Os próximos 150 anos


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Em 2009 a teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin completa 150 e se mantém como a mais importante descoberta da biologia.

Durante todos esses anos, ela foi testada com todo o rigor do método científico (e da lei) por ilustres defensores e ferrenhos opositores, e em todas as vezes, mostrou sua importância. Sim, algumas idéias de Darwin não estavam corretas. Kumura mostrou que não só a seleção natural é capaz de fixar genes nas populações (veja o post que explica a seleção natural aqui) mas também um processo chamado ‘deriva gênica’ permite que um gene neutro, que não traz nenhum benefício adaptativo para a espécie, mas também não prejudica a adaptação dela, passe a integrar o conjunto de genes da população. Já o biólogo evolucionista Stephen J. Gould mostrou que a evolução não acontece gradualmente, de maneira uniforme, mas principalmente em saltos, que revolucionam adaptatividade (fitness) dos organismos.

No entanto, o núcleo central da teoria de Darwin, de que os organismos lutam pela sobrevivência usando as armas que dispõe no seu ‘pool’ de genes, se mantém intacto e vem sendo fortalecido a cada novo resultado. Vem dai a razão da grande aceitação da teoria: ela funciona! Explica uma enorme variedade de fenômenos e observações, e contribui para além da biologia, em campos como o desenvolvimento de drogas na industria farmacêutica ou de componentes eletrônicos na industria de informática. A seleção natural é poderosa mesmo no maior de seus desafios: explicar a evolução humana. A idéia do homem como topo da evolução é um pilares que sustentam os princípios religiosos, mas análises recentes mostram que a nossa espécie, o Homo sapiens, não só evoluiu, como evoluiu muito nos últimos 10.000 anos, e com velocidade assustadora. Um exemplo de adaptação recente é a habilidade de digerir leite em adultos do norte europeu. Também temos muito menos dúvidas sobre nossas origens,. Sabemos que não viemos exatamente dos macacos, mas de um ancestral comum remontando aos primeiros Australopithecus entre 4 e 7 milhões de anos atrás (veja o texto Uma breve história do homem).

Mas então porque a seleção natural não é uma lei da natureza?

A resposta não é simples e provavelmente não é justa. Mas a idéia de mutações aleatórias sendo responsáveis pelo aparecimento de toda a biodiversidade, desde o nível de macromoléculas (diversidade dos genes e proteínas) até os biomas (diversidade de ecossistemas) é muito pouco intuitiva. Difícil de entender e difícil de provar. Como os processos de seleção ocorrem em escalas de tempo geológicas, é impossível observar ela em ação. Assim, nunca podemos fazer experimentos que estabeleçam indubitavelmente relações de causa no estudo da evolução: a seleção é observada sempre a posteriori, e como é sempre possível contar mais de uma história plausível para explicar um mesmo evento… cada um acaba acreditando na sua versão. Além disso, o homem está acostumado a selecionar artificialmente suas culturas e animais de criação, decidindo quais organismos dentro de uma população se reproduzirão e interferindo na direção adaptativa da prole, e criando coisas como cães Pincher e Dinamarqueses. É a ‘seleção artificial’, que ao invés de ajudar, atrapalha ainda mais a compreensão da teoria da evolução, já que fortalece a crença de um ‘ser inteligente’ direcionando os processos evolutivos.

A seleção cultural em humanos, voltada para atender ideologias dominantes (religiosas, políticas, raciais), representa um grande risco para a espécie como um todo. No último dia 12 o escritor Luís Fernando Veríssimo publicou um texto no globo questionando o propósito da manipulação do DNA. Como podemos determinar o que é um bom direcionamento? O que é útil hoje, pode ser perigoso amanhã. E a capacidade do ser humano de mudar de idéia é imensamente superior, e mais veloz, que o potencial de resposta da Seleção natural.
Mas a manipulação de genes em laboratório nesse nível (o de modificar características humanas) ainda tem grandes desafios antes de se tornar a realidade dos filmes e realizar todas as promessas de aumento de eficiência das habilidades humanas (ou mesmo cura e prevenção de doenças). Os genes raramente agem sozinhos: uma função do organismo é determinada por vários genes, e por sua vez, um mesmo gene pode afetar em graus variáveis diferentes funções no organismo: fenômeno conhecido como pleiotropia. Por isso é possível que nunca consigamos realmente otimizar a característica que queremos sem causar efeitos colaterais.
Ao mesmo tempo, um tipo de evolução afetado pelas nossas decisões conscientes e pelos progressos alcançados pela tecnologia humana (atualmente mesmo pessoas não aptas física ou intelectualmente tem chances – e as vezes mesmo superiores – de reproduzir).

Será que o aumento da expectativa de vida para muito além de 100 anos e a integração da consciência humana com as máquinas, dois eventos que atualmente parecem inevitáveis, poderá modificar a forma como a natureza vem selecionando e acumulando complexidade, desbancando a seleção natural? É possível. Afinal, nem mesmo a seleção natural está livre da evolução: se extinguir sendo substituída por uma teoria de uma nova espécie. Isso é o natural.

Esse post faz parte da ‘Roda de ciência’ do mês de Março. Por favor, comentários aqui.

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