A realidade e a relatividade

Vocês podem dizer que eu estou substantivando tudo. Mas uma leitora assídua me pediu para falar de relatividade e, como já tem livros demais, e textos demais, falando sobre Einstein, resolvi dar uma outra abordagem a relatividade.

Fui no CCBB ver o Veríssimo (, Luís Fernando) na “Oficina para escritores”. Cheguei mais de uma hora antes, mas a fila já dava voltas pelo salão. Sem chance! Então eu e o JP fomos ver a exposição ‘China Hoje’ e acabamos assistindo duas exposições paralelas sobre fotografia. A primeira tinha o nome do autor, o fotografo espanhol “Chema Madoz” e a segunda se chamava ‘Instantes de Felicidade’.

A primeira foto era do pioneiro Louis Jacques Daguerre. A primeira fotografia com uma figura humana: Um engraxate, que ficou na mesma posição tempo suficiente para ser capturado pela exposição de horas. Na foto, uma movimentada esquina de Paris aparecia vazia. Até esse momento, a foto não registrava o ‘instante’.

Eu devia estar com as palavras na cabeça, porque conforme via as fotos ia só vendo as diferenças entre a realidade e a realidade registrada na foto. E portanto, a relatividade da realidade.

Ao contrário do que podem pensar, a relatividade não é nova, nem foi concebida por Einstein. Galileu havia descrito a relatividade de um evento dependendo da posição de um observador (o clássico exemplo da bola de ping-pong quicando no mesmo lugar pra quem está em frente a mesa dentro do trem, mas formando arcos para quem vê desde o lado de fora, o trem passando). O que Einstein descreveu foi a relatividade especial, aquela que descreve os fenômenos ligados a luz. Tudo que acontece na velocidade da luz está sujeito a uma relatividade especial. E foi ai que ele descobriu a relatividade do tempo e do espaço.


Fotografia é um excelente exemplo de como ciência pode influenciar a vida das pessoas. Por exemplo, a arte, mas também todo o resto. Com a fotografia, a arte deixou de ser meramente representativa da realidade e pode partir para o abstrato. Ao mesmo tempo, foi a necessidade de retratar o real, exercida primeiramente pelo desenho e pela pintura, que motivou inicialmente Nicéphore Nièpce a explorar as possibilidades da fotossensibilidade. O tempo de exposição da fotografia diminuiu de horas para milésimos de segundo. E pudemos guardar o… instante. Para sempre! Depois, foi a fotografia que passou ao abstrato, como nas fotos de Madoz.

Em um dos antigos cofres do CCBB, uma projeção mostrava fotos do julgamento de Klaus Barbie: O Carniceiro de Lyon. Em uma das fotos, ele aparecia como um gentil velhinho. Poderia ser meu ou seu avô. Em outra foto, uma das testemunhas, um senhor chamado Favve, totalmente deformado pelas torturas, parecia um monstro. Mas era, na verdade, uma pessoa doce e gentil, em busca de justiça.

A realidade e a relatividade das imagens continuaram me assolando por toda exposição. Como podemos saber o que é realmente real? Se até o que é fotografado é relativo? (ainda mais nesses tempo de Photshop…)

A grande realidade está no saber. A informação é a única força capaz de alterar o estado da relatividade, transformando ela cada vez, mais e mais, em realidade. Com informação, a imagem de Barbie não pode ser suavizada pela fotografia.

Mas esse pode ser também o problema da informação. Uma vez que você sabe… não dá pra fingir que não sabe. Não dá mais pra relativizar a realidade.

Navalha na carne

Esse dias li o conto de uma amiga, que em algum momento tentou justificar que nem sempre a navalha de Ockham funciona. Fiquei pensando que muitos amigos ao lerem o mesmo conto se perguntariam: O que é a navalha de Occam?

Como estou com um pouco de tempo livre nessa antevéspera de ano novo, resolvi contar pra vocês, porque é um dos princípios que acho mais bonitos na natureza.

A teoria já começa com uma confusão no nome. Ela é atribuída a William de Ockham que viveu na vila de Ockham nos arredores de Londres nos idos de 1200. Mas ele também era conhecido como Guilherme de Occam. Por isso vocês podem encontrar o princípio com os dois nomes: Ockam e Occam. Como quer que se chamesse, o que importa é que ele foi um cara precoce e brilhante. Se juntou a ordem fransiscana ainda muito jovem e estudou (e lecionou) filosofia e matemática nos séculos XIII e XIV (até ser vitima da peste negra em Munique em 1349).

Como Frei franciscano, Ockham acreditava na no despojo de todos os bens materiais, por isso fez votos de pobreza e a única coisa que lhe pertencia era a sua túnica. Isso parece ter sido importante para sua filosofia, pois como dizem algumas fontes, parece que ele aplicou essa idéia da desnecessidade das coisas superfluas a outros fenômenos da natureza:
É inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos” (O que mais tarde seria conhecido como princípio da economia).

Ele tinha um problema com os escolásticos da sua universidade que procuravam sempre as explicações mais complexas para os eventos que poderiam ser explicados de forma mais simples. Se para comprovar um teorema, existissem dois caminhos que levavam ao mesmo resultado, e um deles possuísse cálculos bem mais simples que o outro, então essa solução do teorema deveria ser escolhida como a melhor, ou a verdadeira. E foi assim, através da lógica e da matemática, que ele conseguia provar que estava certo.

A frase mais famosa de Ockham é: “Pluralitas non est ponenda sine neccesitate” que quer dizer “Pluralidades não devem ser postas sem necessidade”. Mas acho que com outra frase dele podemos compreender melhor a sua idéia: “as entidades não devem ser multiplicadas além do necessário, a natureza é por si econômica e não se multiplica em vão”.

Ockham defendia a necessidade da experimentação como fonte do conhecimento, em oposição uso da razão pura; e julgava impossível provar a existência de Deus através de qualquer ferramenta racional (apesar de não questionar a sua existência). Assim, Ockham separou a fé da razão e libertou a filosofia da teologia. Com isso ele conseguiu muitos inimigos (era uma época em que a igreja costumava a queimar quem quer que questionasse o seu poder e ele foi rapidamente excomungado e acusado de herege, o que o fez passar a vida fugindo dos longos braços do papa), mas também é lembrado até hoje como o primeiro pensador moderno (ou o último grande pensador medieval).

A idéia de Ockham era partir da intuição para explicar os fenômenos: “Não se deve aplicar a um fenômeno nenhuma causa que não seja logicamente dedutível da experiência sensorial.” Com isso ele conseguiu muitos adeptos na ciência, que aplicou o princípio de Ockham ao método científico e sua formulação, um pouco diferente da original, ficou conhecida como a Navalha de Occam: “se há várias explicações igualmente válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples”.

Muitos cientistas usaram o princípio da navalha de Occam em suas teorias. Alguns, como Newton, que acreditava que Deus fosse importante para manter os planetas ao longo do tempo nas órbitas que ele (Newton) tão brilhantemente descreveu, precisaram ser contestados por outros, no caso Laplace (muitos anos depois), mostrando com o uso da “navalha”, que Deus era desnecessário nas equações de Newton.

Um erro que comumente é aplicado a “Navalha de Occam“, é achar que ela é um sinônimo de simplismo. A navalha não diz que entre duas teorias, a mais simples é a verdadeira, mas sim que entre duas ou mais teorias, a mais simples, que explique o fenômeno, é a verdadeira. Isso quer dizer que simplificar um fenômeno para que uma teoria se aplique a ele, valendo-se da navalha de occam, não é correto. Foi o que Einstein quis dizer quando escreveu que “as teorias devem ser tão simples quanto possível, mas nem sempre devemos escolher as mais simples”.

Mas eu volto ao conto da minha amiga. Ela incorreu nesse erro: De achar que a navalha não poderia ser aplicada porque a explicação simples não funcionava. A explicação simples não funciona, então ela não é a explicação. A navalha sempre funciona!

O que temos que descobrir é quais elementos incorporar a explicação sem que eles se tornem “multiplicativamente desnecessários“?

Porém, muitas vezes, o problema está no “que” se quer explicar. Karl Pope, outro filosofo de quem eu já falei alguma coisa, mas que de quem eu quero falar mais qualquer dia, explicou que uma teoria só é uma teoria se puder ser refutada. Isso quer dizer que ao formular um problema ou uma hipótese, devemos tomar alguns cuidados, sob pena de escapar da ciência e começar a cair na filosofia ou na fé. Todos nós, em diferentes momentos (e acho que minha amiga no momento em que escreveu o texto) queremos que as coisas sejam de um jeito, que não é necessariamente o jeito que elas são. Mas para isso não precisamos de razão. Precisamos (quem precisa) de fé.

O velho truque da mariposa na árvore

Todo mundo aprendeu no colégio a seleção natural de Darwin. O exemplo clássico, presente em todos os livros didáticos, era das mariposas brancas da Inglaterra, que após a revolução industrial tornar o céu esfumaçado, ficaram escuras para se adaptar ao novo ambiente. Quer dizer, elas não “ficaram” escuras. O que a teoria diz é que mariposas escuras apareceram por acaso e, por se camuflarem melhor, foram “selecionadas” em comparação a suas irmãs brancas, que, por se destacarem, acabaram sendo mais visadas (comidas) pelos predadores. Certo?! Seria o exemplo perfeito… se fosse verdade!

O “melanismo” é o nome do fenômeno relacionado ao escurecimento da pele, pelagem ou plumage, não está relacionado apenas a predação. Na mesma época, não só as mariposas, mas também outros animais, menos sujeitos a predação intensiva, como gatos, besouros e pássaros; também escureceram. Nos pássaros por exemplo, o melanismo pode favorecer a absorção de luz solar e o aquecimento do corpo, ou a coloração da plumagem pode favorecer nos rituais de acasalamento.

No exemplo dos livros, a mariposa Biston betularia, não apresentava formas escura até revolução industrial. A forma pigmentada foi observada nos arredores de Manchester em 1848 e teve a sua freqüência aumentada até alcançar 90% da população no início do século XX. Mas com a redução da poluição, as formas melânicas tiveram novamente uma redução na freqüência para menos de 10% da população. A verdade é que as formas pigmentadas já existiam nas florestas da Inglaterra e também da América do norte, mas a forma clara, salpicada de melanina era a mais freqüente na cidade, e se misturava com os liquens das árvores.

Foi em meados dos anos 50 que um autor chamado Kettlewell explicou a variação da freqüência das diferentes formas em função da pigmentação e da predação por pássaros.
De acordo com a “lenda”, a forma clara estava adaptada a camuflagem nas árvores cobertas de liquens. Quando a poluição aumentou, os liquens (que são super sensíveis a poluição atmosférica) desapareceram e as mariposas claras ficaram mais destacadas nos troncos escuros das árvores e podiam ser mais facilmente identificadas pelos pássaros. O aparecimento de uma mutação para mariposas com maior pigmentação, levou a uma maior eficiência na camuflagem. E com a menor predação pelos pássaros, essa variedade pigmentada conseguia se reproduzir mais e aumentou a sua freqüência na população.

Mas adivinhem…. muitos autores demonstraram que essas mariposas praticamente não ficam nos troncos das árvores! Principalmente durante o dia, preferindo as copas das árvores, que são áreas mais protegidas.

A B. betularia pode apresentar 3 padrões de pigmentação, que dependem da expressão de 4 genes (4 alelos porque são genes que juntos determinam uma mesma característica): a típica forma “Pálida”, a intermediária “Insulária” e a forma melanômica total “Carbonária”.

Apesar da forma Carbonária ser efetivamente melhor camuflada que a forma típica Pálida, nunca houve uma substituição total de uma população pela outra. Além da freqüência da forma típica ter voltado a aumentar em Manchester quando os níveis de poluição diminuíram, existe uma alta freqüência da forma Carbonária em regiões não poluídas da Inglaterra. Isso sugere que o rápido aparecimento das formas pigmentadas foi, provavelmente, uma “exportação” dessas formas. Sem a necessidade do aparecimento da “mutação”.

O assunto é polemico e tem despertado livros e artigos de autores defendendo e questionando o melanismo das mariposas como o melhor exemplo vivo de evolução natural atuando.

Um experimento de criação dos 3 tipos de mariposas em laboratório mostrou que a raça típica Pálida tem uma sobrevivência 30% inferior a da Carbonária e 7% inferior a Insulária. Um modelo de computador que leve em consideração essa sobrevivência geral mostra que a distribuição prevista após 150 gerações de mariposas (um número razoável de se imaginar de 1848 até agora), se aproxima muito mais a distribuição atual do que quando se leva em consideração apenas a capacidade de camuflagem e a poluição.

É mais difícil provar o que é menos intuitivo, ainda que seja o verdadeiro!

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