Band-aid pra estancar hemorragia

A relação entre jornalistas e cientistas é complexa. Ponha um junto com o outro e, quase obrigatoriamente, um dos dois ficará insatisfeito. Foi o que aconteceu ontem com a reportagem sobre a burocracia na importação de material científico que foi ao ar no Repórter Brasil, telejornal da TV Brasil.

Quando o editor me ligou no dia anterior para saber se eu poderia falar ao jornal sobre o programa do CNPq expresso, eu disse que não. Apesar de ter me envolvido muito com a questão da importação de material científico em 2007-2009, eu acabei me distanciando. Foi quando em 2009 o próprio presidente Lula admitiu o tamanho e a importância do problema, intimou as agências responsáveis a resolverem a questão em 45 dias e ainda assim nada de produtivo foi feito. Eu descobri que esse problema era muito maior do que eu e que sem um respaldo de uma entidade superior (como o que a FeSBE prometeu mas não deu), nada poderia ser feito. Desde então tinha abandonado um pouco essa causa.

A burocracia da importação não tem uma origem unica: ela é resultado da burocracia da ANVISA, da Receita Federal, do MAPA, do MCT, do CNPq… E por isso, iniciativas isoladas não tem como resolver o problema. Só que uma iniciativa conjunta, requereria um gerente com influencia e força política, o que nenhum cientista tem. Pior, que a ciência não tem!

Me lembro no início do governo Dilma, quando os ministérios estavam sendo formados, e o Senador Aloysio Mercadante foi indicado, para a surpresa de todos, para a pasta da ciência e Tecnologia. O jornalista Carlos Sardenberg disse em seu programa na CBN que a indicação demonstrava o Mercadante estava em baixa, porque aquele era um ministério ‘menor’.

Abre parênteses: Que comentário mais infeliz! Ainda que seja verdade, um jornalista que se preze deveria ter vergonha de dizer isso em rádio nacional. Pobre do país que considera a ciência e tecnologia ‘menor’ e pobre do país cujo jornalista propaga essa desimportância sem criticar. Sardenberg perdeu o meu respeito e a minha audiência naquele dia. Fecha parênteses.

Enquanto a C&T (e agora I de Inovação) não for vista pelos nossos governantes e políticos como a principal arma, que é, para o desenvolvimento do Brasil, então nunca teremos um ministério rico e politicamente forte, que seja capaz de não de empurrar… mas de catapultar a ciência no Brasil. E a ciência no Brasil está pronta para isso, para ser catapultada! Mas… insistem apenas em dar um empurrãozinho. E sempre mais do mesmo. Sim, porque é isso que é o que é o CNPq express: Mais do mesmo. Um band-aid para estancar uma hemorragia. Uma peneira para tapar o sol.

Os problemas para se fazer ciência no Brasil são muitos e muito grandes, e não será como band-aid ou peneira que vamos resolver. As medidas que ajudam são aquelas com benefícios consistentes e de longo prazo. Quando o Rio resolveu imitar São Paulo e cumprir a determinação da constituição estadual de destinar 2% da sua receita a C&T, a FAPERJ cresceu, se fortaleceu e fortaleceu a comunidade científica fluminense – que não se enganem, será muito solicitada para resolver os desafios, por exemplo, da exploração do pré-sal.

Pois bem, mas todo esse relato começou por causa do telefonema do editor pedindo que eu desse um depoimento sobre os problemas da importação de material para pesquisa no Brasil, o que eu fiz durante maia hora com ele no telefone e por outra uma hora com a repórter no meu laboratório. Mas a reportagem mostrou apenas a necessidade de se trabalhar com material importado no laboratório e nem sequer discutiu as chances de um programa como o CNPq expresso funcionar.

Aprendi muito sobre o lado dos jornalistas quando ouvi Bernardo Esteves e Alessandra Carvalho no II EWCliPo em 2009. Acompanho os blogs de jornalistas que falam de ciência como o Reinaldo e a Isis Nobile, mas não tem jeito… na hora que você tem que falar com um jornalista… a chance do resultado agradar é muito pequena. Minha experiência mais frustrante foi essa daqui, quando a jornalista da FAPERJ me ouviu por duas horas e depois… disse na reportagem o que eu não disse na entrevista. Tive que ficar me retratando para os meus pares por um tempão até que, eventualmente, a reportagem foi esquecida. E poderia ter sido pior, porque eu poderia ter sido até processado pelo que ela disse que eu disse: que frutos do mar dos restaurantes do Rio estavam contaminados por metais pesados.

Talvez não haja solução e teremos simplesmente aprender a lidar com a frustração. Ou quem sabe no dia em que a Eliane Brum me entrevistar tudo fique direitinho. Porque ela é o máximo!

Discussão - 4 comentários

  1. Alessandra disse:

    Você tem razão sobre o despreparo de muitos jornalistas. E não é apenas sobre ciência. Tem jornalista que acha bonito dizer que "cobria política, mas não sabia nada sobre aquilo". Espero que ainda tenhas muitas chances de encontrar bons jornalistas, que não distorçam as tuas falas. Eu, como professora do jornalismo, tenho tentado mostrar dia e noite aos meus alunos a importância do cara saber bem sobre a pauta que vai desenvolver em qualquer editoria. Claro que vou levar este teu desabafo para os meus orientandos do laboratório de jornalismo científico. Abs.

  2. Renato Pincelli disse:

    Como estudante de jornalismo, só tenho a lamentar a posição muitas vezes egoísta desses profissionais, Mas me parece fácil demais culpar apenas os jornalistas e não a estrutura na qual estão inseridos — entre outras coisas, a formação acdêmica é muitas vezes teórica demais e tende a inibir desde cedo qualquer comportamento genuinamente questionador.
    No entanto, não surpreende esse episódio com a EBC. Em lugar de praticar (ou, pelo menos, tentar praticar) jornalismo público à la BBC, a emissora pública brasileira notabiliza-se pelo jornalismo chapa-branca que sempre foi a marca de empresas públicas desse gênero no país. Antes que se diga que isso é exclusividade do governo petista, é bom lembrar o atual aparelhamento político da TV Cultura, em São Paulo.
    Na iniciativa privada a coisa não é muito melhor porque muitas empresas, especialmente de radiodifusão, não são lá muito privadas — são propriedades de políticos que as usam para se eternizar no poder. Ou alguém ainda acredita que uma empresa de um político vai ser independente a ponto de questioná-lo ou denunciá-lo? E que, se não cumprir seu dever público de informar e investigar doa a quem doer, vai ter sua concessão cassada? Pelo contrário, se tal empresa cumprisse com seu dever de questionar é que seria tirada do ar.
    Os desencontros entre jornalistas, cientistas e políticos parecem cada vez mais absurdos num país que cada vez mais vai precisar de Ciência e Tecnologia se quiser manter o tão alardeado vigor de sua economia (ainda que seja bastante questionável esse vigor baseado em exportação de matérias-primas para a industrialização da China).
    Enquanto esses desencontros continuarem, todos esses profissionais perdem. Mas o país perde mais ainda: corre o risco de não se tornar uma potência tecnológica que merece ser e continuar eternamente preso à sua tacanha mentalidade agroexportadora e a todas as consequências políticas, sociais e até ecológicas que dela decorrem.

  3. Marcos César Schettini Soares disse:

    Em uma conversa hoje com um amigo surgiu uma constatação feita por ele após diversos contatos com a mídia: “Nós damos as palavras, eles montam as frases”.
    Sem nem ao menos chegar perto da questão da boa ou má-fé da jornalista, ou da linha editorial da emissora (pública e pertencente ao Governo Federal), o fim da reportagem era justamente o de divulgar o serviço “inovador”.
    Análises sistêmicas não estavam na ordem do dia. Bastava ter alguém mostrando: 1) a necessidade da comunidade e, 2) a finalidade do projeto. Se o CNPQ-Express é um band-aid, uma gaze ou um copo de água de coco a ser dado a um zumbi não era importante.
    Discussões mais inteligentes sobre o tema ainda estão exiladas nos momentos anteriores à Missa do Galos nos domingos globais e nos zilhões de blogs da grande rede.
    Quanto a análise da grandeza do MCTI sou obrigado a concordar com o Sardenberg. Ele é sim um Ministério de menor importância. Conta com parcelas ridículas de orçamento, e tem capilaridade limitada que impede o acesso a maioria dos municípios do país (da forma como manda o manual, ou seja, potencializando os dividendos políticos da legenda que estará no comando).
    Sem dinheiro, sem força, sem nada, desvinculado do Min. da Educação, ele realmente só entra em jogo como contrapeso e moeda de troca na partilha do banquete que se segue ao processo eleitoral.
    Triste, não? Concordo. Mas inaugurar pracinhas ainda dá bem mais retorno. E por nossa culpa. Nossa máxima culpa.

    • Mauro Rebelo disse:

      Excelente comentário Marcos. Mas eu continuo com a minha bronca do Sardenberg. O ministério ser, de fato, menor (com o que eu concordo que é) não significa que ele possa, ou deva, ser tratado como menor. Principalmente por quem deveria saber a importância entre 'ser' menor e 'estar' (ainda que consistente e recorrentemente) menor. Eu tenho alunos mais inteligentes e tenho alunos menos inteligentes. Se eu tratar os menos inteligentes com tal, eles nunca se aprimorarão. (será que esse metáfora ajudou?!).

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