Museu a céu aberto

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Passear por Florença é passear por um museu a céu aberto.
Jardins, igrejas, palácios, Michelangelo, Da Vinci, Botticelli, Caravaggio, todo mundo passou por lá. E nem precisa entrar nos museus… você dobra uma esquina e pode dar de cara com ‘O rapto das Sabinas’, escultura lindíssima de Gianbologna, contemporâneo de Michelangelo, exposta na ‘loja’ na ‘Piazza Signorina’. Com sua forma espiralada, foi uma quebra de paradigma na época, já que todas as esculturas, inclusive o David, tinham ‘frente e verso’. Um lado ‘certo’ para ver. Sendo em espiral, cada lado é sempre certo e ao mesmo tempo, um novo angulo e uma nova mesma escultura. A submissão do velho etrusco pelo jovem romano também pode ter muitas interpretações.
Mas além de uma viagem pela história e história da arte, uma passeio por Florença também é um passeio pela história da ciência. A começar pelo próprio ‘Museo di Storia della Scienza’.


Os planos inclinados que Galileu usou para estudar o movimento, os primeiros astrolábios, lentes, telescópios e microscópios, dínamos… O museu é pequeno mas muito, muito charmoso.
E por sorte, no Palazzo Strozzi estava acontecendo a exposicao O ceu de Galileo: da antiguidade ao telescopio. Essa uma exposicao riquissima, com muitos instrumentos mas tambem obras de arte como o ‘Atlas’ (que carrega o mundo nas costas) de Barbieri e o ‘Saturno’ (que devora um de seus filhos) de Goya.


O tema não poderia ser mais bem escolhido, porque nada representa melhor a história da ciência que a evolução do conhecimento do firmamento acima de nós. Mostra como observações mais cuidadosas, instrumentos mais avançados e cálculos mais precisos levaram o homem de um céu estático com as estrelas do starfix que eu colava no teto do meu quarto quando era criança, até as sondas espaciais que temos hoje.
Mais que a história, é a vitória da ciência.
Nada poderá tirar meu prazer de caminhar por Florença.

A realidade e a relatividade

Vocês podem dizer que eu estou substantivando tudo. Mas uma leitora assídua me pediu para falar de relatividade e, como já tem livros demais, e textos demais, falando sobre Einstein, resolvi dar uma outra abordagem a relatividade.

Fui no CCBB ver o Veríssimo (, Luís Fernando) na “Oficina para escritores”. Cheguei mais de uma hora antes, mas a fila já dava voltas pelo salão. Sem chance! Então eu e o JP fomos ver a exposição ‘China Hoje’ e acabamos assistindo duas exposições paralelas sobre fotografia. A primeira tinha o nome do autor, o fotografo espanhol “Chema Madoz” e a segunda se chamava ‘Instantes de Felicidade’.

A primeira foto era do pioneiro Louis Jacques Daguerre. A primeira fotografia com uma figura humana: Um engraxate, que ficou na mesma posição tempo suficiente para ser capturado pela exposição de horas. Na foto, uma movimentada esquina de Paris aparecia vazia. Até esse momento, a foto não registrava o ‘instante’.

Eu devia estar com as palavras na cabeça, porque conforme via as fotos ia só vendo as diferenças entre a realidade e a realidade registrada na foto. E portanto, a relatividade da realidade.

Ao contrário do que podem pensar, a relatividade não é nova, nem foi concebida por Einstein. Galileu havia descrito a relatividade de um evento dependendo da posição de um observador (o clássico exemplo da bola de ping-pong quicando no mesmo lugar pra quem está em frente a mesa dentro do trem, mas formando arcos para quem vê desde o lado de fora, o trem passando). O que Einstein descreveu foi a relatividade especial, aquela que descreve os fenômenos ligados a luz. Tudo que acontece na velocidade da luz está sujeito a uma relatividade especial. E foi ai que ele descobriu a relatividade do tempo e do espaço.


Fotografia é um excelente exemplo de como ciência pode influenciar a vida das pessoas. Por exemplo, a arte, mas também todo o resto. Com a fotografia, a arte deixou de ser meramente representativa da realidade e pode partir para o abstrato. Ao mesmo tempo, foi a necessidade de retratar o real, exercida primeiramente pelo desenho e pela pintura, que motivou inicialmente Nicéphore Nièpce a explorar as possibilidades da fotossensibilidade. O tempo de exposição da fotografia diminuiu de horas para milésimos de segundo. E pudemos guardar o… instante. Para sempre! Depois, foi a fotografia que passou ao abstrato, como nas fotos de Madoz.

Em um dos antigos cofres do CCBB, uma projeção mostrava fotos do julgamento de Klaus Barbie: O Carniceiro de Lyon. Em uma das fotos, ele aparecia como um gentil velhinho. Poderia ser meu ou seu avô. Em outra foto, uma das testemunhas, um senhor chamado Favve, totalmente deformado pelas torturas, parecia um monstro. Mas era, na verdade, uma pessoa doce e gentil, em busca de justiça.

A realidade e a relatividade das imagens continuaram me assolando por toda exposição. Como podemos saber o que é realmente real? Se até o que é fotografado é relativo? (ainda mais nesses tempo de Photshop…)

A grande realidade está no saber. A informação é a única força capaz de alterar o estado da relatividade, transformando ela cada vez, mais e mais, em realidade. Com informação, a imagem de Barbie não pode ser suavizada pela fotografia.

Mas esse pode ser também o problema da informação. Uma vez que você sabe… não dá pra fingir que não sabe. Não dá mais pra relativizar a realidade.

Institutos de Pesquisa e Fé e a Ética na ciência.

Algumas semanas atrás falei sobre clonagem, na onda da discussão sobre a proibição das pesquisas com embriões humanos. Naquele artigo relutei em falar sobre a ética aplicada a essa questão, por achar que os argumentos técnicos seriam mais importantes para formar a opinião geral.

No entanto, ao ler um livro essa semana que continha o discurso de Galileu Galilei, ao se retratar publicamente frente a inquisição romana, por defender suas idéias e estudos sobre o heliocentrismo (o sol como centro do universo e a terra em movimento ao redor dele), e ao ler no ‘Jornal da Ciência’ o artigo cujos trechos cito a seguir, não resisti a comentar o tema.

O artigo era de Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa e membro da diretoria do Instituto Ciência e Fé. Instituto de Ciência e Fé?!? Já desconfiei. Faço parte do grupo que não concorda que fé e ciência sejam compatíveis. Mas começo a achar que seja uma minoria, devido ao grande número de pessoas, incluindo pesquisadores renomados, que acreditam que isso seja possível. Tanto que pelo visto existe até um Instituto da Ciência e Fé, do qual o autor do cito artigo é presidente, e que pretende ser um “espaço privilegiado para o diálogo entre pessoas de diversos horizontes, perspectivas religiosas e políticas”. O saudoso Dr. Chagas, o maior cientista brasileiro do ultimo século, tinha o cargo, para mim insólito, de “adido científico do vaticano” só pra exemplificar.

O autor do artigo afirma que “nunca os princípios de humanidade estiveram tão ameaçados […] por membros da comunidade científica…”, sendo que ele chama de “cientismo” uma utopia que “resolveria todos problemas da humanidade, satisfazendo todas as necessidades legítimas da inteligência humana”. E continua que “Seus adeptos não admitem limites em suas pesquisas, nem orientação e, muito menos, oposição. Mesmo quando ameaçam princípios fundadores de nossa humanidade”.

Princípios fundadores da nossa humanidade?!? Desconfiei de novo.

O que é a ética, a moral? Uma questão filosófica certamente importante e fora do escopo desse artigo e dessa coluna. Mas vale a pena ressaltar que nossa ética é quase toda baseada nos preceitos cristãos. E que, diga-se de passagem, não são preceitos naturais e estão longe de serem consenso entre a humanidade.

No ambiente científico, as questões éticas estão tendo uma importância cada vez maior. Por exemplo, qualquer pesquisador para obter um financiamento do importante Instituto Nacional de Saúde americano(NIH), tem que apresentar no seu currículo um curso de ética. O próprio instituto oferece seu curso “básico” de ética que tem sido freqüentado por um grande número de pesquisadores. Acredito que a ética na ciência esteja ligada com o fator da exploração da vida e da natureza, assim como em muitas outras questões. Animais não acreditam em Deus, e certamente as cobaias de laboratório não questionam ou procuram explicar seu Karma em função de vidas passadas. Porem, a exploração de um recurso em prol de outro gera encruzilhadas que muitas vezes são de difícil transposição. Por isso acredito mais em estratégias que sejam eficientes e sustentáveis em longo prazo, do que em preceitos morais filosóficos. Sejam eles católicos, cristãos, muçulmanos, budistas etc.

Para isso, precisamos aprender a desenvolver nosso senso crítico, e não nossa capacidade de crença. Esse curso de ética do NIH, apesar de algumas baboseiras típicas de americanos, como ensinar um pesquisador como se comportar com suas alunas para que não possam ser acusados de assédio sexual (tipo, jamais conversar sobre a tese no escritório de portas fechadas); ensinam mais a desenvolver o raciocínio crítico, dentro de um contexto científico atual e histórico. No Brasil uma tentativa pioneira nesse sentido foi aplicada por jovens pesquisadores no congresso da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) de 2001 em Caxambu. Mais de 150 alunos de graduação e pós-graduação estiveram presentes. Esperamos que o curso possa ser repetido na reunião de 2003.

Acredito que o verdadeiro objetivo da ciência seja descobrir a natureza e não resolver todos os problemas e ansiedades da sociedade humana. E ela cumpre seu papel a medida que mostra “como o mundo funciona” ao contrário de “como ele deveria funcionar” (o que é uma função da filosofia e da religião).

Por isso a melhor lição de ética que podemos dar a nossos cientistas é de desenvolver o senso crítico e não procurar verdades absolutas (até mesmo porque poucas existem). E repito que, o problema não é que ciência os cientistas fazem, mas que política os políticos fazem.

Talvez a clonagem seja muito perigosa. Ou não. E talvez seja um grande erro autorizar esses experimentos. Ou talvez seja um erro maior não autorizar. Acredito que quanto maior for essa dúvida, maior a necessidade de estudar e pesquisar o tema a fundo. Sem limites, sem proibições. Só assim poderemos conhecer o verdadeiro benefício e o verdadeiro perigo. E só assim poderemos tomar as decisões corretas do que fazer com eles. É sempre melhor que todos saibam o que pode acontecer, do que não saber nada.

“Eu, Galileu Galilei […] aos setenta anos de idade […] e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos senhores Cardeais […] juro que sempre acreditei, acredito agora e, com a ajuda de Deus, acreditarei futuramente em tudo o que é aceito pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana […] Visto que, após me ter sido feita a injunção judicial por esse Santo Ofício […] para que eu abandone por completo a falsa opinião de que o Sol é o centro do mundo e imóvel, e de que a terra não é o centro do mundo e imóvel, e me proibindo de aceitar, defender ou ensinar […] a doutrina […] escrevi e imprimi um livro no qual discuto essa doutrina […] e por essa razão apontou-me o Santo Ofício como veemente suspeito de heresia […] Assim sendo, visando dissipar […] essa forte suspeita […] abjuro, amaldiçôo e abomino os já mencionados erros e heresias, e de um modo geral todo e qualquer erro e seita que de qualquer maneira sejam contrários à Santa Igreja […] Eu […] jurei, prometi e me comprometi acima […]”.

Giordano Bruno morreu queimado na fogueira por heresia 50 anos antes de Galileu proferir seu discurso para evitar a morte pela mesma razão. Eu me sinto horrível de pensar que daqui a 300 anos alguém possa ler sobre a nossa época e pensar que as pessoas que queriam estudar a clonagem tiveram de morrer na fogueira ou negar ridiculamente suas idéias como Galileu (diz a lenda que quando Galileu se levantou da sua posição de joelhos murmurou: “E no entanto ela se move”).

***

“Não é função do nosso governo impedir que o cidadão caía em erro. É função do cidadão impedir que o governo cai em erro”. Robert H. Jackson, Juiz da suprema corte, EUA. 1950.

A ciência como nós a conhecemos hoje…

…começou no séc XV com Galileu. Antes dele as teorias não eram verificadas, ou testadas se preferirem, com observações e dados experimentais, mas sim aceitas pela lógica (e às vezes beleza) do seu raciocínio. Depois dele a ciência passou por sua primeira grande revolução no séc XIX. Newton produziu uma quantidade absurda de conhecimento e ainda que seus escritos mais numerosos tenham sido em alquimia e teologia, foram suas descobertas na matemática e física que mudaram nossa visão do mundo. Ainda bem, por que senão estaríamos acreditando hoje que é possível transformar outros metais em ouro ou que a perfeição da mecânica clássica em explicar o movimento dos corpos se deve a imensa sabedoria de Deus (essas algumas de suas declarações em vida).

Darwin também causou rebuliço quando, em uma época de grande poder da igreja católica, afirmou que os humanos descendiam dos macacos como resultado de uma guerra evolutiva conhecida como seleção natural. A partir daí a teoria atômica de Bohr, a relatividade de Einstein e a mecânica quântica de Planc e a dupla hélice do DNA de Watson e Crick causaram um fenômeno, talvez, até então não percebido: as áreas estudadas pelos grandes nomes da ciência eram muito distantes da realidade cotidiana do publico em geral, o que contribuiu certamente para o distanciamento do cientista da sociedade e vice-versa.

Antes de Einstein nunca um cientista tinha sido uma celebridade, dado autógrafos ou fugido de tietes. O próprio Watson (o do DNA), reclama em sua recente biografia que, apesar do sucesso de sua descoberta, ninguém o convidava para nenhuma festa.

A sociedade não percebe (e talvez com razão) que a ciência que estuda o 5o pleópodo dos copépodos e descreve o desvio da luz causado pela distorção do espaço próximo a corpos de grandes massas, é a mesma ciência que possibilitou todos os avanços tecnológicos que permitiram o aumento da expectativa e da qualidade de vida. A imagem do cientista recluso que foi Newton (que inclusive nunca se casou e segundo as más línguas morreu virgem) e dos cabelos desgrenhados de Einstein, permeiam o imaginário popular com a idéia de que todos os cientistas são loucos. Isso não é só inferência, mas o resultado de uma pesquisa coordenada pelo prof. Leopoldo de Méis do instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, um dos cientistas mais respeitados do Brasil, com crianças e adolescentes de diversas classes sociais.

Os cientistas de hoje são pessoas normais: adoram tomar chope no buteco, jogar futebol no final de semana e pensam em sexo 98% do tempo, como quase todo ser humano. Sua única loucura talvez tenha sido escolher fazer ciência no Brasil, onde nos últimos 10 anos conseguimos entrar no seleto grupo dos 20 paises que são responsáveis por mais de 1% da produção científica mundial, mas as verbas para ciência são consideradas supérfluas já que o governo considera mais interessante comprar tecnologia do que formar cérebros e cidadãos.

Verdade seja dita, os cientistas tem que fazer sua parte, e dedicar mais tempo para atividades sociais, a terceira perna do tripé universitário conhecido por ensino, pesquisa e extensão. A vaidade científica (talvez a pior das vaidades profissionais, já que dinheiro algum pode comprar o tesão de “saber”), tem feito os cientistas se isolarem em seus laboratórios: “me dêem financiamento e me deixem trabalhar já que vocês não conseguiriam mesmo entender o que estou fazendo”.

Precisamos divulgar o conhecimento científico, fazer marketing com a ciência e dissemina-la para todas as pessoas. Essa é a única forma de combatermos os bispos Macedo, os “Big Brother Brasil”, os Tarots e as Roseanas que adentram nossas casas e derretem pouco a pouco o nosso cérebro todos os dias sem que tomemos consciência disso. É isso que essa coluna pretende daqui por diante.

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