Em tempos de Dengue

Tem brasileiro espalhado pelo mundo inteiro e fazendo de tudo. Mas um em especial, trabalha no melhor instituo de pesquisa biomédica dos EUA (o National Institute of Health) e com algo que poderia ser considerado por vocês como, no mínimo, inusitado: saliva de mosquitos. Sim, o indivíduo estuda a saliva de mosquitos dos gêneros Aedes e Anopheles.

Aposto que mesmo que soubessem que se tratam dos mosquitos da Malária, da febre amarela e da dengue, ainda assim muitos de vocês pensariam: “Como alguém trabalha com saliva de mosquito?” ou pior “Por que alguém estuda saliva de mosquito?” ou pior ainda “Como alguém paga alguém pra estudar saliva de mosquito?” Com tantas crianças por ai passando fome não é mesmo?!

Bom, vocês podem ler tudo sobre a importância de estudar a saliva de mosquitos no artigo do pesquisador José Marcos Ribeiro. Ou também sobre a arma biológica (eufemismo para vermes) que os cubanos estão mandando para combater o mosquito da dengue. Mas eu queria a sua atenção para um outro tema. Os assuntos estudados pelos cientistas e sua relação com a sociedade e a cidadania.

Em 1951 foi criado o Conselho nacional de pesquisa (CNPq), hoje Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, principal órgão fomentador da atividade científica no país. Na pauta de sua primeira reunião estava a seguinte questão: Como justificar investimentos em ciência em um país com tantas desigualdades e problemas sociais?

Cinqüenta anos depois a pergunta ainda paira no ar. Montar um laboratório custa MUITO dinheiro e a manutenção dele talvez mais ainda. Resumindo, estudar rabo de lagartixa e saliva de mosquito custa um dinheirão. E vale a pena? Justifica? Devemos (e podemos) investir em ciência básica? Ou vamos investir só em tecnologia e ciência aplicada?

O problema começa nessa classificação entre ciência básica e aplicada, que, certamente, cria más interpretações e preconceitos. Essa dicotomia na verdade foi introduzida em 1945 por Vannevar Bush (Science, The Endless Frontier). Neste texto foi feita à famosa e clássica definição de pesquisa básica: “contribuir para o conhecimento e compreensão da natureza e suas leis”. Dai veio à dicotomia que dura décadas!

Em 1997 foi publicado um livro chamado Pasteur’s Quadrant, Basic Science and Technological Innovation. Nesse livro Donald Stokes propõe uma nova taxonomia das atividades de pesquisa e desenvolvimento, cujo mérito principal é justamente superar a FALSA dicotomia existente entre pesquisa básica e aplicada.

No livro de Stokes propõe-se uma nova nomenclatura baseada em coordenadas: uma dimensiona o avanço do conhecimento que a pesquisa propicia. A Segunda dimensiona a aplicação que dela decorre. Com isso, uma pesquisa pode ao mesmo tempo contribuir para o avance do conhecimento e ter grandes perspectivas de aplicação pratica. Pela definição antiga poderia ser básica e aplicada, o que consequentemente invalida tal definição.

Para alcançarmos um estágio onde a pesquisa científica se reverta em grande desenvolvimento tecnológico é necessário massa crítica de pesquisadores, de cérebros, cabeças pensantes. Cérebros que são formados em universidades livres, públicas e de qualidade, com políticas sólidas de apoio a ciência e com uma sociedade que permita a inserção do cientista. Uma sociedade que esteja preparada para “consumir” a ciência.

E durante as epidemias de dengue e os racionamentos de energia elétrica teremos uma massa de pesquisadores capazes de “decodificar” a informação científica disponível e buscar a melhor aplicação para responder aos anseios e necessidades da sociedade.

*Colaborou (muito) Dr. Stevens K. Rehen, pesquisador brasileiro então trabalhando na Universidade da Califórnia em San Diego, EUA.

Superbonder

Era uma vez um cara que estudava patas de Lagartixas. A Lagartixa, como vocês bem sabem, é o animal com a maior capacidade de adesão a diferentes tipos de superfícies. Mais que qualquer outro. O cara descobriu que essa curiosa capacidade era conferida por estruturas similares a pêlos, que o cito réptil possui em suas patas. Essas estruturas microscópicas são capazes de interagir a nível atômico com o material da superfície, e daí a fantástica capacidade de se aderir a qualquer coisa. Pois bem, o cara falou com um amigo e esse amigo conseguiu reproduzir sintéticamente os tais microfilamentos. A “cola” feita com os tais microfilamentos é capaz de “colar”, por exemplo, fuselagem de avião, ou um caminhão em outro. Me parece que os dois (e os filhos dos filhos, e os netos dos filhos dos filhos) nunca mais vão precisar se preocupar com dinheiro 🙂

A ciência como nós a conhecemos hoje…

…começou no séc XV com Galileu. Antes dele as teorias não eram verificadas, ou testadas se preferirem, com observações e dados experimentais, mas sim aceitas pela lógica (e às vezes beleza) do seu raciocínio. Depois dele a ciência passou por sua primeira grande revolução no séc XIX. Newton produziu uma quantidade absurda de conhecimento e ainda que seus escritos mais numerosos tenham sido em alquimia e teologia, foram suas descobertas na matemática e física que mudaram nossa visão do mundo. Ainda bem, por que senão estaríamos acreditando hoje que é possível transformar outros metais em ouro ou que a perfeição da mecânica clássica em explicar o movimento dos corpos se deve a imensa sabedoria de Deus (essas algumas de suas declarações em vida).

Darwin também causou rebuliço quando, em uma época de grande poder da igreja católica, afirmou que os humanos descendiam dos macacos como resultado de uma guerra evolutiva conhecida como seleção natural. A partir daí a teoria atômica de Bohr, a relatividade de Einstein e a mecânica quântica de Planc e a dupla hélice do DNA de Watson e Crick causaram um fenômeno, talvez, até então não percebido: as áreas estudadas pelos grandes nomes da ciência eram muito distantes da realidade cotidiana do publico em geral, o que contribuiu certamente para o distanciamento do cientista da sociedade e vice-versa.

Antes de Einstein nunca um cientista tinha sido uma celebridade, dado autógrafos ou fugido de tietes. O próprio Watson (o do DNA), reclama em sua recente biografia que, apesar do sucesso de sua descoberta, ninguém o convidava para nenhuma festa.

A sociedade não percebe (e talvez com razão) que a ciência que estuda o 5o pleópodo dos copépodos e descreve o desvio da luz causado pela distorção do espaço próximo a corpos de grandes massas, é a mesma ciência que possibilitou todos os avanços tecnológicos que permitiram o aumento da expectativa e da qualidade de vida. A imagem do cientista recluso que foi Newton (que inclusive nunca se casou e segundo as más línguas morreu virgem) e dos cabelos desgrenhados de Einstein, permeiam o imaginário popular com a idéia de que todos os cientistas são loucos. Isso não é só inferência, mas o resultado de uma pesquisa coordenada pelo prof. Leopoldo de Méis do instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, um dos cientistas mais respeitados do Brasil, com crianças e adolescentes de diversas classes sociais.

Os cientistas de hoje são pessoas normais: adoram tomar chope no buteco, jogar futebol no final de semana e pensam em sexo 98% do tempo, como quase todo ser humano. Sua única loucura talvez tenha sido escolher fazer ciência no Brasil, onde nos últimos 10 anos conseguimos entrar no seleto grupo dos 20 paises que são responsáveis por mais de 1% da produção científica mundial, mas as verbas para ciência são consideradas supérfluas já que o governo considera mais interessante comprar tecnologia do que formar cérebros e cidadãos.

Verdade seja dita, os cientistas tem que fazer sua parte, e dedicar mais tempo para atividades sociais, a terceira perna do tripé universitário conhecido por ensino, pesquisa e extensão. A vaidade científica (talvez a pior das vaidades profissionais, já que dinheiro algum pode comprar o tesão de “saber”), tem feito os cientistas se isolarem em seus laboratórios: “me dêem financiamento e me deixem trabalhar já que vocês não conseguiriam mesmo entender o que estou fazendo”.

Precisamos divulgar o conhecimento científico, fazer marketing com a ciência e dissemina-la para todas as pessoas. Essa é a única forma de combatermos os bispos Macedo, os “Big Brother Brasil”, os Tarots e as Roseanas que adentram nossas casas e derretem pouco a pouco o nosso cérebro todos os dias sem que tomemos consciência disso. É isso que essa coluna pretende daqui por diante.

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