Aprendendo critério com os próprios erros

O grande orador romano Horacio Flacco dizia que “um escritor tinha que trabalhar 10h por dia: 2h escrevendo e 8h reescrevendo.”

O que funciona e o que não

Tenho muitas outras citações de muitos outros escritores famosos que sugerem a mesma coisa:

“Escrever é sobretudo corrigir e reescrever” (Antônio Lobo Antunes, Portugal)

“Eu uso a metáfora da escultura para explicar a necessidade de mover e remover e destruir partes da pedra para exibir a forma. Você realmente escreve por subtração. E meu trabalho não é tanto escrever, mas sim apagar. Eu costumo a dizer que qualquer um pode escrever. É fácil escrever. A arte está no apagar e não no escrever. E algumas vezes eu acho que apago mais do que escrevo.” (Amoz Oz, Israel)

Bom, você deve estar se perguntando, e daí?

Me permita usar uma outra citação tentar explicar.

No livro ‘O Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas’ de de Robert Pirsig, o personagem principal, um professor de redação, debate com seus alunos a dificuldade que tem em escrever.

“As escolas nos ensinam a imitar. Se a gente não imita o que o professor quer, ganha nota baixa. Na faculdade o processo é mais sofisticado; é necessário imitar o professor de modo a convencê-lo de que não se está fazendo imitação, mas sim assimilando a essência dos conhecimentos transmitidos e aplicando-os na elaboração de pensamentos individuais. Assim, ganha-se o conceito ‘A’. A originalidade, por outro lado, pode garantir qualquer nota, desde A até F. […] Espera-se que [os alunos] leiam artigos ou contos, que se debatam como o escritor fez determinadas ‘coisinhas’ para obter certos ‘efeitozinhos’, e, depois, que os alunos escrevam um artigo ou conto parecido, para ver se conseguem fazer aquelas mesmas ‘coisinhas’.”

Só que não funcionava.

“Grafia, pontuação, gramática… É impossível lembrar essas bobagens todas e ao mesmo tempo concentrar-se no tema sobre o qual se está tentando escrever.”

O professor teve então um momento de epifânia

“A regra [que os escritores famosos usam para escrever] era descoberta no texto depois do texto pronto. Era uma regra post hoc. Todos os escritores que os alunos eram estimulados a imitar escreviam sem a ajuda de ‘regras’, colocando no papel o que lhes parecesse correto; depois é que voltavam para ver se aquilo ainda lhes parecia bom, e corrigiam o que não agradava.”

Essa passagem é fundamental não só na vida de um escritor, mas na vida de qualquer pessoa! O que faz a diferença não e apenas saber a regra. É, principalmente, saber aplicar a regra. E para ser criativo, você não precisa criar com a regra, precisa saber aplicar a regra a sua criação. Precisa saber avaliar, ratificar e retificar. Corrigir, melhorar e evoluir. Basicamente, ser criativo dá um trabalhão!

Não foi a primeira vez que eu tinha ouvido isso. A Sonia Rodrigues defende a mesma ideia quando diz que “ninguém escreve com o dicionário aberto, senão não escreve”.

Olhem esse depoimento do escrito americano David Sedaris, dado na FLIP de 2008: “O primeiro rascunho de um romance é sempre excitante. Mas depois… vira… matemática. Ah, acabo de descobrir que usei a mesma palavra, duas vezes na mesma frase… e ai vem… como faço pra não usar essa palavra duas vezes… e não parecer um amador… e pegar o ritmo das frases… então eu me divirto no primeiro rascunho, e ai tenho uma vida miserável durante o 2o, 3o, 4o, 5o, 6o… e lá pelo 7o… começo a me divertir de novo.” .

Tá, então a aplicação da regra, a posteriori é importante, porque ele pode aplicar a regra e aplicar e aplicar até… até que se dê por satisfeito. Até que o texto esteja de acordo com o seu padrão de qualidade. O que ele só poderá fazer se tiver estabelecido um critério. Se tiver, criado um.

Uma vez perguntei na FLIP a um grupo de jovens autores como eles sabiam que um texto estava bom: “não tem critéiro, eu lei, e corrijo, leio e corrijo, leio e corrijo até achar que está bom”. Bem, ele pode não saber enunciar o critério, mas que ele existe, isso existe! E é um pouco isso que o nosso método tenta incutir nos nossos alunos: critério.

Abre parênteses: Já escrevi um texto sobre a importância, até, de esperar um tempo entre escrever e reescrever. Mas é importante que esteja escrito! Não dá pra avaliar mentalmente o que você quer escrever, pra escrever já da maneira correta. Quem escreve assim… bem, não escreve. “Não posso avaliar o que está na sua cabeça. Só posso avaliar o que você colocou no papel” eu digo pros meus alunos. Nem eu, nem eles próprios. Fecha parênteses.

Conforme ele tenta mais e mais vezes, vai descobrindo qual é o limite que define a qualidade e a quantidade de esforço para alcançá-la. E nesse momento, o professor fez o que Luli Radfaher diz que é o trabalho do professor em um mundo saturado de informação: Ensinou (deixou seus alunos aprenderem) a desenvolver critério!

Tá, mas do que exatamente eu estou falando? O que é que os alunos vão escrever e reescrever? É um ensaio? Um estudo dirigido? Uma resposta de prova? Não… seria praticamente impossível obrigar um aluno a escrever várias vezes uma coisa que servisse apenas para eles próprios (uma resposta de qualquer coisa). Por isso, eles tem que ‘preparar a prova’! Bom, não exatamente uma prova, mas exercícios de multipla escolha, que testem o conhecimento de conceitos e relações entre conceitos.

Os exercícios são criados com auxílio do formulário da plataforma que controla o curso, o MOODLE, e tem que seguir algumas premissas básicas: todos os enunciados tem que explicitar um conceito claramente e as opções tem que testar relações com esses conceitos. E todas as opções, mesmo as corretas, tem que apresentar um gabarito assertivo, que explique a opção. É uma maneira excelente de ensinar, mas é uma maneira melhor ainda de aprender!

Parece difícil?! Trabalhoso, talvez. Como se faz isso? Garanto que não é de primeira. Pro exercício ficar bacana, você tem que escolher bem as palavras, tem que estudar os conceitos, etc. Se você vai ‘responder’ uma pergunta, pode acertar no chute. Mas se tem que preparar uma… não tem como chutar. Você VAI TER QUE aprender!

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