pecam pela falta de reprodutibilidade de suas conclusões. Por outro lado, as pesquisas apontam para um papel preponderante da testosterona na identidade e orientação sexual.
Por via das dúvidas, olhem o tamanho do dedo anular do cabra!
Discussão - 16 comentários
"(não existem evidências de que uma célula XY não possa se tornar um corpo feminino e vice-versa; ainda que não se tornem)"Se eu não me engano, existem casos onde o cromossomo Y é inoperante (teria que cacar meu material de aulas de signal transduction... não lembro as causas) e que o resultado são mulheres de cromossomo XY. Essas mulheres são genéticamente homens, mas desenvolvem um corpo feminino, pouco pelo e pele perfeita. Elas são inférteis e não menstruam, mas isso elas só vão notar lá na adolescência, quando já estão psicologicamente formadas.
Este assunto não é problemático só do ponto de vista ético. Lembro de uma pesquisadora que estava tentando estudar homossexualismo feminino em ovelhas (porque isso diminui a capacidade reprodutiva, elas "gastam" o cio com outras fêmeas) aqui nos EUA. E houve imensos protestos de ativistas GLS falando que ela estava procurando a "cura" pro homossexualismo... mais ou menos parecido com os ativistas ecologistas e os transgênicos...Texto muito legal, esse.
Abre parênteses: Essa é uma possível razão pela qual existem muito mais homossexuais homens que mulheres, em uma relação de 9:1. Fecha parênteses.Caramba!... Nessa proporção estão incluídos os bissexuais, também?... Explico por que: o eventual comportamento "homossexual" feminino sempre foi considerado mais "socialmente aceitável" do que o masculino. (Sempre me lembro do famoso quadro em que a filha da Condessa de Villards é retratada segurando o bico do seio de sua mãe...)E de um Physics News Update antigo, eu extraí a informação de que existe um mecanismo pelo qual um dos cromossomos X de um par XX é "suicidado", ou seja, impedido de se expressar (uma cobertura de proteínas, se não me falha a memória...). Será que o caso que o Shridhar menciona não seria o de um anômalo XXY?...Outra coisa que me ocorre: o quanto o homossexualismo é mais freqüente em grupos fortemente endogâmicos?... Seria uma forma de "driblar" uma característica genética totalmente anti-reprodutiva...Questões à parte, concordo inteiramente quando você diz que ainda estamos muito longe de uma explicação para o homossexualismo, seja com base na genética, seja com base no ambiente, ou em uma combinação de ambos.
Não, não. O que eu tô falando é de indivíduos XY mesmo. O cromossomo X é haplosuficiente. Eu ainda faço um post pra achar isso direito! A inativação do segundo X se dá por metilação de histonas, e é um dos tais mecanismos epigenéticos. O resultado é que o DNA se enrola todo e não expõe seus genes a expressão.
Certo, Shridhar... Eu desconhecia esse fato.
Homossexualismo? Em que século vocês estão vivendo? O termo correto é homossexualidade, pois não é doença (sufixo "-ismo").Algumas perguntas:- De onde veio essa estatística de "9 mulheres homossexuais para cada homem homossexual"? Isso diz respeito à homossexualidade exclusiva? Pode citar a fonte?- E as pesquisas com ratos que mostram que (pelo menos neles) a "identidade sexual" é determinada mais por genes ativos ANTES das descargas de testosterona uterinas? Porque do que li de bases biológicas da homossexualidade até agora, essa fixação do assunto em hormônios já é praticamente considerada anacrônica.- Favor esclarecer também como se enquadram os diferentes graus de bissexualidade e demais variedades de identidade sexual nessas considerações pois, por mais que eu deteste diletantismo, acho que o assunto está sendo visto sob uma óptica bastante limitada.
João, no caso dos dois cromossomos X, é verdade que um deles é mais ativo que o outro. Para alguns genes, o ativo é o X da mãe e para outros genes, é o X do pai. Isso se chama 'imprint parental' e é bem documentado na genética. O XXY é uma aberração cromossômica conhecida como Síndrome de Klinefelter, meninos que possuem um cromossomo X a mais. As proteínas que 'cobrem' o cromossomo impedindo que os genes fiquem a mostra e sejam transcritos são as Histonas. Um abraço,
Valeu pela participação Shridhar!
Caro leitor, eu acho que o grande avanço não foi mudar de -ismo para -dade. Apesar da origem grega de um (-ismós)e latina do outro (-itate) ambos permitem a contrição de substantivos abstratos. Enquanto -(i)dade aceita apenas adjetivos, -ismo é mais promíscuo e aceita adjetivos, substantivos e até verbos. Talvez por isso, a idéia de 'qualidade de ser' transmitida por -ismo seja menos definida do que aquela dada por -dade. Você não terá dificuldades para encontrar refências que sugiram isso (eu não tive).Não há, na gramática portuguesa, que continua vigorando no nosso século, nenhuma indicação de que -ismo seja um sufixo utilizado apenas para designar doenças. Claro, pode ser um jargão da área médica, restrito a uma comunidade.Mas como eu disse, mais importante do que o sufixo, é que a partir da 9.ª Revisão da lista da Classificação Internacional de Doenças (CID-9) da OMS, de 1 de Maio de 1976; homossexualismo deixou de constar entre as 'doenças mentais' (ainda que não esteja claro pra mim o que quer dizer entrar no capítulo de 'Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossomáticas'). Mas se você quiser continuar podemos continuar a discutir sintaxe.Acho que antes de uma teoria científica sofrer da anacronismo, ela sofre de falta de evidências. Enquanto existem muitas maneiras empíricas de medir o efeito dos hormônios, existem poucas para medir o grau de bisexualidade. Então, não dá pra dizer. Os autores que eu cito no texto escreveram amplas revisões sobre o assunto e você pode encontrar muitas referências neles. Um abraço,
NOSSA, QUE VOLUME! DE QUEM É ESSA SUNGA?
A sunga é minha!!!! Hahahahaha...
Ok, exagerei um pouco. Não dá pra falar categoricamente "homossexualismo é um termo errado", dada a flexibilidade da língua. Mas dá pra mostrar que, por comparação a outros, ele é no mínimo menos adequado que homossexualidade. Veja por exemplo http://www.riterm.net/actes/5simposio/correia.htm com destaque para o final:Os derivados em -ismo, ao contrário dos derivados em [-idade], não são nomes de qualidade, mas sim substantivos designando uma teoria, uma disposição psíquica ou uma doença e que é apenas por extensão metonímica podem ser usados como nomes de qualidade (cf. 1989: 93-95).Na comunidade GLBT o termo homossexualismo é tido como desrespeitoso. Os evangélicos usam o tempo todo esse termo exatamente com esse objetivo.Sobre a homossexualidade feminina, contesto essa estatística dos 9 para 1 justamente porque ela é de natureza bem diferente da masculina e segundo inúmeras obras como o assunto (e.g. "Criação em Separado", de Chandler Burr), muito mais flexível e mutável ao longo do tempo, isto é, mais propensa a não ficar no extremo e portanto difícil de medir -- digamos que as mulheres deslizam mais facilmente na escala Kinsey.Outra objeção importante ao argumento da "testosterona" - e não tenho as fontes aqui no momento, mas posso procurar - é que a falta de testosterona não necessariamente leva a uma predisposição para a homossexualidade masculina; pode ser justamente o contrário, um excesso de testosterona acabar "dando o tiro pela culatra", fazendo de alguma forma o indivíduo criar um libido direcionado a homens tão másculos quanto ele (existe um cientista que defende isso, embora eu ache que ele está certo apenas para um tipo mais específico de homossexualidade).O fato é que ainda conhecemos muito pouco sobre o processo neurofisiológico de formação da identidade sexual e da fixação desta. As tentativas de descrevê-lo através apenas de hormônios não parecem ter boa capacidade de previsão e podem ser apenas uma causa possível, não a única.
Oi Mauro! Muito bom o seu texto, acho que ele entra no carnaval, mas não tem a ver com a proposta deste primeiro. A idéia para essa semana é como seria a humanidade se a herança fosse lamarquista. Escreva um texto sobre isso e para um próximo tópico use os que você já tem escrito.Abraço!
Veja Ateusbr Terça-feira, Maio 15, 2007 Já se nasce homossexual!http://ateusbr.blogspot.com/2007_05_01_archive.html
O texto é muito bom para o padrão brasileiro, mas aqui e ali deixa bem claro em que tradição o autor foi criado, a despeito de toda sua formação científica. Mas isso não é uma crítica para baixo, é apenas uma nota.
Parabéns pela paciência de levar adiante um blogue, precisamos de mais nativos se dedicando a algo.
Celso, imagino que apesar da sua formação linguística, não é da minha linguagem que você esta criticando. Tudo bem. Se tiver interesse dê uma olhada no texto sobre quando o homem começou a falar e a criatividade. Um abraço,