Para vencer a astrologia

UFRRJ - ático do prédio da reitoria 1

Em 1990 eu estava no segundo ano da universidade quando fui pela primeira vez a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Era o meu primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Biologia (ENEB). Fui com Milton Moraes, hoje coordenador da pós-graduação da Fiocruz e mais uma galera da Bio UFRJ. Ninguém sai impune de um ENEB e eu certamente não sai. Fui a todos os outros durante toda a minha graduação (e alguns depois dela também). Fiz ali amigos para o resto da vida como minha querida Nádia Somavilla, que então era aluna de Biologia da Universidade Federal de Santa Maria. ‘Dançando Lambada’, do Kaoma, era o hit do momento (em todo o mundo) e eu lembro super bem de tantas coisas desse evento, que é de questionar se tudo que eu li esse ano sobre a fugacidade da memória é verdadeiro. Dormíamos no chão das salas de aula e o banho era frio, mas ali vi o Carlos Minc falar pela primeira vez e descobri o que era o movimento estudantil. Além, é claro, do Carimbó, com a sempre marcante delegação da UFPA. Lembro até de dirigir o FIAT UNO do Milton pelo campus, o que só aumentou hoje a minha surpresa, ao voltar a UFRRJ, quando me deparei com o belíssimo campus da universidade. Fui a convite da minha amiga, a jornalista e professora Alessandra Carvalho, falar sobre divulgação científica, dividindo a mesa com a também jornalista Eveline Teixeira, da Universidade Federal do Mato Grosso.

Eu não preciso de muito estímulo pra ir falar do meu blog. Principalmente agora que posso levar meu livro a tira colo. (fique até pensando, depois, se tinha alguma estória do ENEB no livro, mas acho que não. Ou será que falei daquela gaúcha de 1,90m da UFRGS que dançava lambada de mini-micro saia?) Mas quando cheguei lá, no cair da tarde, a beleza dos pastos e dos prédios me impactou.

UFRRJ - ático do prédio da reitoria 2Talvez por isso, apesar de ter falado bem (no sentido de conseguir dizer tudo que tinha pra falar), respondi pessimamente a melhor pergunta que foi feita na tarde. A pergunta era tão boa, que eu pedi para a Eveline deixar eu dar um aparte, mas como diria a minha irmã, eu sou daqueles caras que tem a resposta perfeita para um discussão, 2h depois dela ter acabado. A pergunta de um rapaz foi: “Todos os grandes jornais do Brasil e do mundo tem páginas e seções de horóscopo. Mas quase nenhum (mais) tem de ciência. Todos querem saber de astrologia e ninguém quer saber de astronomia. Por que perdemos tantos espaço para o esoterismo (hoje acertei Daniela Peres – na semana passada havia escrito esoterismo com ‘x’) e como podemos recuperar esse espaço?”

Essa pergunta está na raiz do problema! Ela é a principal razão pela qual precisamos divulgar ciência. A resposta da Eveline foi boa, mas foi padrão: “porque a ciência é difícil, está longe da vida das pessoas, enquanto o horóscopo… quem não quer saber se vai encontrar o amor da sua vida?”

Mas eu acho que não é só isso. Quer dizer, SEI que não é só isso. Não é a questão da dificuldade. Aprendi que as pessoas, as normais, não NERDS, só gostam e só se interessam por histórias. De preferência com outras pessoas. E é por isso que as pessoas gostam tanto de astrologia. Não, não tem nada a ver com astros, planetas, mapas, modelos malucos com cálculos absurdos: tem a ver com pessoas. Como se comportar em relação a você e em relação as pessoas a sua volta. Nada prende mais a nossa atenção do que isso!

E ai cometi a grande gafe: disse pro rapaz que não havia nada que pudéssemos fazer e que dificilmente ganharíamos da astrologia. A ciência é efetivamente muito difícil e está se afastando cada vez mais da escala das coisas que interessam as pessoas, para escalas, astronômicas ou moleculares, que pouquíssimas pessoas entendem.

E foi só duas horas depois, dirigindo, voltando para o Rio, que eu vi o quão errada foi a minha resposta. Caramba, toda a minha luta, método de trabalho, textos no blog, livro, é pra mostrar que SIM! A ciência não só pode ser interessante como ela É mais interessante que a astrologia. E SIM (!!!) nós vamos vencer o horóscopo! Fiquei tão empolgado que perdi a saída para a linha vermelha e fui parar dentro de Caxias.

UFRRJ - prédio da reitoria

O problema dos cientistas é que tiveram que estudar tanto para se super-especializarem nos seus assuntos, que criaram uma forma de transmitir conteúdo bastante prática, porém pouco intuitiva. Os artigos científicos tem tudo que precisamos saber de forma prática e segura. Mas fria e monótona. Só estudantes e profissionais altamente motivados (e eu garanto para vocês que o estresse de uma tese é um excelente fator motivador) conseguem superar a chatice dos artigos científicos (e do papo dos cientistas também).

Quando um cientista conta uma história… bem… é esse o problema: o cientista NUNCA conta uma história. Ele sempre transmite informação, mas nunca conta uma história. Só que a história é a melhor forma de transmitir informação! Não é a mais eficiente (como o artigo científico) mas é a mais eficaz! Quem ouve uma história, aprende alguma coisa. Já quem estuda um artigo… pode aprender se não pegar no sono antes.

Só que a história não é mais intuitiva ‘por que sim’. Ou ‘por acaso’. É ciência! Nosso cérebro foi programado pela evolução para interagir com outros seres humanos e tirar a maior vantagem reprodutiva possível. Em um mundo de coisas palpáveis. O nosso cérebro, capaz de linguagem, arte e música, é a nossa ‘cauda de pavão’: o instrumento de sedução mais eficaz criado pela natureza até hoje. E porque você nunca ouviu falar disso? Bom, primeiro porque está lendo horóscopo ao invés de livros como ‘a rainha vermelha’, ‘a mente copuladora’ e ‘a guerra dos espermatozóides’. Ou ‘A verdade sobre Cães e Gatos’. Mas também porque mesmo os hábeis autores desses livros, apesar de contarem muito bem a história da ciência e dessas descobertas, não conseguem criar histórias com o que se descobre dessa ciência. E ai… a comunicação da ciência fica capenga.

Vocês já ouviram a sinfonia 25 de Mozart? Ou o ‘Inverno’ de Vivaldi? São duas obras primas que  foram, obviamente, compostas pensando em sexo! Elas tem todo o ritmo de uma relação sexual perfeita! Já pensaram em um livro que conte a história da criação dessas duas músicas maravilhosas, inspiradas por mulheres por quem eles tinham um desejo incrível, subsidiadas pela anatomia e fisiologia da mente humana, evoluída desde os primatas para seduzir parceiros sexuais? Seria um best seller!!! Ia virar filme em Hollywood!!! Acho que vou até escrever esse livro 🙂

Então me deixem responder pro rapaz novamente: “Contando histórias! Nós vamos ganhar da astrologia contando histórias!”

Discussão - 13 comentários

  1. Edu K disse:

    Mauro,
    Como sempre, me divirto com seus textos e sacadas. Parabéns por mais um. Gde abraço.

  2. A astrologia é quase um experimento de psicologia a longo prazo. O cartomante (e similares) tiram proveito de vários vieses cognitivos de nosso cérebro. Costumo explicar para as pessoas comparando com o mágico, só que este tira geralmente proveito de nossas "falhas" visuais...
    Não adianta apenas explicar porque a astrologia é uma ilusão, pois a mágica é mais convincente. Acho que o caminho seria o do Mister M da astrologia... Um experimento clássico feito pelo CQC é um ótimo exemplo:
    http://www.youtube.com/watch?v=mwG7kcQiAWA

  3. Jonas disse:

    Muito tri! ^^
    Achei que seria mais um texto dizendo o porquê não acreditar na astrologia. Me surpreendeu. =)

    • Mauro Rebelo disse:

      É Jonas, mas não é pra acreditar não.

    • Jonas disse:

      Oi, Mauro
      Eu não acredito. Pode ficar tranquilo. ^^
      Mas é que já li alguns textos, e a maioria apresenta os mesmos argumentos do mesmo jeito.
      Concordo que mesmo assim é importante apresentar esses argumentos para pessoas que os desconhecem.
      E mesmo que fosse mais um texto dizendo o porquê não acreditar na astrologia (acabei de perceber que essa frase ficou um pouco pejorativa, desculpe =/ ) eu teria lido. Afinal informação nunca é demais.

    • Mauro Rebelo disse:

      Ufa... 😉
      Dá uma olhada nesses dois textos então:
      http://scienceblogs.com.br/vqeb/2008/12/tudo-que-o-astrologo-vai-dizer-pra-voce/
      http://scienceblogs.com.br/vqeb/2008/12/o-que-o-seu-astrologo-nao-vai-dizer/
      Abraço,

    • Mauro Rebelo disse:

      E eu concordo que só' dizer pra não acreditar, ou mostrar que está errado, não adianta. Tem que concorrer no mesmo campo. Sensibilizar por outra via.

  4. Ícaro Monteiro disse:

    Olá Mauro! Fiquei um pouco decepcionado com sua resposta ao vivo no simpósio. Pensei "Poxa! Não podemos vencer?! Então o que estamos fazendo aqui, num simpósio de Divulgação Científica???"
    Mas confesso que não imaginei que essa questão, levantada inicialmente por Carl Sagan, em um dos episódios da série Cosmos, tivesse uma resposta tão óbvia, e ao mesmo tempo tão inteligente: "Contando histórias".
    Afinal, não foi isso que Sagan sempre fez? Seu trabalho de divulgação ia muito além de contar a história da ciência, mas passava sempre pela história das pessoas que faziam a ciência, e muitas vezes, em como essa ciência está presente na história das pessoas comuns. Você tem toda razão Mauro: história, história, história! É aí que está a mágica (ou melhor, a ciência)!
    Fiquei muito feliz em ler esta nova resposta, valeu mesmo! E Carl Sagan daria um grande sorriso.
    Abraços.

  5. Alison Chaves disse:

    Uma grande sacada e estamos todos esperando este livro! Tem tudo para ser uma excelente obra...

  6. Em pensar que grandes astrônomos (como Kepler e Tycho Brahe), que mudaram os rumos da astronomia, eram os principais astrólogos de suas épocas, afinal, eram eles que entediam os céus.
    Imagina se ao invés, eles divulgassem ciência?! rs
    Hoje estaríamos em outro patamar de divulgação científica!

  7. Aegs disse:

    Olá Mauro! Não resisto! Tb tinha `quase´ a mesma opinião sobre Astrologia (comédia, enigma?); até que me deparei com a descrição sensorial - e, portanto, biológica - dos caracteres astrológicos. A partir daí, ... a incrível Biologia Evolutiva do Desenvolvimento (EVODEVO) me levou a reparar o equívoco acima. O resultado está no site:
    www.adiferencaanimalhomemnodna.com.br
    Caso leia -com atenção tibetana! -, os três passos sublimes da janela GENES COMUNICACIONAIS,...quem sabe, não mude de idéia?!
    Abraços.

  8. Aegs disse:

    Olá Mauro! Também tinha `quase´a mesma opinião sobre Astrologia (comédia,enigma?); até que me deparei com a descrição sensorial - e, portanto, biológica - dos caracteres astrológicos. A partir de então, ... a incrível Biologia Evolutiva do Desenvolvimento(EVODEVO) me levou a reparar o equívoco acima. O resultado está no site:
    www.adiferencaanimalhomemnodna.com.br
    Abraços.

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